domingo, 18 de julho de 2010

Um e-mail de uma amiga (texto)

Alexandre,
Lendo o Inventário das sombras de José Castello, um livro em que ele tece perfis de alguns escritores, eis o que ele escreveu (e achei lindo) sobre Saramago:
Ao se debruçar sobre a infância, Saramago encontrou muitas passagens nebulosas, sucessão de verdadeiras armadilhas que começam com a história de seu nome. O sobrenome do pai era Sousa, e não SaramagoJosé de Sousa, ele se chamava. Mas em Azinhaga as famílias não eram conhecidas pelos sobrenomes de registro, e sim por alcunhas afetuosas. A família do escritor tinha a alcunha de Saramago, que é o nome de uma erva silvestre, de flores amarelas ou avermelhadas, bastante semelhante ao espinafre, que cresce pelos cantos, quase sempre esquecida. Quando ele nasceu, o pai se dirigiu a um cartório e, no balcão, limitou-se a dizer: “Vai se chamar José, como o pai!”. O empregado do registro civil, por sua conta e risco, acrescentou ao sobrenome verdadeiro, Sousa, o apelido de Saramago. Ele se tornou, então, José de Sousa Saramago, e o pai só descobriu o engano quando o menino já estava com sete anos de idade. Só em 1929, quando foi matricular o filho na escola primária e teve de apresentar a certidão de nascimento, o pai de Saramago se deu conta do engano, e se sentiu muito decepcionado porque não gostava nem um pouco da alcunha, que o fazia recordar sua origem camponesa e miserável.
Desde que se mudara para Lisboa, em 1924, o pai de Saramago não gostava que lhe recordassem os tempos duras da vida do campo. Vinha de uma família de pastores, que sobrevivia em condições muito adversas, guiando ovelhas e cabras. O pai se orgulhava porque em Lisboa o chamavam sempre de “Sr. Sousa”, nunca de “Sr. Saramago”, e essa substituição de tratamento parecia apagar o passado indesejável. Mas a certidão de nascimento do menino não fora aceita pela escola. O pai, então, não teve outra saída: viu-se obrigado a fazer um registro adicional em que atestava que ele, José de Sousa, era na verdade conhecido como José de Sousa Saramago. “Acho que sou o primeiro caso em que o filho dá o nome ao pai”, disse-me o escritor, tomado por um entusiasmo quase infantil. (Castello, pag. 225)
Beijos,
(...)

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