segunda-feira, 21 de julho de 2025

O mundo, talvez, se mova no silêncio

Talvez a gente devesse repensar essa pressa em querer mudar o mundo. Não que o mundo não precise de mudanças — ele precisa, e muito. Mas essa urgência espetaculosa, essa necessidade de transformar tudo em causa pública com selo de aprovação digital, talvez seja mais barulho do que ação. E se, ao invés de mirar grandes transformações, a gente começasse pelo mínimo? Pelo gesto quase invisível, pela gentileza que não vira legenda, pelo cuidado que não pede audiência.

Fazer o mínimo não é desistir — é escolher um caminho menos narcísico. É abrir mão do palco para ocupar a rua, a fila do banco, o almoço de domingo. O mínimo pode ser oferecer escuta, evitar uma grosseria, devolver o carrinho do supermercado no lugar certo. Parece pouco, mas é mais do que curtidas acumuladas em discursos indignados que terminam em nada. O mundo não muda com slogans; muda quando alguém, em silêncio, se dispõe a atravessar o desconforto de agir.

Se cada um fizesse um pouco, e esse pouco não buscasse aplauso, talvez a vida ficasse mais habitável. Esses mínimos iriam se sobrepondo, se acumulando de forma quase imperceptível, e quando a gente se desse conta, teria uma paisagem menos áspera ao redor. Não seria o mundo ideal, mas seria um mundo com mais delicadeza — e isso já é muito.

Sem post, sem selfie, sem likes. Só o gesto. Só a escolha cotidiana de não piorar o que já está difícil. Fazer a nossa parte não precisa ser épico. Pode ser discreto, quase secreto. E ainda assim — ou talvez justamente por isso — fazer diferença.

domingo, 20 de julho de 2025

Dois amigos e uma vida inteira de histórias


O Dia dos Amigos é aquele lembrete meio piegas, meio necessário, de que ninguém caminha sozinho – e, se caminha, provavelmente está perdido ou de fone de ouvido. Eu, por sorte ou teimosia, tenho amigos que me acompanham há tanto tempo que às vezes duvido se são mesmo amigos ou se fazem parte do meu sistema nervoso. Entre tantos que marcaram minha trajetória, dois nomes brilham com a consistência de quem não falha nem quando falha: Robson & Vera.

A gente se conheceu no Rio de Janeiro, ainda na fase dos uniformes escolares, das provas de múltipla escolha e das descobertas confusas da adolescência. Estudávamos na mesma escola, morávamos no mesmo bairro e éramos daquele tipo de vizinhança que hoje parece ficção: porta aberta, lanche dividido e muito papo furado na calçada. Foi ali que se formou uma cumplicidade que atravessaria décadas, os empregos, os amores e os tropeços com a leveza de quem sabe rir até dos próprios fracassos.

Robson é o tipo de amigo que te liga para reclamar da vida, mas acaba te fazendo rir tanto que você esquece da sua própria desgraça. Tem aquele humor ácido que já viu de tudo e ainda guarda disposição para mais um capítulo. Vera não é muito diferente, a não ser pela sutileza... te responde como se batesse a porta na sua cara.  Ela tem uma escuta atenta. São diferentes, mas igualmente necessários.

Claro que, como toda amizade verdadeira, já passamos por distâncias, silêncios e sumiços que a vida adulta impõe. Mas o mais bonito é saber que, mesmo com os altos e baixos – e às vezes a gente vai bem lá embaixo –, essa amizade permanece de prontidão. Eles são daquele tipo que, se eu ligar de madrugada dizendo que estou com vontade de comer biscoito Globo e beber mate na praia, topam na hora (desde que eu leve o Uber, claro). E a recíproca, posso garantir, é verdadeira.

No fim das contas, amizade é isso: não precisa estar todo dia, nem dizer tudo certo, nem seguir roteiro de filme da Sessão da Tarde. Basta estar. E Robson e Vera sempre estiveram. No meu mapa da vida, eles são faróis teimosos: às vezes encobertos por névoas, mas sempre ali, firmes, me mostrando que caminhar junto é um presente. E que bom que, nesse Dia dos Amigos, eu posso escrever isso sorrindo – porque a memória afetiva, com eles, é um álbum cheio de boas risadas.

sábado, 19 de julho de 2025

A arte de se despedir



Envelhecer não tem manual, mas tem roteiro: ele começa com um entusiasmo juvenil e vai se convertendo, aos poucos, em uma coleção de despedidas. Deixa-se para trás o que parecia eterno, mas era só entusiasmo mal disfarçado. Abandonam-se certezas que já não servem, convicções apertadas como calça jeans da década passada. Amadurecer é aprender a sair das coisas — de algumas ideias, de algumas relações, de algumas versões de si mesmo. E fazer isso sem dramatizar (tanto), porque o que pesa não é o que se perde, é o que se arrasta sem mais sentido.

