As emendas parlamentares sem rastreamento expõem uma das faces mais graves da apropriação privada do dinheiro público no Brasil. Verbas que pertencem à sociedade circulam sem transparência, sem critérios verificáveis e sem qualquer possibilidade efetiva de acompanhamento pela população. O orçamento, que deveria expressar escolhas coletivas e prioridades sociais, passa a ser manejado em zonas de sombra, onde o interesse público perde lugar para arranjos políticos fechados.
Esse modo de destinação de recursos afronta princípios elementares da vida democrática. A gestão do dinheiro público exige publicidade, responsabilidade e controle social permanente. Quando parlamentares defendem ou naturalizam mecanismos que ocultam quem indica, quem recebe e como as verbas são utilizadas, instaura-se um regime de opacidade deliberada. A ausência de rastreamento não representa falha técnica, mas escolha política que fragiliza a própria noção de Estado comprometido com a sociedade.
Causa indignação a desenvoltura com que alguns políticos lidam com essa prática. Há um cinismo escancarado no discurso que tenta justificar a falta de transparência em nome de suposta eficiência ou rapidez. Isso encobre interesses particulares, barganhas silenciosas e usos do orçamento que jamais suportariam escrutínio público. O dinheiro coletivo passa a ser tratado como instrumento de poder pessoal, administrado longe do olhar de quem o financia.
A questão ultrapassa o campo contábil e alcança o coração da democracia. Sem rastreamento e controle, rompe-se o vínculo entre representantes e população, e consolida-se a percepção de que o Estado serve a poucos. Exigir transparência nas emendas significa defender o direito da sociedade de saber, acompanhar e cobrar. Qualquer país que se pretenda democrático precisa tratar o dinheiro público com luz, responsabilidade e respeito — tudo aquilo que essas emendas insistem em negar.
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