domingo, 5 de outubro de 2025

Um modo de estar


Voltar pra casa depois de uma viagem é como atravessar uma fronteira invisível entre o que ficou e o que volta. O corpo chega carregando cansaço, cheiros, restos de vozes, enquanto a alma vem mais lenta, distraída, ainda presa em paisagens, situações, conversas. Há um tempo em suspenso entre o fim da viagem e o início do retorno, um intervalo em que a casa parece observar quem chega.

A cada passo, reconheço o território conhecido. O som da porta, o cheiro onipresente do café, a luz que atravessa a cortina com a mesma delicadeza de sempre. Mas há uma leve estranheza — como se eu fosse visitante na própria vida. Estar longe faz com que o lar se revele em detalhes que antes passaram despercebidos: o tapete desalinhado, o livro esquecido, o copo fora do lugar. Tudo me observa com uma espécie de silêncio.

É nesse silêncio que a solidão aparece, serena. Não há ninguém me esperando, e percebo que talvez nunca tenha havido. Ainda assim, há algo de bonito nisso: voltar para si mesmo, sem plateia, sem expectativa. A casa, vazia, não cobra. Ela apenas acolhe, como um abrigo antigo onde cabem os restos de cada viagem e o sossego de cada regresso. A ausência de alguém me esperando já não dói; é constatação de um modo de estar.

E então olho em volta e respiro. Voltar pra casa é um reencontro com o próprio tempo. Abrir as malas, guardar lembranças e, aos poucos, retomar o ritmo de quem habita o próprio corpo. Nenhum abraço me espera, há a presença tranquila dessas coisas que aqui estão. E, no fundo, é disso que se trata: voltar, desfazer o caminho, e descobrir — mais uma vez — que estar só também é uma forma de chegar.

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