terça-feira, 12 de agosto de 2014

Da Série Contos Mínimos

Por vezes, ela atrapalhava-se com o passado e o presente. Tinha alguma dificuldade de saber se já fazia algum tempo ou se aquilo tinha acontecido ontem ou hoje pela manhã. Confundia a tristeza de agora com a alegria de meses, o que não era de todo ruim. Vivia num outro tempo verbal. 

domingo, 10 de agosto de 2014

Era essa a minha intenção.

Minha mãe foi excelente: trabalhava muito porque sozinha precisava dar conta de todas as obrigações. Era carinhosa, educada, ética. Me ensinou a incluir as pessoas. Bem. Ela foi uma mãe maravilhosa, mas não soube ser pai e mãe, como ouço muita gente falar por aí quando tem apenas um dos dois presentes.
Certa vez, numa sessão de análise, o psicanalista me perguntou, não me lembro qual era a situação... o que eu achava que seria a função de um pai? Eu não soube responder e é claro que aquele silêncio dizia muito sobre mim: não sabia o que era ser pai. Não sabia qual a função de um pai numa família.
Aí, conversei com um grande amigo, o Erik, e pergunte para ele como era essa história de ter um pai presente. Ele me respondeu que o pai dele estava presente quando a mãe não estava e que o pai o ensinou muitas coisas. Era função do pai dele, por exemplo, conversar sobre alguns assuntos. O seu pai foi quem lhe ensinou a andar de bicicleta. Era função dele cobrar-lhe algumas decisões. Ele o incentivava diante de algumas situações, aconselhava diante de outras, colocava dúvidas para que ele pensasse a respeito de algumas outras.
Passei toda a minha infância sem uma presença masculina em casa. Minha mãe tinha amigos e acho que eles se alternavam para dar uma força. Ah, tinham os meus tios, irmãos da minha mãe. Alguns eram muito presentes: as tios Carlinhos, Eduardo e Jorge estavam sempre por perto ou eu por perto deles.
Até que minha mãe se casou outra vez. Não foi fácil ter um padrasto. Eu achava sempre que minha mãe estava me deixando de lado por conta do namorado. Infernizei a vida dele por um bom tempo e ele a minha, mas acabamos por nos entender: nunca tivemos uma relação de pai e filho, mas posso dizer que somos amigos. Aprendi a conviver com ele e ele comigo. Ela é camarada. 
Hoje, liguei, já que é o dia dos pais e ele foi muito atencioso. Não lhe disse feliz dia dos pais! Mas era essa a minha intenção.

sábado, 9 de agosto de 2014

Dentro das palavras



Dentro das palavras há a possibilidade do universo.
E por isso, elas não são nada. Sozinhas, não dizem nada.
Estão apenas por aí, vagando em torno delas mesmas.
Voam como moscas sobre qualquer sentido: um qualquer que lhe dê vida.

Travessia - MIlton Nascimento


Quando você foi embora fez-se noite em meu viver
Forte eu sou, mas não tem jeito, hoje eu tenho que chorar
Minha casa não é minha, e nem é meu este lugar
Estou só e não resisto, muito tenho pra falar


Solto a voz nas estradas, já não quero parar
Meu caminho é de pedras, como posso sonhar
Sonho feito de brisa, vento vem terminar
Vou fechar o meu pranto, vou querer me matar


Vou seguindo pela vida me esquecendo de você
Eu não quero mais a morte, tenho muito que viver
Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer
Já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver


Solto a voz nas estradas, já não quero parar
Meu caminho é de pedras, como posso sonhar
Sonho feito de brisa, vento vem terminar
Vou fechar o meu pranto, vou querer me matar

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Da Série Contos Mínimos

Depois de muitos anos se reencontraram. Alguma mudança física dificultou, pelo menos para um deles, essa identificação imediata. Não havia mais dor, mágoas, sofrimento, tudo havia ficado em algum canto. Sentaram-se confortavelmente e construíram um novo passado.

domingo, 3 de agosto de 2014

Da Série Contos Mínimos


Varri, lavei, troquei de lugar, tirei o pó: a maior limpeza talvez deva ser feita em outro lugar.

Um grande espaço vazio

Bem, hoje o Alcemar (meu companheiro de apartamento nesse ano em Portugal) foi embora. Bem cedinho nos despedimos e nos falamos logo em seguida para eu saber se tudo estava certinho com as bagagens e com a viagem de volta. Depois disso, voltei para a cama.
Assim que (re)acordei, achei o apartamento muito grande, foi a primeira vez que senti isso em relação a esta casa: grande demais, muito espaço para pouca gente. Estou outra vez sozinho.
Não que isso já não tivesse acontecido por aqui, mas ele sempre voltava, né? Ou eram as férias, ou alguma viagem que ele fazia, para um dia estar de volta. Dessa vez não. Dessa vez nos encontraremos apenas em Cascavel quando eu tb retornar para o Brasil.
Aí, resolvi preencher este espaço com alguma atividade que me ocupasse por algum tempo. Desci um andar, mudei mais uma vez de quarto, reorganizei as minhas coisas (aproveitei para mais uma vez retirar o excesso) e a tarde foi embora como um passe de mágica: minha cabeça centrada apenas nessa mudança para o mesmo apartamento.
Varri, lavei, troquei de lugar, tirei o pó: a maior limpeza talvez deva ser feita em outro lugar. Por hora, não estou pronto.
Bem, por hoje acho que o trabalho braçal terminou. Vi que há ainda algumas coisas para colocar no lugar, mas fiquei muito cansado de tanto subir e descer. Bem, a limpeza de domingo está finalizada.

Solidão na velhice...

A solidão na velhice é uma experiência profundamente marcada pela complexidade da existência humana. Com o passar dos anos, os vínculos soci...