Tento recordar teu
rosto, nome. Curioso, como às vezes nos escapam os traços da pessoa
amada. Situo-te num passado já distante. Não te imagino num presente. De
ti resta-me o que foste comigo. E foste-me ternura e descoberta do meu
corpo, de minhas mãos até então inábeis que ensinaste a acariciar teus
cabelos, a sentir teu corpo; e ainda descoberta de que a minha voz tinha
um sentido para além de sons mais ou menos indistintos e vagos.
(...) Foram precisos muitos acasos, muitas
coincidências surpreendentes (e talvez muitas procuras), para que eu
encontre a Imagem que, entre mil, convém ao meu desejo. Eis um grande
enigma do qual nunca terei a solução: por que desejo Esse? Por que o
desejo por tanto tempo, languidamente?...
Todos os
“fracassos” de amor se parecem
(procedem todos da mesma
falha). X... e Y... não souberam
(puderam, quiseram) responder ao
meu “pedido”, aderir à minha
“verdade”; para
mim, um não fez senão repetir o
outro. E, entretanto, X... e
Y... são incomparáveis.
A errância amorosa tem seus
lados cômicos: parece um balé,
mais ou menos rápido conforme a
velocidade do sujeito infiel;
mas é Wagner também uma grande
ópera. O Holandês maldito é
condenado a errar sobre o mar
até encontrar uma mulher de uma
fidelidade eterna. Sou esse
Holandês Voador; não posso parar
de errar (de amar) por causa de
uma antiga marca que me
destinou, nos tempos remotos da
minha infância profunda, ao deus
Imaginário, que me afligiu de
uma compulsão de fala que me
leva a dizer “Eu te amo”, de
escala em escala, até que
qualquer outro escolha essa fala
e a devolva a mim; mas ninguém
pode assumir a resposta
impossível (que completa de uma
forma insustentável), e a
errância continua.
Como termina um amor? - O quê? Termina? Em
suma ninguém - exceto os outros - nunca sabe disso; uma espécie de
inocência mascara o fim dessa coisa concebida, afirmada, vivida como se
fosse eterna. O que quer que se torne objeto amado, quer ele desapareça
ou passe à região da Amizade, de qualquer maneira, eu não o vejo nem
mesmo se dissipar: o amor que termina se afasta para um outro mundo como
uma nave espacial que deixa de piscar: o ser amado ressoava como um
clamor, de repente ei-lo sem brilho (o outro nunca desaparece quando e
como se esperava). Esse fenômeno resulta de uma imposição do discurso
amoroso: eu mesmo (sujeito enamorado) não posso construir até o fim de
minha história de amor: sou o poeta (o recitante apenas do começo); o
final dessa história, assim como a minha própria morte, pertence aos
outros; eles que escrevam romance, narrativa exterior, mítica.
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