É que a gente vai crescendo e descobrindo que algumas amizades eram infláveis, que certos amores tinham prazo de validade escondido na parte de trás, e que nem toda promessa feita no verão sobrevive ao primeiro outono. A gente perde: a ilusão, a paciência, o WhatsApp de quem não responde. E, no lugar disso tudo, ganha umas boas olheiras e uma dose extra de ironia. Porque amadurecer também é rir do que antes nos tirava o sono — e perder o sono por coisas que antes nos fariam rir.

No fundo, quem amadurece sabe que perder faz parte do jogo. Perde-se o medo de decepcionar, a vergonha de dizer não, e até a vontade de agradar todo mundo. A arte está em saber se despedir: com leveza, com graça, às vezes com um suspiro — mas quase sempre com um ufa. E quando a gente aprende isso, aí sim dá pra dizer que cresceu. Ou pelo menos, que tá se virando bem. Com ou sem cabelo.

terça-feira, 15 de julho de 2025

Tudo é caminho (inclusive o desvio)



A gente sai de casa com um plano. Café da manhã reforçado, pensamento positivo, destino traçado. Só esquece de combinar com o mundo. Porque basta virar a esquina e pronto: lá está o desvio, sorrindo com cara de imprevisto. Às vezes é pequeno, uma mensagem fora de hora, um convite indecente, um tropeço. Às vezes é monumental — tipo aquela pós-graduação em Marte que você nunca terminou porque descobriu que preferia fazer crochê e terapia.

Mas, veja bem, Drummond já dizia com aquela paciência de quem entende de gente: alguns se desviam, mas tudo é caminho. E quem somos nós para duvidar? O desvio, na verdade, é só o trajeto tentando nos ensinar alguma coisa que o caminho reto não dava conta de mostrar. Como, por exemplo, que não somos tão organizados quanto a nossa planilha do Excel pretende convencer. Ou que o atalho era, sim, mais bonito — ainda que tenha dado em lugar nenhum.

No fim das contas, o que a gente chama de desvio é só a vida sendo criativa. Caminho não é linha reta, é rabisco. E crescer é aprender a andar nesse ziguezague com a elegância possível (ou pelo menos sem cair de cara toda vez). Então, se você se desviourelaxa. Pode ter sido o melhor erro da sua rota.

sábado, 12 de julho de 2025

Quero ser uma água-viva



Já cansei desse negócio de ser adulto. Pagar conta, responder mensagem, lembrar de senha, de reunião, de CPF na nota, de sorrir para quem só merecia um silêncio bem aplicado. Não quero mais essa vida de bicho racional com horário para tudo, inclusive para descansar. Se for para continuar nesse ritmo, prefiro abdicar oficialmente da humanidade e pedir asilo existencial no reino marinho. Me deixem ser água-viva, com dignidade e direito à deriva.

Uma água-viva não precisa comparecer ao setor de recursos humanos nem fingir que entendeu o que está acontecendo numa reunião. Não precisa se exibir em rede social para provar que está curtindo a vida. Ela simplesmente existe — e isso já basta. Flutua de um lado para o outro sem metas, sem cobranças e sem dilemas morais. E, o melhor: se alguém se aproxima com energia ruim, ela dá um pequeno choque — educativo, poético e eficaz. Sem conversa fiada, sem indiretas, sem fingimento.

Sem coração, sem cérebro, sem chefes. Apenas um corpo gelatinoso e livre, deixando a correnteza decidir o rumo do dia. Uma água-viva não tem CPF bloqueado, não sofre com crise de identidade, nem precisa respirar fundo para não explodir. Ela já é centro e borda de si mesma. E quando alguém tenta invadir seu espaço com arrogância ou falta de tato, ela responde com eletricidade. Nada agressivo: só um sinal químico sutil dizendo repense suas intenções antes de se aproximar de novo.

Portanto, se um dia vocês não me encontrarem mais nas mensagens, nas ruas ou nos grupos de trabalho, não se preocupem. Estarei boiando serenamente num mar qualquer, sem prazos, sem culpa e com o gel transparente do alívio. E se, por acaso, vierem me cutucar... cuidado. Tenho tentáculos — e aprendi a usá-los com elegância.

