segunda-feira, 16 de junho de 2025

Segunda-feira: o começo que já carrega o peso do meio



Segunda-feira tem um gosto estranho. É começo, mas nunca parece recomeço. A semana mal começa e já estou no compasso acelerado: trabalho pela manhã, aula de francês à tarde, reunião do Cartel à noite. Parece que tudo insiste em se concentrar justo nesse primeiro dia. E talvez seja por isso que a segunda me cansa tanto — ela já nasce cheia, exigente, sem espaço para respirar. É como se a semana me puxasse pelo braço antes mesmo de eu conseguir abrir bem os olhos.

Mas hoje há algo que suaviza o peso: terminei uma etapa de um trabalho que parecia interminável. Aquilo que se arrastava há meses finalmente ganhou um ponto final. Uma sensação de leveza se mistura ao cansaço — um alívio que quase compensa as olheiras e a tensão acumulada nos ombros. Há uma alegria silenciosa em poder dizer “foi”, mesmo que o corpo diga “ainda não dá”. Porque encerrar algo é também uma forma de recomeçar, mesmo quando isso acontece num dia em que tudo grita por pausa.

E a noite chega, como sempre chega, com aquela exaustão que não pede licença. O corpo já não acompanha mais o ritmo da cabeça. Ainda assim, sigo. Porque a segunda-feira, para mim, só termina quando realmente acaba. E há um certo orgulho nisso também — o de sustentar a travessia mesmo quando os passos ficam pesados. Amanhã será outro dia, mas por enquanto, só queria o silêncio de um banho quente, o descanso merecido e, quem sabe, o sonho leve de quem, apesar de tudo, fez o que precisava ser feito.

domingo, 15 de junho de 2025

Amar ainda diz muito de quem somos



Às vezes a gente se pergunta, com certa angústia: o que fazer para sair de um relacionamento que já acabou? Mas talvez o verbo mais honesto aqui não seja “fazer”, e sim escutar. Escutar o que ainda nos prende, o que insiste em doer, o que ainda nos liga a esse outro que já não está — mas cuja ausência ainda ocupa espaço demais. Escutar com cuidado, com delicadeza, sem se cobrar pressa, mas também sem se deixar paralisar.

Nem tudo termina quando acaba. Há afetos que continuam circulando, silêncios que seguem dizendo, restos que resistem ao apagamento. Um amor não se desfaz com um adeus: ele se transforma devagar, escorrendo pelas frestas da memória, atravessando sonhos, frases soltas, músicas ... O fim de uma relação não é só um ato: é um processo. E, como todo processo, exige tempo, exige linguagem, exige elaboração.

Deslocar o amor de lugar: talvez seja essa a travessia possível. Não para esquecê-lo ou apagá-lo, mas para que ele não pese mais como um obstáculo, e sim componha — ainda que com dor — aquilo que nos constitui. Amar, mesmo quando já não se está mais com o outro, ainda diz muito de quem somos. E escutar isso, mesmo em silêncio, pode ser o começo de um novo modo de seguir.

quinta-feira, 12 de junho de 2025

O que falta não é testosterona — é coragem de olhar para si mesmo com honestidade.



É recorrente escutar de alguns homens (hétero, homo e enrustido) que a traição seria algo quase inevitável, justificada por um suposto excesso de testosterona. A biologia, nesse discurso, vira escudo e desculpa: como se os desejos fossem incontroláveis, como se o corpo decidisse sozinho e a consciência nada pudesse fazer. Essa forma de dizer transfere a responsabilidade para fora de si e reforça uma imagem antiga e conveniente do homem como ser dominado por impulsos. Há, aí, um apagamento calculado das escolhas, como se trair fosse apenas uma fatalidade hormonal — e não uma ação deliberada, atravessada por decisões, valores e omissões.

O que se silencia, nesses casos, é o debate sobre o caráter. Poucos desses homens falam do compromisso firmado, do respeito que se deve ao outro ou da escuta que falhou. Ao invés disso, preferem um discurso que os livra de culpa, como se fossem vítimas de sua própria fisiologia. Essa narrativa retira a traição do campo da ética e a desloca para o da natureza — como se ser homem implicasse, por essência, a impossibilidade de lealdade. Mas trair é um gesto com consequências afetivas e simbólicas, e sempre diz de uma escolha, por mais negada que ela seja. O silêncio sobre o caráter é, portanto, mais revelador do que qualquer confissão.

