O vídeo é lindo e a filmagem maravilhosa.
ossǝʌɐ op: É UM ESPAÇO PARA EU ESCREVER SOBRE O QUE GOSTO E NÃO-GOSTO: FILMES, DISCOS, LIVROS, FOTOGRAFIAS, TV, OUTROS BLOGUES, PESSOAS, ASSUNTOS VARIADOS. NENHUM COMPROMISSO QUE NÃO SEJA O PRAZER. FIQUEM À VONTADE PARA CONCORDAR OU DISCORDAR (SEMPRE COM RESPEITO E COM ASSINATURA), SUGERIR OU OPINAR. A CASA É MINHA, MAS O ESPAÇO É PARA TODOS.
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
Queimando ou agredindo moradores de rua (texto)
No último sábado, dia 25, dois moradores de rua foram queimados em Santa Maria, cidade satélite de Brasília. Um deles está internado com 30% do corpo queimado, o outro não resistou à violência e morreu no domingo, dia 26.
Por que isso acontece com certa frequência? Minha hipótese é a certeza da impunidade. Ou será que estou enganado? Veja reportagem abaixo sobre os jovens de classe média que queimaram vivo o índio pataxó Galdino Jesus dos Santos.
Assassinos do índio Galdino estão em liberdade
Dez anos depois de assassinarem o índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, em Brasília (DF), os cinco jovens condenados pelo crime, incluindo um menor de idade na época, estão soltos. Na ocasião, os jovens de classe média colocaram fogo no índio enquanto ele dormia em um ponto de ônibus. Em 2001, foram condenados a 14 anos de prisão, mas desde 2004 estão em liberdade. Eles teriam que cumprir cerca de nove anos de reclusão sob regime fechado, porém, com medidas judiciais, conseguiram ficar em regime semi-aberto ? em que o detento só vai dormir na prisão.
A promotora Maria José Miranda, uma das responsáveis pela denúncia contra os jovens, conta os privilégios que eles tiveram desde o início do processo.
Durante o curso do processo, eles teriam que ficar presos preventivamente. Então para não ficar em cela comum foi desocupada uma biblioteca para eles. Eles tinham a chave, tinha cortinas nas janelas, banho quente, vaso sanitário. Ou seja, tinham tudo o que os outros prisioneiros não tinham?.
Em regime semi-aberto foram flagrados diversas vezes em festas e bares da cidade. Para a promotora, esta impunidade pode aumentar a criminalidade no país.
Eu sei que outras pessoas comuns não conseguem estes benefícios. É a mesma justiça interpretando diferentemente a mesma lei. Entre todos os fatores de criminalidade, não resta dúvida que a impunidade é o maior incentivo, maior estímulo ao crime. Muito mais grave é que no caso de pessoas abastadas ou pessoas importantes ela é 100% garantida?.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) denuncia que desde a morte de Galdino em 1997 mais de 250 indígenas foram assassinados em todo o país.
De Brasília, da Radioagência NP, Gisele Barbieri
Dez anos depois de assassinarem o índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, em Brasília (DF), os cinco jovens condenados pelo crime, incluindo um menor de idade na época, estão soltos. Na ocasião, os jovens de classe média colocaram fogo no índio enquanto ele dormia em um ponto de ônibus. Em 2001, foram condenados a 14 anos de prisão, mas desde 2004 estão em liberdade. Eles teriam que cumprir cerca de nove anos de reclusão sob regime fechado, porém, com medidas judiciais, conseguiram ficar em regime semi-aberto ? em que o detento só vai dormir na prisão.
A promotora Maria José Miranda, uma das responsáveis pela denúncia contra os jovens, conta os privilégios que eles tiveram desde o início do processo.
Durante o curso do processo, eles teriam que ficar presos preventivamente. Então para não ficar em cela comum foi desocupada uma biblioteca para eles. Eles tinham a chave, tinha cortinas nas janelas, banho quente, vaso sanitário. Ou seja, tinham tudo o que os outros prisioneiros não tinham?.
Em regime semi-aberto foram flagrados diversas vezes em festas e bares da cidade. Para a promotora, esta impunidade pode aumentar a criminalidade no país.
Eu sei que outras pessoas comuns não conseguem estes benefícios. É a mesma justiça interpretando diferentemente a mesma lei. Entre todos os fatores de criminalidade, não resta dúvida que a impunidade é o maior incentivo, maior estímulo ao crime. Muito mais grave é que no caso de pessoas abastadas ou pessoas importantes ela é 100% garantida?.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) denuncia que desde a morte de Galdino em 1997 mais de 250 indígenas foram assassinados em todo o país.