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Vaga no coração: currículo em análise

Há espaço, sim. No coração, sempre cabe mais alguém — desde que esse alguém não venha apenas com intenções vagas e presença esporádica. O lugar está disponível, mas a seleção é rigorosa: exige-se sensibilidade ativa, histórico de afeto consistente, domínio básico em reciprocidade e, claro, zero antecedentes de sumiço repentino. Porque não adianta chegar cheio de promessas, com aquele jeitinho que diz sou diferente, se depois se comporta como quem nem passou pela recepção da alma. O coração é generoso, mas já não está aceitando estagiário em empatia.

Ultimamente, os processos seletivos afetivos têm sido um desafio. Tem gente que aparece com um discurso bonito, dizendo que procura algo sério, mas quando percebe que sentimento envolve entrega, começa a gaguejar. Alguns até colam frases inspiradas do Instagram achando que estão escrevendo carta de apresentação emocional. Mas o coração, coitado, já aprendeu a diferenciar poesia de cortina de fumaça. A vaga existe, está aberta, mas exige mais que charme: pede presença, cuidado e aquela disponibilidade rara de quem não teme construir com o outro um canto possível.

É curioso como alguns se sentem atraídos pela vaga, mas poucos estão realmente dispostos a encarar o ofício. Sentimento não se terceiriza. Não adianta vir com cursos livres de atenção plena e autoconhecimento se, na primeira crise, a pessoa já manda um não sei lidar com isso e desaparece. O coração até tenta ser compreensivo, mas já está cansado de candidatos que somem na hora do desafio, que se encantam com a fachada mas não aguentam nem a faxina emocional básica. A convivência exige um pouco mais que boa vontade. Exige repertório afetivo — e, principalmente, compromisso com a presença.

Sigo por aqui, cuidando do ambiente, arejando as emoções e mantendo o anúncio visível: Vaga no coração — salário afetivo compatível, benefícios subjetivos e plano de crescimento mútuo. Não peço muito. Só alguém que saiba ficar. Que não confunda intensidade com pressa, nem liberdade com ausência. Porque se é pra dividir esse espaço, que seja com dignidade, senso de humor e o desejo honesto de fazer morada — e não turismo emocional.

quarta-feira, 9 de julho de 2025

Cada um que arque com as consequências da própria inércia




Há dias em que a paciência bate ponto, toma um cafezinho e se demite sem aviso prévio. A gente combina prazo, acerta tarefa, envia e-mail com três exclamações e um lembrete em negrito — e nada. Do outro lado, silêncio. Ou melhor: uma ausência ruidosa, dessas que incomodam mais que barulho de obra no andar de cima. Mas, quer saber? Resolvi parar de ser síndico do compromisso alheio. Não sou zelador de agenda de ninguém.

Enquanto alguns seguem firmes na arte da procrastinação olímpica, eu sigo com meu trabalho, minhas leituras, meus prazos. Descobri que esperar o outro cumprir o que prometeu é como tentar remar com um remo só: ou você gira em círculos ou afunda de vez. Então, que cada um reme o que é seu. Eu sigo com o meu barquinho, mesmo que às vezes precise desviar dos icebergs da negligência alheia.

Não se trata de frieza, indiferença ou desamor. É só um livramento. Aprendi que carregar nas costas o fardo que o outro largou por conveniência é garantir dor nas costas e no juízo. Não vale a pena. Se o outro não se mexe, que arque com as consequências da própria inércia. Eu, hein? Já tenho trabalho suficiente em manter minha sanidade funcional num mundo onde te aviso depois virou um código de desaparecimento voluntário.

Sigo aqui, com café na mão e prazos em dia, cuidando do que é meu. Porque compromisso, pra mim, não é enfeite de fala bonita em reunião — é prática cotidiana. E se alguém não se responsabiliza pelo que prometeu, que preste contas por isso. Já decidi que não vou mais travar meu caminho esperando por quem parou no tempo ou por quem vive na ilusão de que os prazos são elásticos e os outros, eternamente compreensivos. É uma escolha: dar mais importância ao que é de minha responsabilidade do que me deixar perturbar pelo descompromisso do outro. No fim das contas, quem responde pelo que deixo de fazer sou eu. E disso, eu não abro mão.

O mundo, talvez, se mova no silêncio

Talvez a gente devesse repensar essa pressa em querer mudar o mundo. Não que o mundo não precise de mudanças — ele precisa, e muito. Mas es...