sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Primeiro eu, se tiver mais tempo, eu também...porque pra mim é só o que importa



Às vezes, a vida nos apresenta aquele tipo de sujeito que caminha com holofote portátil. Tudo precisa apontar para o seu EU, como se o restante do mundo fosse apenas cenário de apoio. Ele narra o próprio respirar, converte qualquer conversa em desfile e coleciona plateias improvisadas. O curioso é que essa centralidade não ilumina: ofusca. Há brilho, há ruído, falta mundo.

Em volta dele, as experiências alheias viram gatilho para discursos autorreferidos. Você conta algo e recebe de volta um espelho: o assunto retorna para o centro, onde ele se mantém entronizado. A escuta vira performance, a presença do outro vira pano de fundo. O resultado é um cotidiano empobrecido, repetitivo, circulando sempre na mesma órbita, com o EU ocupando cada centímetro do espaço simbólico.

Há quem confunda intensidade com importância. O eu inflado fala alto, gesticula, ocupa, mas não se compromete com o encontro. Encontro supõe deslocamento, curiosidade, abertura. Para quem se coloca como medida de todas as coisas, deslocar-se parece ameaça. Assim se sustenta uma rotina de monólogos: ele é visto, ele é ouvido; ele não vê, ele não ouve.

Cuidar dos vínculos pede um gesto simples e raro: ceder lugar. Dar passagem para que o outro exista. Isso não apaga ninguém; ao contrário, amplia. Quando o “eu” aprende a dividir a cena com o “nós”, a conversa respira, os afetos se espraiam, a vida ganha profundidade. Talvez o primeiro passo seja desinflar a necessidade de centralidade e experimentar uma presença menos ruidosa, mais atenta, mais ética no cotidiano.

domingo, 5 de outubro de 2025

Um modo de estar


Voltar pra casa depois de uma viagem é como atravessar uma fronteira invisível entre o que ficou e o que volta. O corpo chega carregando cansaço, cheiros, restos de vozes, enquanto a alma vem mais lenta, distraída, ainda presa em paisagens, situações, conversas. Há um tempo em suspenso entre o fim da viagem e o início do retorno, um intervalo em que a casa parece observar quem chega.

A cada passo, reconheço o território conhecido. O som da porta, o cheiro onipresente do café, a luz que atravessa a cortina com a mesma delicadeza de sempre. Mas há uma leve estranheza — como se eu fosse visitante na própria vida. Estar longe faz com que o lar se revele em detalhes que antes passaram despercebidos: o tapete desalinhado, o livro esquecido, o copo fora do lugar. Tudo me observa com uma espécie de silêncio.

É nesse silêncio que a solidão aparece, serena. Não há ninguém me esperando, e percebo que talvez nunca tenha havido. Ainda assim, há algo de bonito nisso: voltar para si mesmo, sem plateia, sem expectativa. A casa, vazia, não cobra. Ela apenas acolhe, como um abrigo antigo onde cabem os restos de cada viagem e o sossego de cada regresso. A ausência de alguém me esperando já não dói; é constatação de um modo de estar.

E então olho em volta e respiro. Voltar pra casa é um reencontro com o próprio tempo. Abrir as malas, guardar lembranças e, aos poucos, retomar o ritmo de quem habita o próprio corpo. Nenhum abraço me espera, há a presença tranquila dessas coisas que aqui estão. E, no fundo, é disso que se trata: voltar, desfazer o caminho, e descobrir — mais uma vez — que estar só também é uma forma de chegar.

No excesso, algo pede passagem

Os dias se enfileiram e eu me vejo atravessando cada um com uma espécie de pressa silenciosa . Saio demais, como se a rua pudesse oferecer u...