terça-feira, 5 de janeiro de 2010

São três pulinhos (texto)

Não sei se você costumar perder objetos. Eu, vezinquando, perco algum importante: provas, livros, documentos, chave de fenda, tesoura etc. E depois de procurar por um tempo sem sucesso, o que você faz? Eu apelo para São Longuinho. A tradição manda que, quando o objeto reaparecer feito mágica, se agradeça dando três pulinhos - de preferência acompanhados de três gritinhos (Achei, São Longuinho!).
Pode parecer estranho eu estar escrevendo sobre isso, mas um amigo perdeu o parafuso do piercing dia desses e, por mais que procurássemos, não encontrávamos o minúsculo objeto. Até que, silenciosamente, eu prometi que o Tiago daria dez pulos se encontrasse a peça. Batata! Ele encontrou e eu falei da promessa. E sem alternativa, ou poderia nunca mais encontrar nada em sua vida, deu os dez pulinhos sob a outra promessa de eu não ri. Cumprimos.
Mas a pergunta que não tem resposta: de onde nasceu essa tradição popular de prometer os pulos seguidos de gritos em torno do Santo depois de encontrar o objeto perdido?
Estou aqui vasculhando a internet e não encontro nenhuma explicação para essa história. Alguém conhece alguma explicação?
Encontrei, apenas, a história do santo: São Longuinho, santo celebrado em 15 de março, é especialmente popular na Espanha e no Brasil - mas aqui só existe uma igreja com sua imagem, em Guararema, interior de São Paulo.
"Longuinho vem de Longinus, nome comum aos mártires", afirma o teólogo Décio Passos, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Longinus, por sua vez, vem do grego lonkhe, que quer dizer lança. Segundo os historiadores da religião, Longinus chamava-se Cássio e era um dos centuriões romanos escalados para vigiar Cristo na cruz. "Na Sexta-Feira Santa, Cássio espetou sua lança no coração de Jesus e acabou levando um jato de sangue em seus olhos", diz o padre Aparecido Pereira, estudioso de hagiografias (biografias de santos) e editor do jornal O São Paulo, da Cúria Metropolitana. Cássio sofria de um problema de vista - ou "cegueira espiritual", de acordo com alguns relatos - e, naquele momento, foi curado instantaneamente.
Converteu-se ao Cristianismo e refugiou-se na Cesaréia, onde virou monge. Descoberto, foi decapitado, como tantos outros mártires cristãos.
A história de São Longuinho é citada no Novo Testamento por Mateus (27:54), Marcos (15:39) e Lucas (23:47).

Abraços partidos (filme)

Acostumado com um Almodóvar que escreve e filma mulheres, me deparei com uma história masculina: Mateo Blanco (Lluís Homar), cineasta e roteirista, sofre um acidente de automóvel que lhe deixa cego e sem o amor da sua vida. Ele decide, então, que Mateo deveria morrer junto com sua amada Lena (Penélope Cruz). Assim, apaga uma parte de si, passando a encarnar a persona que tinha escolhido no reino literário, o pseudônimo com o qual assinava seus livros: Harry Caine. Harry usa a cegueira para apurar os outros sentidos.
Catorze anos mais tarde - o momento em que o filme começa -, Mateo/Harry reconta sua história a Diego (seu filho, o que ele ignora). Trata-se de uma saga dilacerante de amor louco, fatalidade, ciúme e traição, na qual o escritor cego exuma e ressuscita a sua identidade "póstuma".
Não sei bem se gostei do filme. Acho que estou acostumado com um outro Almodóvar, com as suas mulheres e as histórias em torno delas. Talvez eu precise rever o filme (noutra oportunidade) para poder afirmar com mais certeza se gostei ou não.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Auto-Retrato Falado (Poesia)

Venho de um Cuiabá de garimpos e de ruelas entortadas.

Meu pai teve uma venda no Beco da Marinha, onde nasci.

Me criei no Pantanal de Corumbá entre bichos do chão,

aves, pessoas humildes, árvores e rios.

Aprecio viver em lugares decadentes por gosto de estar

entre pedras e lagartos.

Já publiquei 10 livros de poesia: ao publicá-los me sinto meio desonrado e fujo para o Pantanal onde sou abençoado a garças.

Me procurei a vida inteira e não me achei — pelo que

fui salvo.

Não estou na sarjeta porque herdei uma fazenda de gado.

Os bois me recriam.

Agora eu sou tão ocaso!

Estou na categoria de sofrer do moral porque só faço coisas inúteis.