De Brasília, da Radioagência NP, Gisele Barbieri
domingo, 26 de fevereiro de 2012
O espírito da folia carioca (Ruth de Aquino)
O espírito da folia carioca
Não havia nem uma moeda na bolsinha de crochê com chave, celular e
filtro solar. “Moço, estou com um problema”, eu disse, constrangida, ao
senhor que trabalha no quiosque da Praia do Arpoador, depois de beber
com um amigo a água doce e fresca de dois cocos verdes. “Estou sem
dinheiro nenhum, esqueci em casa.” “Mas que problema”, perguntou Jósa,
sorrindo, gentil, com o facão na mão, “os cocos não estavam bons?”
“Ótimos”, respondi. “Então não tem nenhum problema”, ele disse, “uma boa
praia para vocês.”
Eu fiquei de pagar depois. Não nos conhecíamos. Eu me divertia, ele
trabalhava, num canto da orla carioca de onde avistamos o Morro Dois
Irmãos e a Pedra da Gávea ao fim da curva de mar, areia e barracas
coloridas.
Pensei. Em Paris, Londres ou Nova York, essa cena de cordialidade não
existiria. Os vendedores de lá cobram com rigor cada “centime”, cada
“penny”, cada “cent”, jamais arredondam um preço para baixo – e não há a
menor chance de que eles retribuam com um sorriso generoso uma falta de
dinheiro imprevista.
“Princesa, que horas são?”, pergunta o banhista de sunga. Não tem
“bonjour” nem “merci”, não tem “hi” e “thanks”, é uma consulta direta,
sem um pingo de cortesia formal, mas sedutora na medida da carioquice.
Pode ser o sol, os blocos de rua, a determinação de ser feliz em
fevereiro. O carioca anda mais extrovertido e simpático do que já é.
Não importa o resto. Ele parou de acompanhar o julgamento do
Lindemberg, a ficha suja dos políticos, o careca do mensalão, a greve
que se desmilinguiu em confete, os bueiros explosivos, a gasolina mais
cara, os fantasmas do Senado e os taxistas falsos que desonram a
fantasia de pirata nos aeroportos. Por um tempo, só importa se vai dar
praia, se o banho de mar está liberado, se a cerveja está gelada e se
cabem mais seis no boteco lotado, mesmo em pé do lado de fora.
Esse Rio pré-carnavalesco atrai, hoje, 800 mil turistas. Deles, 250 mil
são estrangeiros, os mais apaixonados pela beleza da cidade. Não há
como andar sem ouvir francês, inglês, italiano, espanhol e outros
idiomas egressos da neve. Dos turistas de outros Estados, paulistas e
mineiros são os campeões. O mais curioso é que passou a ter muito
carioca no Carnaval do Rio. Porque os blocos de rua foram ressuscitados.
Em vez de ir pular no Nordeste, o folião carioca agora fica nas
quebradas de sua cidade.
Cenas de cordialidade como as que existem no Rio de Janeiro não se veem em Paris, Londres ou Nova York
São 425 blocos, de janeiro até o domingo depois do Carnaval, quando o
Monobloco arrasta 400 mil na Avenida Rio Branco. Os nomes são poéticos,
como o Simpatia é Quase Amor. Irreverentes, como o Suvaco do Cristo,
Spanta Neném, Desliga da Justiça. Picantes, como Vem ni Mim que Sou
Facinha, Fogo na Cueca e Só o Cume Interessa. No som, há uma mistura até
blasfema, de tão democrática. Tem brega, rock, sertanejo e MPB. Sempre
em ritmo de samba. Preta Gil levou 250 mil foliões para o centro do Rio e
fez a multidão rezar um padre-nosso pelas vítimas dos desabamentos
recentes.
Por um bom (ou mau) tempo, o Carnaval carioca se resumiu ao desfile das
escolas de samba, a rua tinha dançado. “Quando eu era jovem, ou alguém
me arrumava um ingresso para a Sapucaí ou eu ia para Salvador, Angra,
Petrópolis”, diz o prefeito Eduardo Paes, de 48 anos. “Em vez de
ignorar, resolvemos abraçar os blocos, organizar, dialogar. E estamos
evoluindo ano a ano.” O que não vai ter nunca, diz Paes, é cordinha,
camarote ou corredor para os blocos. Têm de se concentrar nos bairros de
origem e ser ampliados nos subúrbios.
