ossǝʌɐ op: É UM ESPAÇO PARA EU ESCREVER SOBRE O QUE GOSTO E NÃO-GOSTO: FILMES, DISCOS, LIVROS, FOTOGRAFIAS, TV, OUTROS BLOGUES, PESSOAS, ASSUNTOS VARIADOS. NENHUM COMPROMISSO QUE NÃO SEJA O PRAZER. FIQUEM À VONTADE PARA CONCORDAR OU DISCORDAR (SEMPRE COM RESPEITO E COM ASSINATURA), SUGERIR OU OPINAR. A CASA É MINHA, MAS O ESPAÇO É PARA TODOS.
sábado, 29 de abril de 2017
terça-feira, 25 de abril de 2017
"Quando alguém fala tem sempre um pouco de luz"
'Nossas Noites'
Contardo Calligaris, Folha de SP, em 20.04.2017.
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20/04/2017 02h22
Imagine
que você tenha 60-70 anos –ou mais. Você está sozinho ou sozinha. As
"crianças", se você teve filhos, já estão longe, com suas vidas
feitas. Seu companheiro ou companheira (da vida toda ou dos últimos tempos)
foi-se. Você sobrou, viúvo, separado, tanto faz.
Você
está bem de saúde –apenas envelhecendo. A aposentadoria é suficiente, paga o
supermercado a cada semana e, de vez em quando, um restaurante, um cinema, um
teatro. E os livros; você lê, sempre leu.
Há
dias em que você não fala com ninguém. Às vezes, são semanas.
Você
mora desde sempre, como se diz, na casa onde viveu seu tempo de casal e criou
seus filhos –talvez no mesmo bairro onde você foi, por exemplo, professor de
colégio. Poderia ser uma casa vitoriana, num subúrbio norte-americano, ou um
sobrado, num bairro de classe média de uma cidade brasileira –ou um
apartamento, num prédio da mesma cidade.
Um
dia, alguém toca a campainha da sua porta ou bate de leve. É uma vizinha, que
você conhece de vista e de vocês se cumprimentarem de longe. Tem a mesma idade
que você, mais ou menos; ela viveu lá a vida inteira, com o marido dela, e
agora é viúva ou separada, que nem você.
"Quero
fazer uma sugestão para você", ela diz. "O que você acharia da ideia
de ir à minha casa de vez em quando para dormir comigo?"
O
quê? Como assim?
"É
que nós dois estamos sozinhos. Já há muito tempo. Há anos. Eu me sinto sozinha.
E acho que é possível que você também se sinta. Então fiquei pensando se você
gostaria de ir para minha casa à noite e dormir comigo. E conversar."
Ela
não está falando de sexo, mas de uma companhia: falar, cada um de si,
"porque as noites são a pior parte. Você não acha?".
Assim
começa a história de Addie e Louis, que é contada em "Nossas Noites",
o último romance de Kent Maruf, que morreu em 2014, aos 71 anos (Cia das
Letras, tradução de Sonia Moreira). Li o livro numa sentada, e me tocou fundo,
talvez pela minha idade, que avança.
Como
o menino Jamie, neto de Addie, eu tinha medo do escuro quando criança. Acordava
meu irmão; eu não pedia para ele ligar a luz (o interruptor estava ao lado da
cama dele), só queria que ele me respondesse.
Anos
depois, durante a minha análise, eu lia muita poesia e estudava alemão. Georg
Trakl era um de meus poetas preferidos; fascinava-me ele ter morrido cedo e de
overdose, mas, sobretudo, na poesia dele, percebia o medo, que me era familiar,
dos conúbios ameaçadores do silêncio com a escuridão.
Freud
conta ("Introdução à Psicanálise", 1923): "Um menino, angustiado
por estar no escuro, chama a tia, que está num quarto ao lado. 'Tia, fala
comigo; estou com medo'; 'De que te serve que eu fale, se no escuro você não me
enxergaria?' responde a tia. E o menino: 'Quando alguém fala, tem sempre
um pouco de luz'".
