Essa impossibilidade de totalizar-se é atravessada também pela constatação de que não somos apenas bons ou maus, que o humano não pode ser reduzido a categorias estanques de pureza ou perversidade. Freud, ao formular a teoria da pulsão, mostrou que o desejo não se organiza de forma moral, mas sim como um campo de forças em conflito, no qual impulsos contraditórios coexistem. O sujeito não se define por uma essência fixa de bondade ou maldade, mas por sua relação com esses impulsos, suas escolhas e seus deslocamentos no campo do desejo. É nesse sentido que a psicanálise desestabiliza certezas e mostra que a construção do eu é marcada pela ambivalência, pelo conflito entre os ideais do supereu, os impulsos do id e as tentativas do ego de mediar essas forças.
Não ser apenas isso ou aquilo, portanto, é do humano. A identidade não é um bloco coeso, mas um campo de tensões, atravessado por discursos, afetos e desejos que não se fecham em uma única definição. Se, por um lado, há um anseio por coerência e unidade, por outro, há uma irredutível dispersão, uma incompletude constitutiva que nos mantém em movimento. Freud nos ensina que o sujeito é dividido e que aceitar essa divisão é parte do processo de lidar com o mal-estar que nos habita. O reconhecimento de que não somos inteiramente bons ou maus, de que não há uma identidade definitiva a ser alcançada, abre espaço para a ética da escuta e para a possibilidade de viver com a alteridade em nós mesmos e nos outros.
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