No meu morrer tem uma dor de árvore.
(Manoel de Barros)

domingo, 3 de janeiro de 2010

Ítaca (Poesia)

Se partires um dia rumo a Ítaca
Faz votos de que o caminho seja longo
repleto de aventuras, repleto de saber.

Nem lestrigões, nem cíclopes,
nem o colérico Posidon te intimidem!
Eles no teu caminho jamais encontrarás
Se altivo for teu pensamento
Se sutil emoção o teu corpo e o teu espírito. tocar
Nem lestrigões, nem cíclopes
Nem o bravio Posidon hás de ver
Se tu mesmo não os levares dentro da alma
Se tua alma não os puser dentro de ti.

Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
Nas quais com que prazer, com que alegria
Tu hás de entrar pela primeira vez num porto
Para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir.
Madrepérolas, corais, âmbares, ébanos
E perfumes sensuais de toda espécie
Quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrinas
Para aprender, para aprender dos doutos.

Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas, não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
E fundeares na ilha velho enfim.

Rico de quanto ganhaste no caminho
Sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.
Ítaca não te iludiu
Se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência.
E, agora, sabes o que significam Ítacas.
(trad. José Paulo Paz.)

Da Série Contos Mínimos (texto)

Xela não conhecia os códigos. Não se sabia em quaisquer lugares: praia, restaurante, cinema, escola, igreja. Nenhum lugar lhe era suficientemente familiar para se sair bem. Acho que aquele anjo torto também lhe disse: vai Xela! ser gauche na vida!

sábado, 2 de janeiro de 2010

Comissão da Verdade (texto)

Tenho acompanhado via jornais (escritos e falados) o imbróglio em torno da criação da Comissão da Verdade que pretende investigar casos de torturas e desaparecimentos durante a ditadura militar (1964-1985). E a impressão que tenho é a de que alguns militares (em uma leitura enviesada) estão confundindo crimes políticos com torturas, morte de militantes, ocultação de cadáveres, estupros etc. durante aquele período.
Sou pelo provérbio: Quem não deve não teme e acho, assim, como nas declarações do Secretário Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, ministro Paulo Vannuchi, que a Comissão não é contra as forças armadas, bem ao contrário, já que não quer colocar no mesmo saco militares honestos e torturadores, estupradores, matadores.
A Comissão também não pretende revogar a Lei de Anistia (1979) que extinguiu crimes políticos cometidos durante a ditadura ou é uma espécie de revanchismo (como afirmam outros). No entanto, essa reconciliação com a história não pode representar um acobertamento de pessoas que praticaram crimes de lesa-pátria.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Para onde vão as nossas coisas quando não estivermos mais por aqui?

Desde que a minha mãe morreu (dois meses e uns dias), tenho pensando muito no destino que os nossos objetos, depois que a gente morre, toma. Não é apego ou coisa parecida (e se fosse tb eu não teria nenhum problema em assumir), mas um pensamento que tem se tornado recorrente depois do que nos aconteceu. Eu, assim como muita gente, tenho acumulado, ao longo da minha pequena vida, alguns objetos (tais como CD´s - já foram os LP´s, um dia-; livros, objetos de decoração; utensílios domésticos, móveis, principalmente, e eles, de certa forma, contam um pouco da minha história (pessoal e profissional tb).
Quanto retornei à cada de meus pais e meu padrasto foi me mostrando alguns objetos de minha mãe fiquei tão emocionado com a história que cada um deles tinha: presentes, bijuterias, roupas, fotografias (de ex-alunos, de amigos, de sua história como professora), cartas pessoais, cartões comemorativos, certificados de cursos e tantas coisas que tiveram o seu tempo (não a importância de sua dona) e a sua história independentemente de minha mãe e que, certamente, terão um destino bastante diferente daquele pensado por ela para essas coisas (eu trouxe de recordação um xale vermelho que a presentei numa de minhas vindas ao Rio; o seu baralho de tarô, dois aneis - bijuterias -, e algumas fotografias).
Que destino dar aos meus CD´s? Aos meus objetos pessoais sem muito valor? Aos objetos que enfeitam os móveis de casa (sei apenas que os livros devem ir para uma biblioteca)?
E depois (de tanto tempo), o que acontecem com eles?
Bem, tenho uma ideia, eles se acabam com o tempo.

Solidão na velhice...

A solidão na velhice é uma experiência profundamente marcada pela complexidade da existência humana. Com o passar dos anos, os vínculos soci...