Tenho
a lembrança de uma estrofe de um poema de Hölderlin (não sei mais qual) em que
o andarilho, de noite, canta para se dar coragem. Deveria ter um provérbio que
diz: quem canta seu medo espanta; e outro: quem conversa seu medo espanta.
Addie
e Louis são parecidos com Jamie. Eles não têm medo do escuro que está no fim do
caminho, mas é porque acharam um jeito de resistir. Jamie, quando acorda no
escuro, vai para a cama deles, e eles, no escuro, contam suas vidas, um para o
outro. Cada um com o seu remédio.
Não
seria mais fácil dormir? De novo, Hölderlin: um verso de "Pão e
Vinho" diz: "Besser zu schlafen, wie so ohne Genossen zu sein",
melhor dormir do que estar sem companheiro. O problema é que nem sempre é fácil
dormir sem companheiro.
Há
uma insônia típica da terceira idade, pela qual a gente acorda de madrugada e
espera a luz do dia, para poder dormir de novo. Cai bem, nessa estranha
suspensão do sono, contemplar o outro que continua dormindo ao seu lado ou
acordá-lo, para que converse conosco.
"Nossas
Noites" é um história de resistência à morte e ao tempo que passa, pela
descoberta que ainda é possível encontrar amizade e amor.
Os
idosos sabem disso como nunca. Hoje, aliás, 80% dos adultos entre 50 e 90 anos
são amorosa e sexualmente ativos.
Só
não sei se os jovens aguentam isso. Os filhos sempre acham escandalosos os
prazeres dos pais idosos.
E,
contrariamente ao que reza a lenda, eles aguentam bem a morte dos pais, que é
natural. O que eles acham contrário à natureza não é que os pais morram, mas
que os pais vivam"
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quinta-feira, 9 de março de 2017
E lá se vão 11 anos
Em uma sexta-feira, do dia 10 de março, de 2006, às 9h30 da manhã, na Universidade Federal Fluminense, eu iniciava a minha apresentação de defesa da tese de doutorado: A Homossexualidade e a AIDS no imaginário de revistas semanais (1985-1990).
Não é sobre a defesa e nem sobre a tese que pretendo agora escrever, mas sobre aqueles dias que se seguiram a este ritual.
Foi uma mistura de alegria, pela defesa, pela conquista, pelo fechamento de uma etapa da minha vida profissional. Foi tb um momento importante da minha vida pessoal (na verdade, nem dá para separar uma da outra, uma vez que elas se misturam), tendo em vista que depois de 4 anos no Rio eu teria que voltar para Marechal Cândido Rondon (cidade do extremo-oeste do Paraná, onde em morava à época).
Voltar significava/significou deixar uma rotina para trás e reaprender a viver em Rondon. Cidade muito pequena e sem, praticamente, nada para fazer além do trabalho.
Claro que lá eu tinha (tenho) os grandes amigos e voltar me daria a oportunidade de reencontrá-los. Sem falar nas aulas na graduação: acho que nada me dá mais prazer do que isso.
Mas eu deixaria uma história pelo Rio: e o que mais me entristeceu foi saber que aqueles encontros semanais com Maria Claudia e Vanise ficariam no passado, os contatos mais próximos com a Cláudia Leopoldino e a distância da orientadora (da orientação).
Aprendi tanto nesses 4 anos. Me conheci muito tb nesse período. E fiz grandes amigos nessa época: Juscelino, Erik, Ana Paula, Lulu, Edson e outros que neste momento não me lembro. Além disso, os amigos de sempre que eu deixaria de certa forma de encontrar com a mesma frequência: Nanci, Vera, Robson, Serginho, Renatinho, Dórian, Sebastian. Alguns desses, mal sabia eu que não iria encontrar mais.
A gente perde e ganha, mas leva algum tempo para compreender como isso funciona. Bem, estou aqui, depois desse tempo relembrando, reconstruindo um momento que, agora, não me parece tão triste como foi.
Tive sorte de viver isso. E serei muito grato por esse tempo.
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