Claro que o trânsito complica. Mas a comunicação e o esquema
funcionaram melhor, e os engarrafamentos foram menores. No último fim de
semana, 700 mil pessoas desfilaram em paz em 111 blocos no Rio, com
muita azaração e criatividade. E menos lixo, menos vândalos e menos
mijões que nos anos anteriores. Há mais banheiros disponíveis. Canteiros
foram protegidos por redes na orla da Zona Sul para não ser pisoteados.
Em Santa Teresa, bairro ferido de morte pelos desastres com bondinhos, o
primeiro destaque do sábado de carnaval será o Céu na Terra. O
homenageado será o bondinho. O Cordão da Bola Preta irá da Candelária à
Cinelândia. A Banda de Ipanema obrigará os ipanemenses a deixar o carro
em casa. No Bloco do Barbas, em Botafogo, o carro-pipa deve refrescar os
foliões. O Empolga às 9 sairá em Copacabana, na Avenida Atlântica. De
bônus, temos as musas dos blocos, essas moças de gingado carioca sem
anabolizante.
Alienação? Transtorno? Pode ser, se você torce o nariz para esse
delírio popular. Para quem festeja a volta da folia de rua após tantos
anos de Carnaval exportação, é hora de curtir, não no Facebook ou na
televisão, mas na vida real. Ao ar livre, com cantoria, suor e beijos.
Deixe o samba correr.
Amanhã tudo volta ao normal (fotos)
Mas é Carnaval!
Não me diga mais quem é você!
Amanhã tudo volta ao normal.
Deixa a festa acabar,
Deixa o barco correr.
Não me diga mais quem é você!
Amanhã tudo volta ao normal.
Deixa a festa acabar,
Deixa o barco correr.
(Noite dos Mascarados - Chico Buarque)
Amanhã tudo volta ao normal. Foram 4 dias de festa, me surpreendendo com a criatividade dos foliões. Hoje, em frente ao meu prédio, a concentração do Bloco das Quengas, muita diversão e fantasia. Mas como tudo tem um fim, o carnaval acabou. Fica a sensação de muita alegria e a vontade de voltar no próximo ano.
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012
Arte pra quem, arte pra quê?
O Museu é de Arte Moderna, a exposição da Nan Goldin, mas a cabeça da atendente/caixa era da Idade Média.
Fomos,
três amigos e eu, hoje ao MAM
assistir a exposição da fotógrafa americana Nan Goldin. Na chegada, compraríamos 3 ingressos inteiros e uma
meia entrada para estudante; um dos meus amigos faz mestrado em letras na Universidade
Estadual do Oeste do Paraná, campus
de Cascavel.
Ele
portava a carteira de estudante (sem data de validade) e a declaração de
matrícula do ano passado (consta nessa declaração “1º semestre de 2011”). Ela nos
barrou dizendo que deveríamos apresentar uma declaração deste ano. Explicamos
que o tal curso é anual e que ele ainda estava em férias. Explicamos também que
a matrícula do mestrado apenas aconteceria a partir do dia 17 de março de 2012
e que, por isso, não poderíamos apresentar uma declaração deste ano, mas a
funcionária foi categórica: argumentou que a Lei estava ali para quem quisesse
ler e que ela era bem clara. Contra-argurmentei que uma Lei não pode ser
interpretada apenas de uma maneira já que a situação não poderia ser generalizada,
haja vista que a instituição na qual o meu amigo estuda funciona de outra
maneira. Mas ela não entendeu que não se pode colocar no mesmo quadrado todas as
situações, ainda que “trabalhe” com arte moderna.
Pedimos
para falar com o gerente. Depois de algum tempo, veio um funcionário se dizendo
gerente (e mais tarde se desdizendo porque este estaria em férias...), reforçando
que estava bem claro o que se dizia
na Lei.
