sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Nos preparemos para o Segundo turno e para as baixarias do Candidato do PSDB (texto)


 O candidato à Presidência da República José Serra do PSDB, enfatizou a questão do aborto em seu primeiro programa eleitoral na TV no segundo turno. Ele disse que sempre (sic) condenou o aborto e afirmou ter valores cristãos (sic).
A fala de Serra já nos indica o tom da sua campanha no segundo turno. Parece-me que começa um Vale Tudo para chegar à presidência do país. E nessa fala, parece-me tb, que o candidato do PSDB quer nos fazer acreditar que Dilma Rousseff, candidata do PT, está fazendo campanha pelo aborto.
Serra prometeu implementar o programa "Mãe Brasileira", um programa de sáude pública voltado para mulheres grávidas. "O dom da vida é o mais bonito e o mais sagrado que a gente recebe. Mãe brasileira, um programa do Serra que vai cuidar da mãe e proteger a vida do bebê muito antes dele nascer. Consultas de pré-natal, apoio a saúde da mãe e do bebê. Mãe brasileira, a favor da vida, a favor do Brasil". Demagogia. Por dia acontecem 2,7 mil abortos no Brasil.
Não nos esqueçamos de que clínicas clandestinas continuam matando mulheres Brasil afora. O fato de defender, nem sei se é essa a posição da candidata do PT, o fim desses açougues nao significa de forma alguma ser contra a vida. Bem ao contrário. Lutar para que as mulheres possam legislar sobre o seu corpo é lutar pela democracia. Ninguém pode e deve dizer o que cabe à mulher. A não ser a própria mulher.
Esse mesmo argumento usado pelo candidato do PSDB "Valores cristãos" é usando para condenar, por exemplo, os homoossexuais, quando se afirma que sexo é apenas para reprodução ou que crianças adotadas por casais homossexuais serão influenciadas pela orientaçãos dos pais (como se isso fosse uma verdade natual. Por que pais heterossexuais não conseguiram influenciar os seus filhos homo? Sendo assim, porque o contrário seria um fato?)
Quem é que pode afirmar que um filho sempre é desejado? Quem é que pode afirmar que ter um filho sem vontade não acarretará problemas futuros tanto para a criança quanto para a mãe? Quantas mulheres não morrem em virtude de abortos ilegais? O aborto clandestino é um problema de saúde pública.
Alguém aqui já viu como são realizados esses procedimentos nessas clínicas espalhadas por todas as cidades?
Há estatísticas, provinda de países nos quais o aborto não é crime, que afirmam que o acesso ao aborto legal permite reduzir progressivamente o aborto, justamente porque a lei está associada à prevenção das gravidezes não desejadas.
Além disso, o que não é pouco, pode-se elencar que:
Podem ocorrer problemas na futura vinculação afectiva entre a mãe e a criança nascida quando a gravidez é vivida em sofrimento.
A IVG (interrupção voluntária da gravidez) quando considerada crime promove a perseguição às mulheres que abortam.
Embora não haja mulheres na prisão, há mulheres com pena suspensa. Dezenas de mulheres são perseguidas, sujeitas a exames médicos humilhantes e expostas à opinião pública.
Nenhum sistema de saúde entrou em colapso depois da despenalização da IVG.
Proibir não elimina o recurso ao aborto. Quando as mulheres sentem que ele é necessário fazem-no, mesmo que não seja em segurança.
Um aborto mal feito pode ter consequências graves para a saúde da mulher.
Definir um feto (um embrião ou mesmo um ovo) como uma "pessoa", com direitos iguais ou mesmo superiores aos de uma mulher - uma pessoa que pensa, sente e tem consciência - é um absurdo. O Estado é laico, portanto não pode ser influenciado por questões religiosas.
A proibição do aborto é discriminatória em relação às mulheres de baixo nível sócio-económico, que são levadas ao aborto autoinduzido ou clandestino. As mais diferenciadas economicamente podem sempre viajar para obter um aborto seguro.
O primeiro direito da criança é ser desejada.
A possibilidade de escolha é boa para as famílias.
Uma gravidez indesejada pode aumentar tensões, romper a estabilidade e empurrar as pessoas para baixo do limiar de pobreza.
Em seu programa, Dilma afirmou que no segundo turno fará uma campanha em favor da vida e reclamou dos boatos de que seria favorável ao aborto. No programa, os eleitores de Dilma foram instruídos a entrar no site da candidata e obter material para rebater os e-mails que acusam a petista de defender o aborto.
Uma pequena amostra de países que descriminalizaram o aborto:
1- Albania
2- Argélia
3- Austrália
4- Bélgica
5- Benin
6- Botsuana
7- Bulgária
8- Burkina Faso
9-Camboja
10- Canadá
11-Chade
12-República Theca
13-Etiópia
14-França
15-Gana
16-Guiné
17-Guiana
18-Grécia
19-Irã
20-Malásia
21-Mali
22-México
23-Mongólia
24-Nepal
25-Paquistão
26-Portugal
27-Romênia
28-Eslovaquia
29-Espanha
30-África do Sul
31-Suíça
Segundo a Wikipédia:
Canadá
O aborto não é coibido pela lei canadense. Desde 1969 que a lei permite a prática de aborto em situações de risco à saúde, e, a partir de 1973, a interrupção voluntária da gravidez deixou de ser ilegal. O Canadá é um dos países do mundo que dá mais liberdade de fazer um aborto; o acesso ao aborto é fornecido pela assistência médica pública para os cidadãos canadenses e para os residentes permanentes, nos hospitais do país.
De 1994 a 1998, membros de movimentos "pro-life” alvejaram com armas de fogo quatro médicos que praticavam abortos, tendo um sido assassinado em 1998. Em 1992, uma bomba incendiária causou severos danos numa clínica onde se realizavam abortos.