Talvez a mudança só comece quando os homens forem capazes de se responsabilizar por seus atos sem terceirizações biológicas. Admitir que se traiu porque se quis, porque se escolheu, porque se foi desonesto — e não porque o corpo mandou — é um passo duro, mas necessário. Enquanto isso não for dito, seguimos repetindo uma fábula confortável, que absolve o sujeito e condena os hormônios. E nessa fábula, o que falta não é testosteronaé coragem de olhar para si mesmo com honestidade.

domingo, 8 de junho de 2025

Por que insistimos nos laços frouxos?



Eu sigo um perfil no Instagram (aliás, eu sigo muitos perfis) que postam frases, comentários, pequenos poemas que dizem muito sobre o comportamento humano. Esse especificamente (@soureciproco) posta mensagens sobre os sentimentos, sobre solidão, sobre os amores que sentimos, que perdemos etc.

Esta semana recebi a postagem acima (que compartilhei no meu perfil (@asferraris) e que me fez pensar muito sobre ela. Desses pensamentos, surgiu esta postagem aqui. Vejam o que acham deles (do texto e da postagem). Ah, sigam os perfis!!!

Há um momento em que a gente percebe: insistir no que não é para nós é como tentar forçar um sapato apertado só porque ele parece bonito. Dói, incomoda, limita os passos. Mas, ainda assim, quantas vezes nos pegamos alimentando situações, relações ou ideias que não nos cabem mais? A força que investimos em manter o que não é para ser acaba nos distanciando daquilo que, de fato, poderia nos fazer florescer. E é nesse tempo gasto com o que não corresponde que adiamos o encontro com o que realmente importa.

Há algo de cruel em nutrir o que não nos serve: a gente vai se moldando para caber, se afastando de si mesmo aos poucos. O medo da perda, da solidão ou do fracasso sustenta laços frouxos, caminhos tortos, projetos que não dizem mais nada. Alimentar o que não é para nós é como regar uma planta de plástico — exige esforço, mas nunca floresce. E enquanto isso, o que é genuíno, aquilo que poderia nos alcançar de verdade, permanece à margem, esperando uma chance de ser visto, reconhecido, acolhido.

Adiar o que realmente é tem seu custo. Porque o tempo não pausa. Aquilo que poderia estar sendo construído, vivido, experimentado se retrai diante da ausência de espaço. E quando, enfim, nos damos conta, levamos junto o cansaço do que sustentamos e a frustração do que deixamos escapar. Desapegar do que não é fácil, mas é também o primeiro gesto para abrir lugar para o novo, para o que nos convoca com verdade — mesmo que venha com medo, com incerteza, com recomeço.

O mais curioso é que, muitas vezes, sabemos o que não é para nós. Sabemos — ainda que abafado — o que nos fere, o que nos aprisiona, o que já perdeu o sentido. Mas vamos adiando o enfrentamento, alimentando o engano, como quem teme o vazio que vem depois. Só que o vazio é também semente. E quando paramos de alimentar o que nos esvazia, o que é de verdade começa, enfim, a germinar.

domingo, 1 de junho de 2025

Caber no outro como quem encontra um lugar seguro




Há um amor que nos atravessa feito uma saudade que aperta o peito como se faltasse ar. É um amor que não se satisfaz com o som da voz, nem com a imagem refletida numa tela ou numa lembrança; é um amor que quer mais, que precisa do toque, do calor da pele, do cheiro, da presença física que faz o tempo parar por instantes. Ouvir o outro dizer "eu também sinto sua falta" até consola, mas é insuficiente: o desejo é de estar, de pertencer, de caber no outro como quem encontra um lugar seguro no meio de um mundo que sempre ameaça ruir. É um amor que pede um abraço que dure mais que o tempo, que seja mais que o gesto, que seja quase um esconderijo, uma concha onde o som do mundo se aquieta e o ritmo da respiração alheia embala o corpo cansado. Há momentos em que amar é querer ser segurado pelo outro como quem segura uma criança com medo do escuro: firme, com cuidado, sem pressa de soltar.