Tornamos
a lhe explicar todos os detalhes, em vão. Além desses dois funcionários, uma terceira,
que trabalha no balcão, nos disse ser aluna de uma universidade federal cuja
matrícula já havia ocorrido em sua instituição. Eu lhe disse que ele, o que era
e deixou de ser gerente, estava duvidando do que estávamos falando, mas ele nos
disse que eu estava colocando palavras em sua boca, já que em momento algum,
segundo ele, havia dito que era mentira o fato de meu amigo estar matriculado
num curso que não havia ainda realizado a matrícula de 2012. Enfim, acabamos tendo
de pagar a entrada inteira.
domingo, 19 de fevereiro de 2012
Fazia muito tempo que eu não passava o carnaval no Rio de Janeiro, mais ou menos uns 6 anos. E, por isso, acredito, havia me esquecido da delícia que é o nosso carnaval de rua. Milhões de pessoas fantasiadas de tudo o que a imaginação possa permitir (e um pouco mais) e nenhuma violência, nenhum desrespeito, nenhum tumulto fora os normais, ou seja, multidão de pessoas nas ruas, blocos por todos os lados, e a gente ali sem poder atravessar uma rua. Fora isso, apenas riso e surpresas.
Hoje me diverti de montão, saí de peruca verde e voltei de branca de neve (pena não ter uma foto para socializar tanta coragem, afinal sou um professor sério). Acabei de chegar em casa depois de um longo dia atrás de blocos, encontros com amigos e uma passada no cinema (a caráter) para assistir A Dama de Ferro. Dia longo, mas nada que uma bom descanso merecido não me coloque em dia para o domingo de carnaval. Bom carnaval para quem gosta de festa!!!
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012
Quem não gosta de samba bom sujeito não é (texto)
Está aberta, oficialmente, a temporada de blocos de carnaval no Rio de Janeiro. A cidade respira carnaval. E é bom demais!! Um clima bem divertido e descontraído.
No Face(book), dia desses, vi algumas manifestações de alguns paranaenses sobre quem gosta de carnaval ser vagabundo e fiquei pensando, naqueles dias, sobre o que faz alguém achar que gostar de festa faz de alguém um desocupado. Mas aquele pensamento logo se dissipou ao me lembrar do Porco no Rolete, do Boi no Rolete, da Oktoberfest, das Festas do Seminário (costelaço), da Festa das Nações, dos bailões sertanejos, da Mega Fantasy, das cervejadas, dos Encontros de blocos, das festas de cada curso de graduação e achei melhor nem comentar.
Continuo achando que quem não gosta de festa bom sujeito não é. Ou é ruim da cabeça ou doente do pé. Ou é doente do pé e ruim da cabeça. Um bom feriado de carnaval para todos.
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
Os filhos da época (poema)
Somos os filhos da época,
e a época é política.
Todas as coisas - minhas, tuas, nossas,
coisas de cada dia, de cada noite
são coisas políticas.
Queiras ou não queiras, teus genes têm um passado político,
tua pele, um matiz político,
teus olhos, um brilho p...olítico.
O que dizes tem ressonância,
o que calas tem peso
de uma forma ou outra - político.
Mesmo caminhando contra o vento
dos passos políticos
sobre solo político.
Poemas apolíticos também são políticos,
e lá em cima a lua já não dá luar.
Ser ou não ser: eis a questão.
Oh, querida, que questão mal parida.
A questão política.
Não precisas nem ser gente
para teres importância política.
Basta ser petróleo, ração,
qualquer derivado, ou até
uma mesa de conferência cuja forma
vem sendo discutida meses a fio.
Enquanto isso, os homens se matam,
os animais são massacrados,
as casas queimadas,
os campos se tornam agrestes
como nas épocas passadas
e menos políticas.
(Poema de Wisława Szymborska, traduzido por Ana Cristina César)
sábado, 11 de fevereiro de 2012
O insustentável preconceito do ser (texto)
Era o admirável mundo novo! Recém-chegada de Salvador, vinha a convite
de uma emissora de TV, para a qual já trabalhava como repórter.
Solícitos, os colegas da redação paulistana se empenhavam em promover e
indicar os melhores programas de lazer e cultura, onde eu abastecia a
alma de prazer e o intelecto de novos conhecimentos.
Era o admirável mundo civilizado! Mentes abertas com alto nível de educação formal. No entanto, logo percebi o ruído no discurso:
- Recomendo um passeio pelo nosso "Central Park", disse um repórter. Mas evite ir ao Ibirapuera nos domingos, porque é uma baianada só!
-Então estarei em casa, repliquei ironicamente.
-Ai, desculpa, não quis te ofender. É força de expressão. Tô falando de um tipo de gente.
-A gente que ajudou a construir as ruas e pontes, e a levantar os prédios da capital paulista?
