quarta-feira, 2 de julho de 2014

A culpa que pesa o corpo e o faz afundar

Soube através de um amigo que mora em Cascavel do suicídio de duas adolescentes na Ponte da Amizade, pra quem não se localiza bem, é a ponte que liga o Paraguai ao Brasil. Contou-me que elas se jogaram abraçadas dessa ponte em direção ao Rio Paraná. Coutou-me tb que imediatamente após serem avisados, o corpo de bombeiros de ambos países saíram em buscas das meninas, mas que não encontraram nada. É um rio perigoso, com correntezas violentas, um rio profundo.
Além disso, que já me deixou bastante chocado, me contou também que estão dizendo por lá e pelas redes sociais que as meninas se jogaram no rio porque tinham uma relação afetiva, eram namoradas, e que suas famílias não aceitavam a relação. Aí de chocado fiquei arrasado porque fico sempre pensando, diante dessas situações, como é que ainda hoje tantas famílias não aceitam o amor de seus filhos porque julgam que amar alguém do mesmos sexo seja pecado, erro, anormalidade, doença, crime. E como é que essa pressão ainda impõe em muitas pessoas um peso tão grande de culpa a ponto de fazê-las não vislumbrar outra solução que não seja a de por fim a própria vida.
Fiquei pensando, mesmo sem saber nada sobre as meninas, sem sequer poder compartilhar com elas a dor que sentiram, o medo que sentiram, a solidão em que se encontravam, se não haveria outra forma de enfrentar essa dor sem por fim a própria vida.
Alguém vale a dor que a gente sente? O que dizem a nosso respeito deve ser levado tão a sério a ponto de fazer com a gente se anule para dar satisfação? Esse ato modifica alguma coisa?
E aí fiquei me imaginando, me colocando no lugar dessas meninas, adolescentes, provavelmente sozinhas, rodeadas dessa enorme moral religiosa fundamentalista que produz ódio no lugar do amor, que separa quando devia juntar, que denigre quando devia compreender.
Não deve ser fácil mesmo enfrentar um bando de santos espalhados em quase todas as religiões. Os Santos que falam em nome de Jesus, em nome Deus, em nome de uma Família sagrada e que sabem/podem julgar como se ocupassem um outro lugar e mais, como se julgar, não fosse passível de julgamento, porque santificados que são, podem tudo, inclusive, produzir essa culpa que as meninas carregaram a ponto de se matarem. A culpa que ajudou a pesar para afundar o corpo das adolescentes.
É, talvez a atitude delas modifique sim alguma coisa: talvez a família possa, mesmo que tardiamente, é verdade, repensar a sua posição em relação ao amor que elas sentiam. Talvez possam em algum momento compreender o que é o amor. Talvez possam, a partir disso, repensar as suas maneiras de encarar a vida dos outros.
Ou, cheios até a alma de suas religiões-de-ódio julgar ainda o suicídio, como se ele independente dessa moral-religiosa-fundamentalista tivesse uma vida própria.
Tenho certeza de que vamos nos envergonhar muito ainda dessas posições cristalizadas sobre a homossexualidade, assim como nos envergonhamos hoje de antigos preconceitos. Tenho certeza de que precisaremos nos explicar um dia, como já foi feito tantas vezes, diante de tanto sofrimento por alguma coisa que diz respeito, sobretudo, ao privado. Como é que podemos julgar as formas do amor? Como é que podemos pensar que há uma única maneira dele se manifestar: a que julgo certa?
Não sei se as meninas puseram fim as suas vidas por conta disso, mas de qualquer forma, se não fizeram por isso, outros o fazem todos os dias.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Pra rua me levar

Já sei olhar o rio por onde a vida passa

sem me precipitar, e nem perder a hora

Escuto no silêncio que há em mim e basta

Outro tempo começou pra mim agora

(Ana Carolina)



