terça-feira, 22 de setembro de 2015

Das coisas que não acontecem apenas nas crônicas de Fernando Sabino

Chego em casa, depois do trabalho e o meu telefone fixo toca. DDD 51. Não faço a mínima ideia de onde parta a ligação. A única coisa que sei é que vou me arrepender depois de atendê-la. Tenho quase certeza de que no DDD 51 não pode ser nem o meu padrasto, nem o Robson (meu amigo do Rio) os únicos que me ligam no telefone fixo. Mas vou em frente na decisão de matar a minha curiosidade. 
É uma voz que está me oferecendo um Seguro de Vida. Digo-lhe imediatamente que já tenho um, mas a voz não me ouve, a voz apenas fala e fala muito. 
A voz fala sem parar. Sem me dar qualquer espaço pra eu roubar o turno da conversa. Ela me diz entre outras coisas que está me oferecendo um seguro “diferenciado”. E diz DI-FE-REN-CI-A-DO de uma maneira diferenciada. 
Segundo a voz, o tal seguro me oferece vantagens em vida. Diferente de todos os outros que em vida não me oferecem absolutamente NA-DA. “Nada” também sai de uma forma nada parecida com todos os “nadas” que ouvi na vida. 
E começa: vamos supor que o senhor perca um dedo, seja atropelado, quebre a cabeça, seja mordido por um animal (fiquei apavorado com essa possibilidade), tenha um problema que o impeça de andar, por exemplo, e fique, depois disso, com uma sequela pequena... o senhor ganhará R$350.000,000 reais. 
Tento interrompê-la mais uma vez, mas a voz não me ouve. Como eu disse, ela apenas fala e fala muito. 
A voz continua me animando com as vantagens para eu adquirir o tal seguro. A voz me pergunta se sou casado. Eu lhe digo que sim. Percebam que estou dando corda para saber até onde a voz vai. Ela não satisfeita me pergunta quantos filhos eu tenho. Digo que não tenho nenhum. A voz fica um pouco desapontada, mas não a ponto de se despedir. Ela continua: o nosso seguro dá a seus herdeiros um valor de R$350.000,00 caso o senhor MORRA. 
Fiquei muito animado com isso! Eu pago o seguro de vida e deixo para alguém todo esse valor. A voz se mantém firme no seu objetivo e me pergunta se eu costumo viajar. Eu digo que sim. Rio baixinho imaginando o que vem pela frente.
A voz, então, tem mais opções de desgraças para me oferecer: vamos supor que o senhor em uma viagem tenha um ataque do coração, sofra um acidente de carro, um infarto, um derrame, um desmaio que seja. O nosso seguro garante o seu deslocamento para um hospital. 
E os R$350.000,00? Não era a hora dela me oferecer um agrado? Acho que não! Dessa vez, pelo menos, a voz não me ofereceu nada. Era apenas o deslocamento. Mas também querer ganhar essa grana só porque sofreu um ataque do coração...
Eu tento dizer mais uma vez que não estou interessado. A voz continua surda. Bem, a solução foi mesmo simular um desmaio e desligar. Não estou definitivamente interessado nos R$350.000,00 do tal seguro, sobretudo se para recebê-lo seja necessário tanta desgraça prum corpo só. Um corpo é pouco.

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