-Sim, quer dizer, não! Me refiro às pessoas mal-educadas, que falam alto e fazem "farofa" no parque.
-Desculpe, mas outro dia vi um paulistano que, silenciosamente, abriu a janela do carro e atirou uma caixa de sapatos.
-Não me leve a mal, não tenho preconceitos contra os baianos. Aliás, adoro a sua terra, seu jeito de falar....
De fato, percebo que não existe a intenção de magoar. São palavras ou expressões que , de tão arraigadas, passam despercebidas, mas carregam o flagelo do preconceito. Preconceito velado, o que é pior, porque não mostra a cara, não se assume como tal. Difícil combater um inimigo disfarçado.
Descobri que no Rio de Janeiro, a pecha recai sobre os "Paraíba", que, aliás, podem ser qualquer nordestino. Com ou sem a "Cabeça chata", outra denominação usada no Sudeste para quem nasce no Nordeste.
Na Bahia, a herança escravocrata até hoje reproduz gestos e palavras que segregam. Já testemunhei pessoas esfregando o dedo indicador no braço, para se referir a um negro, como se a cor do sujeito explicasse uma atitude censurável.
Numa das conversas que tive com a jornalista Miriam Leitão, ela comentava:
-O Brasil gosta de se imaginar como uma democracia racial, mas isso é uma ilusão. Nós temos uma marcha de carnaval, feita há 40 anos, cantada até hoje. E ela é terrível. Os brancos nunca pensam no que estão cantando. A letra diz o seguinte:
Era o admirável mundo civilizado! Mentes abertas com alto nível de educação formal. No entanto, logo percebi o ruído no discurso:
- Recomendo um passeio pelo nosso "Central Park", disse um repórter. Mas evite ir ao Ibirapuera nos domingos, porque é uma baianada só!
-Então estarei em casa, repliquei ironicamente.
-Ai, desculpa, não quis te ofender. É força de expressão. Tô falando de um tipo de gente.
-A gente que ajudou a construir as ruas e pontes, e a levantar os prédios da capital paulista?
-Sim, quer dizer, não! Me refiro às pessoas mal-educadas, que falam alto e fazem "farofa" no parque.
-Desculpe, mas outro dia vi um paulistano que, silenciosamente, abriu a janela do carro e atirou uma caixa de sapatos.
-Não me leve a mal, não tenho preconceitos contra os baianos. Aliás, adoro a sua terra, seu jeito de falar....
De fato, percebo que não existe a intenção de magoar. São palavras ou expressões que , de tão arraigadas, passam despercebidas, mas carregam o flagelo do preconceito. Preconceito velado, o que é pior, porque não mostra a cara, não se assume como tal. Difícil combater um inimigo disfarçado.
Descobri que no Rio de Janeiro, a pecha recai sobre os "Paraíba", que, aliás, podem ser qualquer nordestino. Com ou sem a "Cabeça chata", outra denominação usada no Sudeste para quem nasce no Nordeste.
Na Bahia, a herança escravocrata até hoje reproduz gestos e palavras que segregam. Já testemunhei pessoas esfregando o dedo indicador no braço, para se referir a um negro, como se a cor do sujeito explicasse uma atitude censurável.
Numa das conversas que tive com a jornalista Miriam Leitão, ela comentava:
-O Brasil gosta de se imaginar como uma democracia racial, mas isso é uma ilusão. Nós temos uma marcha de carnaval, feita há 40 anos, cantada até hoje. E ela é terrível. Os brancos nunca pensam no que estão cantando. A letra diz o seguinte:
"O teu cabelo não nega, mulata
Porque és mulata na cor
Mas como a cor não pega, mulata
Mulata, quero o teu amor".
Porque és mulata na cor
Mas como a cor não pega, mulata
Mulata, quero o teu amor".
"É ofensivo", diz Miriam. Como a cor de alguém poderia contaminar, como se fosse doença? E as pessoas nunca percebem.
A expressão "pé na cozinha", para designar a ascendência africana, é a mais comum de todas, e também dita sem o menor constragimento. É o retorno à mentalidade escravocrata, reproduzindo as mazelas da senzala.
O cronista Rubem Alves publicou esta semana na Folha de São Paulo um artigo no qual ressalta:
"Palavras não são inocentes, elas são armas que os poderosos usam para ferir e dominar os fracos. Os brancos norte-americanos inventaram a palavra 'niger' para humilhar os negros. Criaram uma brincadeira que tinha um versinho assim:
'Eeny, meeny, miny, moe, catch a niger by the toe'...que quer dizer, agarre um crioulo pelo dedão do pé (aqui no Brasil, quando se quer diminuir um negro, usa-se a palavra crioulo).
