Sabão, eletrodomésticos, produtos de limpeza, temperos e tudo o mais que tem alguma relação com a casa, com os filhos, tem também uma relação causal com as mulheres.
Estou em casa assistindo ao programa Esquenta, em 23 de agosto de 2015, veiculado pela Rede Globo, comandado por uma mulher, Regina Casé, e entre uma atração e outra, a apresentadora faz merchandising do sabão líquido Ipê e solta a seguinte pérola: Sabão Líquido Ipê, o sabão da mulher moderna...
E continua mais ou menos assim: a mulher usa o tal sabão e sobra tempo pra ela fazer outras coisas.
Dizer isso é tão natural que não produz qualquer estranhamento: nem na apresentadora, nem na plateia e muito menos da empresa que produz o sabão e contrata uma agência de publicidade que produz esse slogan para vender o seu produto.
E tudo isso deve fazer algum efeito porque do contrário alguém já teria se rebelado contra ele.
A publicidade também tem um papel fundamental na reprodução desses valores (a relação entre ser mulher e os produtos de limpeza). A mulher até pode ser uma empresária de sucesso, presidenta da república, uma grande professora, mas nunca pode, segundo a mídia, deixar de ser o que é.
Essa construção social que relaciona ao gênero feminino algumas atribuições (algumas porque ando econômico) nos é tão familiar que quase nos impossibilita ouvir o que nos é imposto como sendo próprio do gênero. A gente não vê, não ouve e, por isso, não se dá conta dessa construção: e muitas vezes somos também os canais responsáveis por essa divulgação.
A imprensa apenas reforça esse imaginário: mas ele está em todos os lugares, inclusive na nossa forma de significar os gêneros. Estranharíamos, acredito, se o sabão ou qualquer outro produto de limpeza nos fossem apresentados como sendo um produto relacionado ao homem, para o homem moderno, por exemplo.
Bem, não estou, é claro, dizendo que naturalizam-se umas relações e não naturalizam-se outras. Inclusive uma alimenta a outra. Aos homens tb cabem outras aproximações, mas quase todos elas se constroem a partir de uma imaginário tb bastante específico: homens e seu carros, homens e seus esportes perigosos, homens e suas coragens. E nos impõem comportamentos quase sempre difíceis (muito difícil) de nos confrontarmos com eles.
Quando um menino ouve a célebre frase: "Homem não chora" ele, o menino precisa se tocar de que aquela demonstração de fragilidade (materializada no choro) o está colocando em algum lugar no qual ele não deve/pode pertencer. Pra ser homem com H maiúsculo, pra ser homem de verdade ele não pode ter sentimentos, ou pelo menos não deve demonstrá-los. E aí ficamos todos reclamando do homem que não quer discutir relação, do homem que, no caso dos produtos de limpeza, dos filhos etc, não sabe fritar um ovo, trocar uma fralda etc.
Temos que estar atentos justamente para nos colocarmos em oposição a essas cristalizações porque só assim, nesse confronto, conseguiremos construir de verdade um lugar mais justo para as mulheres.