Cuba
O aborto é permitido até as doze semanas desde o triunfo da revolução comunista, em 1959. Cuba é o único país hispânico em que o aborto é legal sem restrições. A Cidade do México e uma outra exceção.

México
No México a legislação sobre o aborto é muito regional. Existem estados onde o aborto é legal quando o feto apresenta alguma deformação genética ou quando é produto de una violação. Recentemente no ano 2009 em muitos estados mexicanos passaram leis que proíbem qualquer forma de aborto como reação ao fato de que o aborto é legal na Cidade do México desde 2008, com a única limitação de que seja praticado nos trés primeiros meses de gestação. O aborto neste caso é praticado e assistido em clínicas do estado com atenção médica especializada e gratuita.

Estados Unidos da América
O aborto é legal, desde os anos 70, na esmagadora maioria dos estados, só não é legal no Dakota do Sul. É também legal quando a mulher invoca fatores socioeconômicos.

Europa
Em todos os países da Europa, exceto Malta, o aborto não é penalizado em situações controladas.

Alemanha
O aborto é permitido até às doze semanas a pedido da mulher após aconselhamento médico, ou em consequência de violação ou outro crime sexual. É também permitido após as doze semanas por razões médicas que possui, segundo a lei alemã, uma definição lata, incluindo saúde mental e condições sociais adversas.
A interrupção da gravidez é regulada na Alemanha pelo Artigo 218 do Código Penal.
Segundo dados da Eurostat, a taxa de abortos legais por nados-vivos manteve-se entre 20 e 21% de 1980 a 1985, tendo diminuído até 13% em 1995. Em 1996 houve um aumento abrupto para 16%, mantendo-se em 1997 e a taxa de 2000 foi de 18%.

Áustria
O aborto é permitido até as doze semanas a pedido da mulher (lei de 1975). Permitida após as doze semanas em caso de perigo de vida, risco de malformação do feto, mulher menor de 14 anos.
Segundo dados da Eurostat, a taxa de abortos legais por nados-vivos manteve-se estável em cerca de 15% de 1960 a 1974, tendo em 1975 tido um salto para 28% e diminuindo gradualmente até 17% em 1988. Em 1989 houve uma quebra signficativa para 4.1% tendo mantido valores entre 3.9% e 2.8% desde então.

Bélgica
O aborto é permitido até as doze semanas quando a gravidez coloca em risco a mulher, razões sociais ou econômicas. Permitida após as doze semanas em caso de sério risco para a saúde
Segundo dados da Eurostat, a taxa de abortos legais por nados-vivos tem variado entre 9% e 23% de 1992 a 1999, não apresentando dados para outros anos.

Bulgária
O aborto é permitido a pedido da mulher até às doze semanas. Até às vinte semanas por risco médico. Permitida após as vinte semanas em caso de má formação do feto.
Segundo dados da Eurostat, há um número semelhante de abortos legais e nados-vivos desde 1960 a 1999. Estes valores diminuíram ligeiramente em 2000 e a taxa passou para 75% em 2001.

Dinamarca
O aborto é permitido até as doze semanas a pedido da mulher mediante a apresentação de um requerimento a um médico ou centro social, que aconselhará a mulher e a encaminhará para um hospital, se mantiver a intenção de interromper. Permitida após as doze semanas em caso de risco de morte ou saúde física da mulher, risco de malformação do feto.
Segundo dados da Eurostat, a taxa de abortos legais por nados-vivos manteve-se estável em cerca de 5% de 1960 a 1967, tendo aumentado rapidamente até 41% em 1976 e estabilizando até 1981 altura em que começou a diminuir gradualmente até 25% em 1994 tendo-se mantido mais ou menos estável desde então.