Em denúncia a esse uso ofensivo da palavra , os negros cunharam o slogan 'black is beautiful'. Daí surgiu a linguagem politicamente correta. A regra fundamental dessa linguagem é nunca usar uma palavra que humilhe, discrimine ou zombe de alguém".
Será que na era Obama vão inventar "Pé na Presidência", para se referir aos negros e mulatos americanos de hoje?
A origem social é outro fator que gera comentários tidos como "inofensivos" , mas cruéis. A Nação que deveria se orgulhar de sua mobilidade social, é a mesma que o picha o próprio Presidente de torneiro mecânico, semi-analfabeto. Com relação aos empregados domésticos, já cheguei a ouvir:
- A minha "criadagem" não entra pelo elevador social !
E a complacência com relação aos chamamentos, insultos, por vezes humilhantes, dirigidos aos homossexuais ? Os termos bicha, bichona, frutinha, biba, "viado", maricona, boiola e uma infinidade de apelidos, despertam risadas. Quem se importa com o potencial ofensivo?
Mulher é rainha no dia oito de março. Quando se atreve a encarar o trânsito, e desagrada o código masculino, ouve frequentemente:
- Só podia ser mulher! Ei, dona Maria, seu lugar é no tanque!
Dependendo do tom do cabelo, demonstrações de desinformação ou falta de inteligência, são imediatamente imputadas a um certo tipo feminino:
-Só podia ser loira!
Se a forma de administrar o próprio dinheiro é poupar muito e gastar pouco:
- Só podia ser judeu!
A mesma superficialidade em abordar as características de um povo se aplica aos árabes. Aqui, todos eles viram turcos. Quem acumula quilos extras é motivo de chacota do tipo: rolha de poço, polpeta, almôndega, baleia ...
Gosto muito do provérbio bíblico, legado do Cristianismo: "O mal não é o que entra, mas o que sai da boca do homem". Invoco também a doutrina da Física Quântica, que confere às palavras o poder de ratificar ou transformar a realidade. São partículas de energia tecendo as teias do comportamento humano.
A liberdade de escolha e a tolerância das diferenças resumem o Princípio da Igualdade, sem o qual nenhuma sociedade pode ser Sustentável. O preconceito nas entrelinhas é perigoso, porque , em doses homeopáticas, reforça os estigmas e aprofunda os abismos entre os cidadãos. Revela a ignorancia e alimenta o monstro da maldade.
Até que um dia um trabalhador perde o emprego, se torna um alcóolatra, passa a viver nas ruas e amanhece carbonizado:
-Só podia ser mendigo!
No outro dia, o motim toma conta da prisão, a polícia invade, mata 111 detentos, e nem a canção do Caetano Veloso é capaz de comover:
-Só podia ser bandido!
Somos nós os responsáveis pela construção do ideal de civilidade aqui em São Paulo, no Rio, na Bahia, em qualquer lugar do mundo. É a consciência do valor de cada pessoa que eleva a raça humana e aflora o que temos de melhor para dizer uns aos outros.
PS: Fui ao Ibirapuera num domingo e encontrei vários conterrâneos.
Rosana Jatobá - jornalista, graduada em Direito e Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia, e mestranda em gestão e tecnologias ambientais da Universidade de São Paulo.
A expressão "pé na cozinha", para designar a ascendência africana, é a mais comum de todas, e também dita sem o menor constragimento. É o retorno à mentalidade escravocrata, reproduzindo as mazelas da senzala.
O cronista Rubem Alves publicou esta semana na Folha de São Paulo um artigo no qual ressalta:
"Palavras não são inocentes, elas são armas que os poderosos usam para ferir e dominar os fracos. Os brancos norte-americanos inventaram a palavra 'niger' para humilhar os negros. Criaram uma brincadeira que tinha um versinho assim:
'Eeny, meeny, miny, moe, catch a niger by the toe'...que quer dizer, agarre um crioulo pelo dedão do pé (aqui no Brasil, quando se quer diminuir um negro, usa-se a palavra crioulo).