E quando se ama assim, intensamente, parece que nada é o bastante. Ver, ouvir, tocar: tudo é pouco. Há uma necessidade quase primitiva de sentir o outro inteiro, de se encaixar no peito alheio como se fosse ali, entre ossos e carne, o seu verdadeiro lar. O abraço vira casa, o toque vira prece, e o cheiro do outro é um fio invisível que costura as partes do mundo que pareciam desfeitas. Amar é também um jeito de querer ser acolhido, de pedir para o outro nos carregar por um instante, como se pudesse nos dar alívio da dor de existir. E nessa fusão que é abraço, o tempo some, as palavras cessam, e tudo o que resta é o desejo de permanecer ali: dois corpos, dois mundos que, por um momento raro e precioso, se tornam um só.

sábado, 31 de maio de 2025

Um convite para habitar o agora com mais atenção



Sonhei esta noite (ou parte dela) com a despedida de alguém que não me lembro quem era. Acordei com a sensação de que há sempre algo que fica por dizer, algo que se perde no tempo, algo que escapa. A gente nunca sabe quando será o último beijo, o último abraço, o último café com leite partilhado numa manhã qualquer, nem quando ouviremos aquela música que, sem aviso, se tornará a trilha de um tempo que já não volta. A vida se faz no intervalo entre o agora e o nunca mais, e quase sempre a gente está distraído demais para perceber que o que temos é só este instante – este e nenhum outro.

Vivemos como se houvesse sempre depois: depois a gente se fala, depois a gente combina, depois a gente toma aquele café, ouvia de novo aquela canção. Mas o "depois" é um terreno que nunca se firma, é promessa que não se cumpre. O tempo não avisa, não pede licença: ele simplesmente escorre. E quando a gente se dá conta, o que era presença virou memória, o que era possibilidade virou silêncio.

Talvez a vida seja, justamente, esse convite para habitar o agora com mais atenção, com mais corpo. Tomar o café sentindo o calor da xícara, ouvir a música como se fosse a última vez, dizer o que precisa ser dito com a urgência de quem sabe que o instante não se repete. Porque ele não se repete. Tudo que temos é agora – e é tão pouco, mas é tudo.

quarta-feira, 28 de maio de 2025

O silêncio pode ser tanto um peso quanto um recurso




Hoje, a quarta-feira amanheceu nublada, cinzenta e fria. A luz que atravessa a janela não aquece, não anima, apenas reforça o peso da melancolia que parece se espalhar por aqui. Os minutos avançam devagar, e o tempo lá fora — fechado, opaco, indeciso — encontra eco no que sinto aqui dentro. É um daqueles dias em que a solidão de estar em casa tem um tom mais forte, mas, paradoxalmente, é justamente o que o trabalho precisa agora: silêncio e concentração.

Trabalhar em casa, nisto que agora me ocupa, é necessário. Esse é um tempo de estudo, de leitura, de escrita, e requer um recolhimento que, por mais que traga um certo cansaço, também é produtivo. A música que toca ajuda a preencher um pouco o espaço, a dar ritmo a esse tempo mais lento. E o café, com seu calor discreto, parece ser o único vínculo com alguma sensação de aconchego, uma pausa breve entre os parágrafos, uma presença que acompanha.

Nessas horas, percebo como o silêncio pode ser tanto um peso quanto um recurso. O isolamento que o trabalho impõe, hoje, é uma condição: é na ausência do barulho que o pensamento encontra um caminho, é no frio da manhã que a escrita se insinua, quase tímida, pedindo passagem. E, mesmo com a melancolia que essa quarta-feira traz, há algo que pulsa — um compromisso com o fazer, um desejo de seguir, de construir um sentido no meio da quietude.

Segunda-feira: o começo que já carrega o peso do meio

Segunda-feira tem um gosto estranho. É começo, mas nunca parece recomeço. A semana mal começa e já estou no compasso acelerado: trabalho pel...