Grécia
O aborto é permitido até as doze semanas a pedido da mulher. Permitida até as vinte semanas em caso de risco de morte ou saúde física ou mental da mulher, violação ou outros crimes sexuais. Permitida até as 24 semanas no caso de risco de malformação do feto.
Segundo dados da Eurostat, a taxa de abortos legais por nados-vivos aumentou de 7.3% em 1989 para 12.2% em 1994.

Países Baixos
O aborto é permitido até as treze semanas a pedido da mulher. Permitida após as 24 semanas em comprovadas situações de dificuldade e falta de alternativas da mulher, decisão tomada entre a mulher e um médico.
Segundo dados da Eurostat, a taxa de abortos legais por nados-vivos manteve-se estável entre 9.5% e 9.9% em 1985 e 1992 tendo aumentado ligeiramente desde então até 11.6% em 1997.

Itália
O aborto é permitido até aos noventa dias (entre as doze e treze semanas) por razões sociais (incluindo as condições familiares e/ou as circunstâncias em que se realizou a concepção), médicas ou econômicas: de fato, a pedido da mulher. Permitida em qualquer momento em caso de risco de morte ou saúde física ou mental da mulher, risco de malformação do feto, violação ou crime sexual.
Segundo dados da Eurostat, a taxa de abortos legais por nados-vivos aumentou de 32% em 1980 para 39% em 1984 tendo diminuído gradualmente desde então até 26% em 1992 e mantendo-se mais ou menos estável até 1999.

Irlanda
O aborto é permitido apenas em caso de risco de morte da mulher, incluindo o de suicídio.

Noruega
O aborto é permitido a pedido da mulher até as doze semanas. Permitida após as 12 semanas para proteger a saúde da mulher e nos casos de violação.
Segundo dados da Eurostat, a taxa de abortos legais por nados-vivos variou entre 25% e 31% de 1974 a 1992, tendo-se mantido entre 25% e 23% até 2001.

Polônia
O aborto é permitido em caso de violação (estupro), incesto, risco de morte ou saúde física da mulher ou risco de malformação do feto. Nos casos de justificativa médica a mesma tem de ser realizada por dois médicos diferentes do que vai realizar o aborto. 
Na Polônia o aborto foi livre durante o regime comunista até 1993. Movimentos fazem campanha para que a Constituição polonesa seja reformada, no sentido de ampliar a proteção legal da vida humana até o momento da concepção. Há também movimentos que defendem a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez à semelhança da maioria dos países da União Europeia.
Segundo dados da Eurostat, a taxa de abortos legais por nados-vivos aumentou de 23% 1963 para 30% em 1967, tendo diminuído até 20% em 1987. A partir deste ano há uma quebra acentuada e os valores chegam a 2.3% em 1992 tendo mantido valores inferiores a 0.25% desde então.

Portugal
O aborto é permitido em Portugal até às dez semanas de gestação a pedido da grávida. A Lei nº 16/2007 de 17 de Abril indica que é obrigatório um período mínimo de reflexão de três dias e tem de ser garantido à mulher "a disponibilidade de acompanhamento psicológico durante o período de reflexão" e "a disponibilidade de acompanhamento por técnico de serviço social, durante o período de reflexão" quer para estabelecimentos públicos quer para clínicas particulares. A mulher tem de ser informada "das condições de efectuação, no caso concreto, da eventual interrupção voluntária da gravidez e suas consequências para a saúde da mulher" e das "condições de apoio que o Estado pode dar à prossecução da gravidez e à maternidade". Também é obrigatório que seja providenciado "o encaminhamento para uma consulta de planeamento familiar."
O período de permissão é estendido até às dezesseis semanas em caso de violação ou crime sexual (não sendo necessário que haja queixa policial), até às vinte e quatro semanas em caso de malformação do feto.
É permitido em qualquer momento em caso de risco para a grávida ("perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida") ou no caso de fetos inviáveis.

Reino Unido
O aborto é permitido até as 24 semanas por razões sociais, médicas ou econômicas. Permitida após as 24 semanas nos casos de risco para a vida da mãe, risco de grave e permanente doença para a mãe e nos casos de risco de malformação do feto.
O aborto é legal na Inglaterra, Escócia e País de Gales desde 1967. Nessa altura, a legislação britânica era uma das mais liberais da Europa. Hoje, a maioria dos países europeus adoptaram legislação semelhante.
Segundo dados da Eurostat, a taxa de abortos legais por nados-vivos manteve-se estável entre 23% e 26% de 1985 a 1997, tendo aumentado até 30% em 2001.

