A reação de homens e mulheres ao passar dos anos é diferente? Depende. Da velhice, só escapa quem já morreu.
Como a mulher e o homem confrontam os 60 anos? O novo filme da diretora Julie Gavras, exibido na mostra internacional de São Paulo e com estreia prevista para 11 de novembro, trata de envelhecimento. De como esconder ou assumir a idade. Aos 60 você se sente maduro, curioso e sábio ou velho, amargo e ultrapassado? O título do filme no Brasil é assombrosamente ruim e apelativo: Late bloomers – O amor não tem fim. “Late bloomer” é uma expressão inglesa que denomina quem amadureceu tardiamente. Em francês, a tradução do título é clara e objetiva: Trois fois vingt ans (Três vezes 20 anos). Uma conta básica de multiplicação mostra que você já viveu bastante. Um dia teve 20 anos. Também comemorou ou receou os 40. E agora, aos 60, passa para o time dos velhos. Ou não?
Isabella Rossellini (Mary) e William Hurt (Adam) fazem o casal protagonista. Devido a um súbito lapso de memória, a mulher, professora universitária, percebe que envelheceu e toma medidas concretas em casa. Aumenta o tamanho dos números no aparelho de telefone, coloca barras na banheira para o casal não escorregar. O homem, arquiteto famoso, se recusa a se imaginar velho, passa a conviver só com jovens e a se vestir como eles. Ela faz hidroginástica, mas se sente fora d’água, organiza reuniões com idosas e mergulha em trabalhos voluntários. Ele vai para o bar, bebe energéticos e vira a noite. Cada um se apega a sua visão de como envelhecer melhor, sem concessões. Ambos acabam tendo casos extraconjugais. Há nos dois um desespero parecido. Mary exagera na consciência da proximidade da morte. E Adam exagera na negação. Depois de décadas de amor sólido, com os três filhos fora de casa e já com netos, o casal se vê prestes a engrossar as estatísticas dos divorciados após os 60 anos, ao descobrir que se tornaram estranhos e por isso ficam melhor sozinhos e livres. O filme é uma comédia romântica para a idade avançada, um gênero quase inexistente.
Julie Gavras não encontrou nenhuma atriz francesa que assumisse com humor os dilemas de uma sexagenária. “Precisava de alguém com a idade certa, mas que não tivesse feito cirurgia plástica”, diz Julie. “Isabella foi perfeita porque entende que, quanto mais velha fica, mais liberdade tem.” Na França, diz a cineasta, “a idade é uma questão delicada para a mulher”. No Brasil, que cultua a juventude feminina como moeda de troca, é mais ainda. Isabella, um dos rostos mais lindos do cinema, disse ter adorado fazer um filme sobre envelhecimento: “São tão poucos e tão dramáticos. E minha experiência tem sido pouco dramática, aliás bem cômica às vezes. Mulheres envelhecendo são vistas como uma tragédia e foi preciso uma cineasta mulher para ver diferente”.
A reação de homens e mulheres ao passar dos anos é diferente? Depende. Da velhice, só escapa quem já morreu
Homens e mulheres reagem de maneira desigual à passagem dos anos? É arriscado generalizar. Depende de cada um. Compreendo que mulheres de 60 sintam mais necessidade de parecer jovens e desejáveis – mas alguns homens idosos se submetem a riscos para continuar viris. A obsessão da juventude eterna criou um grupo de deformadas que se sujeitam a uma cirurgia plástica por ano e perdem suas expressões. Mas também fez surgir outro tipo de sexagenárias, genuinamente mais belas, mais em forma, mais ativas e saudáveis enfim.
“As mulheres nessa idade querem aproveitar o mundo, viajar, passear, dançar, ver filmes e peças, fazer cursos. Os homens querem ficar em casa, curtir a família, os netos”, afirma a antropóloga Mirian Goldenberg, que acaba de publicar um livro sobre a travessia dos 60. “Elas se cuidam mais, eles bebem mais. Elas vão a médicos, fazem ginástica, eles engordam, gostam do chopinho com amigos ou sozinhos. Elas envelhecem melhor, apesar do mito de que o homem envelhece melhor. Muitas me dizem: ‘Pela primeira vez na vida posso ser eu mesma’.”
Da velhice ninguém escapa, a não ser que a morte o resgate antes. Cada um lida com ela de forma pessoal e intransferível. O escritor Philip Roth, aos 78 anos, diz que “a velhice não é uma batalha; é um massacre”. Mas produz compulsivamente. Woody Allen, de 75 anos, dirige um filme por ano, mas acha que não há romantismo na velhice: “ Você não ganha sabedoria, você se deteriora”. Para Clint Eastwood, de 81 anos, que ficou bem mais inteligente e charmoso com a idade, envelhecer foi uma libertação: “Quando era jovem, era mais estressado. Me sinto muito mais livre hoje. Os 60 e 70 podem ser os melhores anos, desde que você mude ou evolua”. Prefiro acreditar em Eastwood. Por mais que a sociedade estabeleça como idoso quem tem acima de 60, a tendência é empurrar o calendário para a frente. Hoje, para os sessentões, velho é quem tem mais de 80. Os octogenários produtivos acham que velho é quem passou dos 90. No fim, velho mesmo é quem já morreu e não sabe.