Em denúncia a esse uso ofensivo da palavra , os negros cunharam o slogan 'black is beautiful'. Daí surgiu a linguagem politicamente correta. A regra fundamental dessa linguagem é nunca usar uma palavra que humilhe, discrimine ou zombe de alguém".
Será que na era Obama vão inventar "Pé na Presidência", para se referir aos negros e mulatos americanos de hoje?
A origem social é outro fator que gera comentários tidos como "inofensivos" , mas cruéis. A Nação que deveria se orgulhar de sua mobilidade social, é a mesma que o picha o próprio Presidente de torneiro mecânico, semi-analfabeto. Com relação aos empregados domésticos, já cheguei a ouvir:
- A minha "criadagem" não entra pelo elevador social !
E a complacência com relação aos chamamentos, insultos, por vezes humilhantes, dirigidos aos homossexuais ? Os termos bicha, bichona, frutinha, biba, "viado", maricona, boiola e uma infinidade de apelidos, despertam risadas. Quem se importa com o potencial ofensivo?
Mulher é rainha no dia oito de março. Quando se atreve a encarar o trânsito, e desagrada o código masculino, ouve frequentemente:
- Só podia ser mulher! Ei, dona Maria, seu lugar é no tanque!
Dependendo do tom do cabelo, demonstrações de desinformação ou falta de inteligência, são imediatamente imputadas a um certo tipo feminino:
-Só podia ser loira!
Se a forma de administrar o próprio dinheiro é poupar muito e gastar pouco:
- Só podia ser judeu!
A mesma superficialidade em abordar as características de um povo se aplica aos árabes. Aqui, todos eles viram turcos. Quem acumula quilos extras é motivo de chacota do tipo: rolha de poço, polpeta, almôndega, baleia ...
Gosto muito do provérbio bíblico, legado do Cristianismo: "O mal não é o que entra, mas o que sai da boca do homem". Invoco também a doutrina da Física Quântica, que confere às palavras o poder de ratificar ou transformar a realidade. São partículas de energia tecendo as teias do comportamento humano.
A liberdade de escolha e a tolerância das diferenças resumem o Princípio da Igualdade, sem o qual nenhuma sociedade pode ser Sustentável. O preconceito nas entrelinhas é perigoso, porque , em doses homeopáticas, reforça os estigmas e aprofunda os abismos entre os cidadãos. Revela a ignorancia e alimenta o monstro da maldade.
Até que um dia um trabalhador perde o emprego, se torna um alcóolatra, passa a viver nas ruas e amanhece carbonizado:
-Só podia ser mendigo!
No outro dia, o motim toma conta da prisão, a polícia invade, mata 111 detentos, e nem a canção do Caetano Veloso é capaz de comover:
-Só podia ser bandido!
Somos nós os responsáveis pela construção do ideal de civilidade aqui em São Paulo, no Rio, na Bahia, em qualquer lugar do mundo. É a consciência do valor de cada pessoa que eleva a raça humana e aflora o que temos de melhor para dizer uns aos outros.
PS: Fui ao Ibirapuera num domingo e encontrei vários conterrâneos.
Rosana Jatobá - jornalista, graduada em Direito e Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia, e mestranda em gestão e tecnologias ambientais da Universidade de São Paulo.
Os sons da memória (texto)
Dentre tantos sons que me fazem lembrar a minha infância, a música Madalena, de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, gravada por Elis Regina em 1970, é uma delas. Minha mãe cantava sem parar e, por tabela, eu sem saber decerto o que cantava, acompanhava do jeito que eu entendia esta música. Hoje, fiquei em casa ouvindo muitas canções que me fizeram lembrar de amigos, de tempos, de outras canções.
Aí vai música e letra:
Madalena
O meu peito percebeu
Que o mar é uma gota
Comparado ao pranto meu.
Fique certa
Quando o nosso amor desperta
Logo o sol se desespera
E se esconde lá na serra.
Madalena
O que é meu não se divide
Nem tão pouco se admite
Quem do nosso amor duvide.
Até a lua se arrisca num palpite
Que o nosso amor existe
Forte ou fraco alegre ou triste.
O meu peito percebeu
Que o mar é uma gota
Comparado ao pranto meu.
Fique certa
Quando o nosso amor desperta
Logo o sol se desespera
E se esconde lá na serra.
Madalena
O que é meu não se divide
Nem tão pouco se admite
Quem do nosso amor duvide.
Até a lua se arrisca num palpite
Que o nosso amor existe
Forte ou fraco alegre ou triste.
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