Suécia
O aborto é permitido a pedido da mulher até as dezoito semanas. Permitida até as 22 semanas por motivos de força maior (ex: inviabilidade do feto).
A primeira legislação aceitando o aborto na Suécia foi emitida em 1938. Previa que o aborto seria legal caso existissem razões médicas, humanitárias ou eugênicas.
Segundo dados da Eurostat, a taxa de abortos legais por nados-vivos aumentou de 3% em 1960 para 36% em 1979 tendo-se mantido entre 28 e 36% desde então.

Suíça
O aborto é permitido até as doze semanas quando a mulher se encontra numa situação de emergência. A mulher deve ser informada exaustivamente antes de se submeter à intervenção.
O aborto é regulado pelo artigo 119 do Código Penal.

Ásia
República da China (Formosa ou Taiwan)
O poder executivo da República da China (Taiwan) propôs uma emenda à legislação vigente sobre o aborto que, entre outras coisas, estabelece um período de "reflexão" de três dias para todas as mulheres que desejem abortar. Isto devido a recentes estatísticas que revelam um número maior de abortos que de nascimentos por ano no país. Segundo um estudo de 1992 publicado pelo Journal of the Royal Society of Health, 46 por cento das mulheres de Taiwan já se submeteram a um aborto. A agência Associated Press informa que vários proeminentes ginecólogos de Taiwan atualmente creem que há mais abortos que nascimentos por ano, uma cifra estimada em 230 mil abortos.
A emenda obrigaria as mulheres a provar que consultaram seu médico antes de buscar um aborto, e as menores de 18 anos teriam que contar com autorização de seus pais ou tutores. 

Nova Zelândia
O aborto é permitido, desde 1977, até as vinte semanas de gravidez, e depois das vinte semanas, se prejudicar a saúde da mulher. A regulamentação requer que o aborto após as doze semanas de gestação têm que ser realizadas em “instituições licenciadas”, que são normalmente hospitais.

*Maria Rita Kehl: Dois pesos…

Este jornal teve uma atitude que considero digna: explicitou aos leitores que apoia o candidato Serra na presente eleição. Fica assim mais honesta a discussão que se faz em suas páginas. O debate eleitoral que nos conduzirá às urnas amanhã está acirrado. Eleitores se declaram exaustos e desiludidos com o vale-tudo que marcou a disputa pela Presidência da República. As campanhas, transformadas em espetáculo televisivo, não convencem mais ninguém. Apesar disso, alguma coisa importante está em jogo este ano. Parece até que temos luta de classes no Brasil: esta que muitos acreditam ter sido soterrada pelos últimos tijolos do Muro de Berlim. Na TV a briga é maquiada, mas na internet o jogo é duro.
Se o povão das chamadas classes D e E – os que vivem nos grotões perdidos do interior do Brasil – tivesse acesso à internet, talvez se revoltasse contra as inúmeras correntes de mensagens que desqualificam seus votos. O argumento já é familiar ao leitor: os votos dos pobres a favor da continuidade das políticas sociais implantadas durante oito anos de governo Lula não valem tanto quanto os nossos. Não são expressão consciente de vontade política. Teriam sido comprados ao preço do que parte da oposição chama de bolsa-esmola.
Uma dessas correntes chegou à minha caixa postal vinda de diversos destinatários. Reproduzia a denúncia feita por “uma prima” do autor, residente em Fortaleza. A denunciante, indignada com a indolência dos trabalhadores não qualificados de sua cidade, queixava-se de que ninguém mais queria ocupar a vaga de porteiro do prédio onde mora. Os candidatos naturais ao emprego preferiam viver na moleza, com o dinheiro da Bolsa-Família. Ora, essa. A que ponto chegamos. Não se fazem mais pés de chinelo como antigamente. Onde foram parar os verdadeiros humildes de quem o patronato cordial tanto gostava, capazes de trabalhar bem mais que as oito horas regulamentares por uma miséria? Sim, porque é curioso que ninguém tenha questionado o valor do salário oferecido pelo condomínio da capital cearense. A troca do emprego pela Bolsa-Família só seria vantajosa para os supostos espertalhões, preguiçosos e aproveitadores se o salário oferecido fosse inconstitucional: mais baixo do que metade do mínimo. R$ 200 é o valor máximo a que chega a soma de todos os benefícios do governo para quem tem mais de três filhos, com a condição de mantê-los na escola.
Outra denúncia indignada que corre pela internet é a de que na cidade do interior do Piauí onde vivem os parentes da empregada de algum paulistano, todos os moradores vivem do dinheiro dos programas do governo. Se for verdade, é estarrecedor imaginar do que viviam antes disso. Passava-se fome, na certa, como no assustador Garapa, filme de José Padilha. Passava-se fome todos os dias. Continuam pobres as famílias abaixo da classe C que hoje recebem a bolsa, somada ao dinheirinho de alguma aposentadoria. Só que agora comem. Alguns já conseguem até produzir e vender para outros que também começaram a comprar o que comer. O economista Paul Singer informa que, nas cidades pequenas, essa pouca entrada de dinheiro tem um efeito surpreendente sobre a economia local. A Bolsa-Família, acreditem se quiserem, proporciona as condições de consumo capazes de gerar empregos. O voto da turma da “esmolinha” é político e revela consciência de classe recém-adquirida.
O Brasil mudou nesse ponto. Mas ao contrário do que pensam os indignados da internet, mudou para melhor. Se até pouco tempo alguns empregadores costumavam contratar, por menos de um salário mínimo, pessoas sem alternativa de trabalho e sem consciência de seus direitos, hoje não é tão fácil encontrar quem aceite trabalhar nessas condições. Vale mais tentar a vida a partir da Bolsa-Família, que apesar de modesta, reduziu de 12% para 4,8% a faixa de população em estado de pobreza extrema. Será que o leitor paulistano tem ideia de quanto é preciso ser pobre, para sair dessa faixa por uma diferença de R$ 200? Quando o Estado começa a garantir alguns direitos mínimos à população, esta se politiza e passa a exigir que eles sejam cumpridos. Um amigo chamou esse efeito de “acumulação primitiva de democracia”.
Mas parece que o voto dessa gente ainda desperta o argumento de que os brasileiros, como na inesquecível observação de Pelé, não estão preparados para votar. Nem todos, é claro. Depois do segundo turno de 2006, o sociólogo Hélio Jaguaribe escreveu que os 60% de brasileiros que votaram em Lula teriam levado em conta apenas seus próprios interesses, enquanto os outros 40% de supostos eleitores instruídos pensavam nos interesses do País. Jaguaribe só não explicou como foi possível que o Brasil, dirigido pela elite instruída que se preocupava com os interesses de todos, tenha chegado ao terceiro milênio contando com 60% de sua população tão inculta a ponto de seu voto ser desqualificado como pouco republicano.
Agora que os mais pobres conseguiram levantar a cabeça acima da linha da mendicância e da dependência das relações de favor que sempre caracterizaram as políticas locais pelo interior do País, dizem que votar em causa própria não vale. Quando, pela primeira vez, os sem-cidadania conquistaram direitos mínimos que desejam preservar pela via democrática, parte dos cidadãos que se consideram classe A vem a público desqualificar a seriedade de seus votos.

