Lembro-me pouco da minha infância, não faço ideia das noites em que a senhora e meu pai ficaram acordados porque alguma coisa me incomodava. Minha memória é muito ruim. Lembro-me apenas que eu era um chorão, por outro lado estou quase sempre rindo muito nas poucas fotografias dessa época. Isso é um bom sinal! Tive uma boa infância. Recebi muito carinho da minha mãe (do pai, por circunstâncias que não me dizem respeito, pouco tempo tivemos juntos). Tenho, além desse carinho, boas recordações de nossa convivência: como eu ri com Heloísa, como eu me diverti sozinho com ela em casa, como passeamos juntos pela cidade, por outras cidades, como chorei em sua companhia, como fui consolado, como não tive vergonha de ser criança, depois de homem velho, no momento de um abraço de chegada ou de partida.
Sei que tenho muito dela em mim. Queria, de verdade, ter muito mais, porque ela foi um exemplo de disciplina, de ética, de respeito (tudo isso respeitando os seus limites).
Fiquei ontem, dia das mães, me lembrando dos bolos que sempre tinham problemas na hora de comê-los: ou ficaram moles demais, duros demais, doces demais, salgados demais. E como isso era divertido! Teve a fase (porque ela era péssima na cozinha) do bolo de cenoura com cobertura de chocolate, da torta de maçã que não descia nem com reza forte, do mingau de aveia, da sopa que eu odiava. Teve a fase tb de eu comer tudo isso e dizer que era a melhor comida do mundo! E ela não acreditar, é claro!
Ela me conhecia muito e não me perguntava nada que pudesse me constranger. Nenhuma pergunta desse tipo durante todos os nossos dias juntos. Que saudade!
Sempre um presentinho no meu aniversário, mesmo quando a situação era de muita dureza. Um beijo, um abraço, um afago. Como eu gostava de deitar em seu colo e ela passar as mãos, as mais macias desse e de todos os mundos, nas minhas costas. Tentei retribuir esse carinho. Tomara eu tenha conseguido!!! Brigamos sim, brigávamos quase sempre, mas eu, muito parecido com ela, meio minuto depois já estava falando qualquer bobagem.
O seu amor era tão grande que às vezes me sufocava. Sua preocupação tão intensa que eu ficava irritado. Tantas perguntas que eu ficava sem respostas: comeu? tá bem? tá dormindo bem,? precisando de dinheiro? quer me dizer alguma coisa? foi ao médico? vai aonde? que horas volta? Tantos conselhos para todos os momentos: olha a hora do colégio! cuidado com essa cidade! nada de chegar em casa pela manhã! essa camisa está toda amarrotada! venha comer! tá na hora de dormir! estuda! Que saudade!
Queria acreditar que um dia a gente ainda vá se encontrar: seja lá o que isso possa significar! Muito bom tê-la por tantos anos sempre perto e sempre disposta. Te amo muito.