Em 1980,
a homossexualidade sumiu do "Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais". Em 1990, ela foi retirada da lista de doenças da
Organização Mundial da Saúde.
Médicos,
psiquiatras e psicólogos não podem oferecer uma cura para uma condição que, em
suas disciplinas, não é uma doença, nem um distúrbio, nem um transtorno. Isso
foi lembrado por Humberto Verona, presidente do Conselho Federal de Psicologia,
numa entrevista à Folha de 29 de junho.
No
entanto, o deputado João Campos (PSDB-GO), da bancada evangélica, pede que, por
decreto legislativo, os psicólogos sejam autorizados a "curar" os
homossexuais que desejem se livrar de sua homossexualidade.
Um
pressuposto desse pedido é a ideia de que os psicólogos saberiam como mudar a
orientação sexual de alguém (transformá-lo de hétero em homossexual e
vice-versa), mas seriam impedidos de exercer essa arte - por razões
ideológicas, morais, politicamente corretas etc.
Ora, no
estado atual de suas disciplinas, mesmo se eles quisessem, psicólogos e
psiquiatras não saberiam modificar a orientação sexual de alguém --tampouco,
aliás, eles saberiam modificar a "fantasia sexual" de alguém (ou
seja, o cenário, consciente ou inconsciente, com o qual ele alimenta seu
desejo).
Claro, ao
longo de uma terapia, alguém pode conseguir conviver melhor com seu próprio
desejo, mas sem mudar fundamentalmente sua orientação e sua fantasia.
Por via
química ou cirúrgica (administração de hormônios ou castração real --todos os
horrores já foram tentados), consegue-se diminuir o interesse de alguém na vida
sexual em geral, mas não afastá-lo de sua orientação ou de sua fantasia, que
permanecem as mesmas, embora impedidas de serem atuadas. A terapia pela palavra
(psicodinâmica ou comportamental que seja) tampouco permite mudar radicalmente
a orientação ou a fantasia de alguém.
O que
acontece, perguntará João Campos, nos casos de homossexualidade com a qual o
próprio indivíduo não concorda? Posso ser homossexual e não querer isso para
mim: será que ninguém me ajudará?
Sim, é
possível curar o sofrimento de quem discorda de sua própria sexualidade (é a
dita egodistonia), mas o alívio é no sentido de permitir que o indivíduo aceite
sua sexualidade e pare de se condenar e de tentar se reprimir além da conta.
Por
exemplo, se eu não concordo com minha homossexualidade (porque ela faz a
infelicidade de meus pais, porque sou discriminado por causa dela, porque sou
evangélico ou católico), não posso mudar minha orientação para aliviar meu
sofrimento, mas posso, isso sim, mudar o ambiente no qual eu vivo e as ideias,
conscientes ou inconscientes, que me levam a não admitir minha orientação
sexual.
Campos
preferiria outro caminho: o terapeuta deveria fortalecer as ideias que, de
dentro do paciente, opõem-se à homossexualidade dele. Mas o desejo sexual
humano é teimoso: uma psicoterapia que vise reforçar os argumentos (internos ou
externos) pelos quais o indivíduo se opõe à sua própria fantasia ou orientação
não consegue mudança alguma, mas apenas acirra a contradição da qual o
indivíduo sofre. Conclusão, o paciente acaba vivendo na culpa de estar se
traindo sempre --traindo quer seja seu desejo, quer seja os princípios em nome
dos quais ele queria e não consegue reprimir seu desejo.
Isso vale
também e especialmente em casos extremos, em que é absolutamente necessário que
o indivíduo controle seu desejo. Se eu fosse terapeuta no Irã, para ajudar meus
pacientes homossexuais a evitar a forca, eu não os encorajaria a reprimir seu
desejo (que sempre explodiria na hora e do jeito mais perigosos), mas tentaria
levá-los, ao contrário, a aceitar seu desejo, primeiro passo para eles
conseguirem vivê-lo às escondidas.
O mesmo
vale para os indivíduos que são animados por fantasias que a nossa lei reprova
e pune. Prometer-lhes uma mudança de fantasia só significa expô-los (e expor a
comunidade) a suas recidivas incontroláveis. Levá-los a reconhecer a fantasia
da qual eles não têm como se desfazer é o jeito para que eles consigam,
eventualmente, controlar seus atos.
Agora,
não entendo por que João Campos precisa recorrer à psicologia ou à psiquiatria
para prometer sua "cura" da homossexualidade. Ele poderia criar e
nomear seus especialistas; que tal "psicopompos"? Ou, então, não é
melhor mesmo "exorcistas"?
*Folha de
São Paulo, quinta-feira, 05 de julho de 2012 - Ilustrada.