*A psicanalista Maria Rita Kehl foi demitida pelo Jornal O Estado de S. Paulo depois de ter escrito, no último sábado (2), artigo sobre a “desqualificação” dos votos dos pobres. O texto, intitulado “Dois pesos…”, gerou grande repercussão na internet e mídias sociais nos últimos dias.

Pensamento do dia

Viajar é mudar o cenário da solidão. (Mário Quintana)

terça-feira, 5 de outubro de 2010

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A morte de um amigo (texto)

O que nos resta diante da morte brutal de um amigo? Impotência, sobretudo. Certeza de que nada que se faça poderia fazer com que o tempo não apenas parasse, mas voltasse atrás e nos desse mais uma vez. 
Só que o tempo é daqui pra frente e o máximo que ele nos permite é nos pensar diante desse real que transformamos sob o olhar desse nosso tempo: não há justificativa que possa fazer sentido quando se pensa que a vida não vale nada ou que ela vale um tênis, uma calça jeans, uma carona, um carro. Como é que chegamos aqui? O que faremos daqui pra frente ao nos deparamos com esse limite? Que valores são esses que nos dominam sempre em detrimento do outro?
Não valemos nada quando somos vistos (e também quando nos vemos) apenas como aquilo ali, aquele ali, aquele dono daquilo, aquele que tem aquilo, aquele mais um. 
As nossas vozes não alcançam os ouvidos mais próximos. Sinto, agora, que não adianta gritar. E fico aqui esperando a próxima notícia: quem será o próximo?
Não sei se é a impunidade que provoca atitudes monstruosas (como por exemplo, a morte do Ezequiel). Preciso pensar sobre isso. O que sei, porque estou vivo (ainda) é que nós (re)produzimos valores e não damos conta de compreender como eles são absorvidos.
A vida não tem valor nenhum (só me resta pensar dessa maneira), ou o valor da vida é uma ida ao mercado. Não importa se eu sou um cara legal, se trato as pessoas com educação, se sou amoroso, se sou tranquilo, se sou alegre, divertido, se conto piada, se rio de mim mesmo. Nada disso conta mais do que a vontade de ter alguma coisa. Que besteira eu pensar que esses valores tivessem a força para impedir um tiro, um chute, umas facadas. Não têm.
Fica a sensação de impotência apenas. E a ela soma-se um vazio (e talvez seja isso sem nome) pálido. Fica também muito medo. Não fica nada que não seja tristeza.