Não sei quantas vezes aqui eu falei sobre a música na minha vida. Acho que tantas pela importância que ela tem no meu dia a dia, sobre o meu humor. Um mundo sem música teria uma falta enorme. Vivo dela, mesmo. Vivo para prestar atenção nas músicas que ouço o dia inteiro por todos os lugares. Estou sempre atento aos sons ao meu redor.
Se estou assistindo a um filme, a trilha sonora me chama muito atenção. Se estou em silêncio, tem uma música tocando na minha cabeça. Anúncios. Cantoras. Letras. Sons em geral. Meus momentos mais intensos tem uma música qualquer que o representa. Sou um homem musical.
A música sempre esteve presente na minha vida. Sempre. Minha mãe escutava muita música em casa. Ouvíamos o tempo todo alguma música. Meus tios, homens, eram/são músicos: faziam parte de uma banda, na década de 60 (Os forasteiros). Ensaiavam em casa, e eu, é claro, não ficava fora disso. Era o mascote da banda: com direito a roupa igual a deles (hoje pode parecer meio cafona, e é mesmo bastante cafona, mas à época eu, criança, pouco me importava com cafonices. Pra ser sincero, cafonice é ser mal caráter, aproveitador, sanguessuga, sonso, interesseiro...). Bem, deixemos isso de lado, porque o que vale a pena é quem somos de verdade, quem acreditamos ser.
Em casa, não tinha essa de não ouvir isso porque era assim ou assado. Nunca. Eu tinha a liberdade de ouvir o que eu quisesse, acho que por isso sou tão eclético em termos musicais: ouço tudo e gosto de quase tudo um pouco. Em geral, o que não gosto é mesmo por falta de conhecimento ou qualquer implicância babaca. 
A música me alegra. E mesmo se estou triste a música não me coloca pra baixo. Ao contrário, ela me tira desse lugar. Lembro-me de uma vez em que duas amigas estiveram em minha casa, no Rio, e eu estava ouvindo Maria Bethania. Uma delas me disse: "tá na fossa!" E eu, verdadeiramente, não estava, ouvia Bethania porque aquilo me fazia bem.
Dia desses, à noite com alguns amigos, estávamos num bar de um brasileiro aqui em Lisboa e ele colocou Ana Carolina: "Pra rua me levar" e eu fechei os olhos para cantar o refrão. Meus amigos, na hora, me disseram que eu estava triste. E eu não estava, mesmo. Essa música me coloca em um lugar tão especial: me coloca de volta próximo de amigos, de momentos especiais que vivi. A música me salva. Não consigo me lembrar de nenhuma situação em que ela tenha me colocado em algum lugar incômodo: ao contrário, ela me conforta.