domingo, 3 de outubro de 2010

Violência (texto)

A violência nos é familiar. Deparo-me com ela todos os dias. Basta entrar na internet, ler o jornal ou ouvir o noticiário da manhã. Portanto, ela não surpreende. Ela nos chega pelos quatro cantos com muita naturalidade.
No entanto, quando a violência aproxima-se muito de nós é que nos percebemos expostos, frágeis e sem saber exatamente (se é que isso seria possível) como se defender.
Acabei de receber a notícia da morte de um amigo. Ex aluno, 28 anos. Um cara divertido, inteligente, amigo e tudo aquilo que a gente acha dos próximos. Foi assassinado nessa madrugada em Marechal Cândido Rondon, oeste do Paraná. Não se sabe ao certo o que motivou o crime. Fala-se demais nesses momentos. 
É claro que a motivação não é importante (se isso ou aquilo não faz diferença porque o fato é fato), mas sempre é difícil compreender (não que uma explicação bastasse), acreditar, fazer sentido, quando não há um motivo aparente. Fala-se em assalto, mas não levaram o carro.
Estou aqui desde quando me chegou a notícia sem saber direito no que pensar, entrando e saíndo da internet tentando compreender o incompreensível. Atônito, absorto, arrebatado.

Verde de esperança de dias melhores (texto)

Justifiquei a minha ausência nas eleições, mas, sinceramente, não era isso que eu gostaria de ter feito. Queria ter dado o meu voto. Brigou-se tanto por democracia política e justifico meu voto? Uma pena!
Mas fazer o quê? O Rio de Janeiro não é logo ali e como, mais uma vez, achei que iria viajar para votar, não transferi meu título.
A justificativa começou bem cedo. Como sou um cara bem organizado eu sabia com toda a certeza capricorniana onde estava o título de eleitor. Não precisava  buscá-lo ontem à noite, justamente porque ele só podia estar num único lugar: no arquivo de documentos. Não estava! Como assim, não estava? Revira, retira, sacode, despeja, folheia, nada de título.
Encontrei justificativas antigas, fotos de amigos, documentos da minha mãe, caderneta da 6 série, cartão de vacina, vacina do cachorro, cpf (o bege), dispensa de incorporação (com uma foto impressionante e irreconhecível: tinha até cabelo, um bigode safado e uns pelos onde devia ter barba), certificados diversos, declarações seculares. Mas e o título? Na-da dele aparecer.
Apelei para quem? São Longuinho! Exatamente isso! O Padroeiro dos Desorganizados ou Esquecidos. Prometi, já que o assunto era sério, 15 pulinhos (veja bem, 15 pulinhos aos 45 (de idade e do segundo tempo) só poderia mesmo ser um assunto sério).
E, milagrosamente, eis que me lembro de um arquivo morto e enterrado. Finalmente encontro aquele documento verde de esperaça de dias melhores. Voto justificado. Dever mais ou menos cumprido.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Redes sociais (texto)

Redes sociais são importantes. Não, são fundamentais! Acabo, depois de 8 anos sem nenhum contato, encontrar, através de uma outra amiga (Eleonor), A minha amiga da graduação: Rosilda.
Éramos tão grudados que encontrar um e não encontrar o outro era, praticamente, impossível. Mantivemos contato por muitos anos depois de nossa colação de grau, mas aí saí do Rio, ela se casou, ela começou num outro emprego, eu me mudei mais umas vezes e nos perdemos. 
Distantes apenas dos olhos, não do coração.
Hoje, a primeira coisa que fiz depois de acordar, foi legar o telefone e ligar para falar com ela. Impressionante, como o tempo não passou, parecia que eu estava ligando para contar da minha semana. E ela para contar o que a sua filha aprendeu na escola na aula da semana passada.
É claro que muita coisa mudou nas nossas vidas, foram oito anos sem nenhuma notícia. Queríamos dar conta disso nessa ligação. Impossível! Atropelamos informações, rimos enquanto falávamos de coisas sérias das nossas vidas, lembranças misturávam-se com promessas de encontro, parecia que não queríamos nos desligar. E não nos desligamos e não vamos mais nos desligar.
Felicidade é reencontrar amigos, ainda que seja assim, depois de muitos anos e via Embratel.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Por dois motivos (texto)

Então, estou aqui agora por, pelo menos, dois motivos: primeiro para agradecer as preces feitas para o meu amigo. Ele fez a cirurgia na quinta-feira, retirou uma parte do tumor. Está bem, ainda no hospital, aguardando o resultado da biópsia para os próximos passos do tratamento.
Depois para falar sobre a I Mostra de Filmes sobre a Diversidade Sexual em Cascavel que começou na segunda dia 27 e vai até o dia 02 de outubro. Hoje pude participar da discussão em torno do filme Orações para Bobby conduzido brilhantemente por uma amiga,  Ester, professora do curso de filosofia.
A participação do público tb foi interessante. Tô feliz por isso, estou feliz pelo meu amigo. Estou feliz porque estou feliz.
Um grande abraço e muitos beijos.

sábado, 25 de setembro de 2010

A FOME DE MARINA (por José Ribamar Bessa Freire*)

Há pouco, Caetano Veloso descartou do seu horizonte eleitoral o presidente Lula da Silva, justificando: “Lula é analfabeto”. Por isso, o cantor baiano aderiu à candidatura da senadora Marina da Silva, que tem diploma universitário. Agora, vem a roqueira Rita Lee dizendo que nem assim vota em Marina para presidente, “porque ela tem cara de quem está com fome”.
Os Silva não têm saída: se correr o Caetano pega, se ficar a Rita come.
Tais declarações são espantosas, porque foram feitas não por pistoleiros truculentos, mas por dois artistas refinados, sensíveis e contestadores, cujas músicas nos embalam e nos ajudam a compreender a aventura da existência humana.
Num país dominado durante cinco séculos por bacharéis cevados, roliços e enxudiosos, eles naturalizaram o canudo de papel e a banha como requisitos indispensáveis ao exercício de governar, para o qual os Silva, por serem iletrados e subnutridos, estariam despreparados.
Caetano Veloso e Rita Lee foram levianos, deselegantes e preconceituosos. Ofenderam o povo brasileiro, que abriga, afinal, uma multidão de silvas famélicos e desescolarizados.
De um lado, reforçam a ideia burra e cartorial de que o saber só existe se for sacramentado pela escola e que tal saber é condição sine qua non para o exercício do poder. De outro, pecam querendo nos fazer acreditar que quem está com fome carece de qualidades para o exercício da representação política.
A rainha do rock, debochada, irreverente e crítica, a quem todos admiramos, dessa vez pisou na bola. Feio.“Venenosa! Êh êh êh êh êh!/ Erva venenosa, êh êh êh êh êh!/ É pior do que cobra cascavel/ O seu veneno é cruel…/ Deus do céu!/ Como ela é maldosa!”.
Nenhum dos dois - nem Caetano, nem Rita - têm tutano para entender esse Brasil profundo que os silvas representam.
A senadora Marina da Silva tem mesmo cara de quem está com fome? Ou se trata de um preconceito da roqueira, que só vê desnutrição ali onde nós vemos uma beleza frágil e sofrida de Frida Kahlo, com seu cabelo amarrado em um coque, seus vestidos longos e seu inevitável xale? Talvez Rita Lee tenha razão em ver fome na cara de Marina, mas se trata de uma fome plural, cuja geografia precisa ser delineada. Se for fome, é fome de quê?
O mapa da fome
A primeira fome de Marina é, efetivamente, fome de comida, fome que roeu sua infância de menina seringueira, quando comeu a macaxeira que o capiroto ralou. Traz em seu rosto as marcas da pobreza, de uma fome crônica que nasceu com ela na colocação de Breu Velho, dentro do Seringal Bagaço, no Acre.
Órfã da mãe ainda menina, acordava de madrugada, andava quilômetros para cortar seringa, fazia roça, remava, carregava água, pescava e até caçava. Três de seus irmãos não aguentaram e acabaram aumentando o alto índice de mortalidade infantil.
Com seus 53 quilos atuais, a segunda fome de Marina é dos alimentos que, mesmo agora, com salário de senadora, não pode usufruir: carne vermelha, frutos do mar, lactose, condimentos e uma longa lista de uma rigorosa dieta prescrita pelos médicos, em razão de doenças contraídas quando cortava seringa no meio da floresta. Aos seis anos, ela teve o sangue contaminado por mercúrio. Contraiu cinco malárias, três hepatites e uma leishmaniose.
A fome de conhecimentos é a terceira fome de Marina. Não havia escolas no seringal. Ela adquiriu os saberes da floresta através da experiência e do mundo mágico da oralidade. Quando contraiu hepatite, aos 16 anos, foi para a cidade em busca de tratamento médico e aí mitigou o apetite por novos saberes nas aulas do Mobral e no curso de Educação Integrada, onde aprendeu a ler e escrever.
Fez os supletivos de 1º e 2º graus e depois o vestibular para o Curso de História da Universidade Federal do Acre, trabalhando como empregada doméstica, lavando roupa, cozinhando, faxinando.
Fome e sede de justiça: essa é sua quarta fome. Para saciá-la, militou nas Comunidades Eclesiais de Base, na associação de moradores de seu bairro, no movimento estudantil e sindical. Junto com Chico Mendes, fundou a CUT no Acre e depois ajudou a construir o PT.