domingo, 22 de junho de 2014

Morri - Martha Medeiros

É uma das gírias do momento: Morri (mas dizem que já começa a cair em desuso, fenecendo ela própria).
“Morremos” quando ficamos impactados por algo, quando um acontecimento nos tira o ar, quando não acreditamos no que estamos vendo, ou seja, quando parece que fomos para o céu. Sem fatalismo, é apenas uma gracinha.
Tenho simpatia pelo uso corriqueiro e desestressado de tudo que invoque a palavra morte. Na mesma proporção, sinto um certo desprezo pela reverência aterrorizante que prestam a ela. Qual o problema, morrer?
Não tenho medo da morte porque já morri muito.
Não apenas em momentos quando cabia o uso da gíria (durante minha música preferida num show, quando me deparei com uma praia paradisíaca, quando ouvi algo que eu esperava escutar havia tempo), mas, muitas vezes, no sentido fúnebre mesmo: morri todas as vezes em que me frustrei, morri quando deixei a infância, morri quando deixei a puberdade, morri quando passei por finais de amor, morri quando passei adiante apartamentos em que vivi, morri por todas as minhas desistências, morri diante de cada tarefa terminada, morri quando machuquei algumas pessoas sem querer, morri nas inúmeras vezes em que fui machucada, morri tanto por ferimentos leves quanto por balaços à queima-roupa.
E morri em solidariedade à morte dos outros, morri diante de tragédias que não foram comigo que aconteceram, morri pelas estatísticas, morri de vergonha alheia, morri pelo que passou raspando. Tudo o que acontece de triste a qualquer outro ser humano, passa rente a nós.
Morri por excesso de sensibilidade e às vezes por um rigor desmedido, mesmo que, em termos genéricos, procure ver alguma graça em tudo.
Agorinha mesmo, 10 minutos atrás, morri um pouquinho. Coisa de nada. Já voltei.
Sem morte, não há vida. Quem não morre, não renasce, não volta mais atento, não volta mais amoroso, não volta mais experiente, não volta. Vira cadáver já na primeira morte, que pode ter acontecido aos cinco anos, aos 12, aos 16: quando você morreu pela primeira vez?
Minha relação amistosa com a morte vem justamente do exagero de amor que tenho pela vida, pela profunda capacidade de regeneração que me trouxe até aqui, habilitada para extrair alegria das mínimas coisas e êxtase das maiores. É por já ter morrido muito que vibro quando o telefone toca, quando o dia amanhece com sol, quando vejo os amigos, quando pratico exercícios, quando aprendo uma atividade nova, quando acerto, quando sorrio, quando comemoro.
Não é só a iminência de uma morte definitiva que nos faz valorizar cada dia respirado, mas também as sucessivas mortes pontuais, aquelas que nos dão o passe para finalizar a próxima jogada com mais êxito.
Morreu? Nasce um novo começo.

Contagem regressiva

Contar os dias para volta ao Brasil não quer dizer, definitivamente, que eu não tenha gostado muito de estar por aqui. Não apenas gostei de morar (estar morando) em Lisboa como me sinto privilegiado por isso. Acho mesmo que foi uma grande oportunidade que ganhei ao conseguir uma bolsa de estudos da CAPES para realizar o meu pós-doutorado. Além de geograficamente poder conhecer lugares que me pareciam muito distantes do Brasil. Bem, além disso tudo, estar longe e praticamente sozinho, me fez tb me conhecer um pouquinho mais. Descobri coisas sobre mim que não imaginava poder (e não poder) fazer.
Eu sabia, por exemplo, que não gostava de invernos, que não suporto dias chuvosos, sobretudo quando eles se transformam em semanas e mesmo em meses de céu cinza, vento, frio etc etc etc. Não sabia, por outro lado, que ficar tanto tempo longe do Brasil não era uma boa opção de vida. Não ficaria mesmo mais tanto tempo assim longe da minha casa: sinto falta de tudo. Da minha cama até dos meus amigos, do dia a dia em Cascavel. Dos alunos, das aulas na universidade, do contato diário com algumas pessoas.
Mas, tudo somado, acho que ganhei muito mais do que perdi: acabei conhecendo pessoas tão importantes por aqui. Pessoas com as quais mantive/mantenho uma relação muito boa, posso dizer, apesar do pouco tempo, de amizade
Nesses últimos dias, fiquei mais solto, acabei aceitando todos os convites para sair e isso me fez muito bem. Acabei conhecendo tb outras pessoas: brasileiros, colombianos, portugueses, pessoas alegres, parceiras etc.
É claro que esse post não é uma avaliação desse último ano, ainda falta um pequeno tempo de estadia por aqui (volto em agosto) e muita coisa ainda vai rolar (espero!). 

terça-feira, 17 de junho de 2014

Da Série Contos Mínimos

Eles sabiam que os grandes problemas não eram nem as alegrias e muito menos as tristezas, mas lidar com o dia a dia.

Solidão na velhice...

A solidão na velhice é uma experiência profundamente marcada pela complexidade da existência humana. Com o passar dos anos, os vínculos soci...