Exerceu dois mandatos de vereadora em Rio Branco, quando devolveu o dinheiro das mordomias legais, mas escandalosas, forçando os demais vereadores a fazerem o mesmo. Elegeu-se deputada estadual e depois senadora, também por dois mandatos, defendendo os índios, os trabalhadores rurais e os povos da floresta.
Quem viveu da floresta, não quer que a floresta morra. A cidadania ambiental faz parte da sua quinta fome. Ministra do Meio Ambiente, ela criou o Serviço Florestal Brasileiro e o Fundo de Desenvolvimento para gerir as florestas e estimular o manejo florestal.
Combateu, através do Ibama, as atividades predatórias. Reduziu, em três anos, o desmatamento da Amazônia de 57%, com a apreensão de um milhão de metros cúbicos de madeira, prisão de mais 700 criminosos ambientais, desmonte de mais de 1,5 mil empresas ilegais e inibição de 37 mil propriedades de grilagem.
Tudo vira bosta
Esse é o retrato das fomes de Marina da Silva que - na voz de Rita Lee - a descredencia para o exercício da presidência da República porque, no frigir dos ovos, “o ovo frito, o caviar e o cozido/ a buchada e o cabrito/ o cinzento e o colorido/ a ditadura e o oprimido/ o prometido e não cumprido/ e o programa do partido: tudo vira bosta”.
Lendo a declaração da roqueira, é o caso de devolver-lhe a letra de outra música - ‘Se Manca’ - dizendo a ela: “Nem sou Lacan/ pra te botar no divã/ e ouvir sua merda/ Se manca, neném!/ Gente mala a gente trata com desdém/ Se manca, neném/ Não vem se achando bacana/ você é babaca”.
Rita Lee é babaca? Claro que não, mas certamente cometeu uma babaquice. Numa de suas músicas - ‘Você vem’ - ela faz autocrítica antecipada, confessando: “Não entendo de política/ Juro que o Brasil não é mais chanchada/ Você vem… e faz piada”. Como ela é mutante, esperamos que faça um gesto grandioso, um pedido de desculpas dirigido ao povo brasileiro, cantando: “Desculpe o auê/ Eu não queria magoar você”.
A mesma bala do preconceito disparada contra Marina atingiu também a ministra Dilma Rousseff, em quem Rita Lee também não vota porque, “ela tem cara de professora de matemática e mete medo”. Ah, Rita Lee conseguiu o milagre de tornar a ministra Dilma menos antipática! Não usaria essa imagem, se tivesse aprendido elevar uma fração a uma potência, em Manaus, com a professora Mercedes Ponce de Leão, tão fofinha, ou com a nega Nathércia Menezes, tão altaneira.
Deixa ver se eu entendi direito: Marina não serve porque tem cara de fome. Dilma, porque mete mais medo que um exército de logaritmos, catetos, hipotenusas, senos e co-senos. Serra, todos nós sabemos, tem cara de vampiro. Sobra quem?
Se for para votar em quem tem cara de quem comeu (e gostou), vamos ressuscitar, então, Paulo Salim Maluf ou Collor de Mello, que exalam saúde por todos os dentes. Ou o Sarney, untuoso, com sua cara de ratazana bigoduda. Por que não chamar o José Roberto Arruda, dono de um apetite voraz e de cuecões multi-bolsos? Como diriam os franceses, “il péte de santé”.
O banqueiro Daniel Dantas, bem escanhoado e já desalgemado, tem cara de quem se alimenta bem. Essa é a elite bem nutrida do Brasil…
Rita Lee não se enganou: Marina tem a cara de fome do Brasil, mas isso não é motivo para deixar de votar nela, porque essa é também a cara da resistência, da luta da inteligência contra a brutalidade, do milagre da sobrevivência, o que lhe dá autoridade e a credencia para o exercício de liderança em nosso país.
Marina Silva, a cara da fome? Esse é um argumento convincente para votar nela. Se eu tinha alguma dúvida, Rita Lee me convenceu definitivamente.
(*) Professor, coordena o Programa de Estudos dos Povos Indígenas (UERJ)e pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO)


José Wagner do Nascimento*
Graduado em Pedagogia e
pós-graduando em Educação e Teologia

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Luz e mistério (texto)

Os amigos de fé, esses que passam por aqui vezinquando, peço um pouquinho do seu tempo. Uma oração para um amigo, Júnior, que passa por momentos difíceis de saúde. Amanhã à tarde ela fará uma cirurgia para a retirada de um tumor na cabeça, descoberto recentemente.

Da séria: Contos mínimos

A conversa era narcísica. Ele me dizia o que eu queria ouvir porque amava ser amado. Havia um time de futebol apaixonado por ele e havia goz...