Corações Jovens, dirigido por Anthony Schatteman, inscreve a juventude como tempo de atravessamento silencioso e desloca expectativas fortemente sedimentadas sobre sexualidade e sofrimento. A aldeia flamenga onde a narrativa se desenrola comparece como materialidade que pesa sobre gestos, pausas e deslocamentos. O campo belga, com seu ritmo próprio e sua proximidade quase excessiva entre as pessoas, cria um espaço em que cada olhar ganha densidade e cada aproximação carrega riscos. Esse ambiente sustenta tensões sem precisar explicitá-las, confiando ao cotidiano a tarefa de produzir sentido.
Desde o início, o filme convoca uma memória social persistente: falar de sexualidade na infância e na adolescência costuma acionar discursos ligados à violência, à repressão e ao trauma, sobretudo no interior da família e da escola. O espectador é levado a antecipar esse caminho narrativo, esperando cenas de sofrimento ou punição. O impacto do filme nasce justamente dessa antecipação, que é mobilizada para, em seguida, ser deslocada. A narrativa recusa organizar a sexualidade juvenil a partir da violência como eixo central.
O encontro entre Elias, adolescente do interior, e Alexander, recém-chegado de Bruxelas, produz uma desorganização afetiva que atravessa também o grupo escolar e, de modo particular, a relação com Valerie, sua namorada até então. O incômodo de Valerie ultrapassa o ciúme e aponta para a dificuldade de lidar com o desejo quando ele passa a circular de forma imprevista, deslocando lugares e expectativas partilhadas. O filme acompanha esse deslocamento sem dramatizações excessivas, apostando na delicadeza dos gestos e nas hesitações.
O espaço escolar, frequentemente representado no cinema como palco de agressões explícitas, aparece aqui de forma rarefeita. Em vez de confrontos espetaculares, surgem silêncios constrangedores, olhares que pesam e pequenas inflexões no convívio cotidiano. A violência, quando se insinua, habita essas relações ordinárias, difíceis de nomear e justamente por isso persistentes. Ao mesmo tempo, o filme deixa entrever brechas de cuidado e reconhecimento, sem transformar esses gestos em exemplos edificantes.
Ao falar de corações jovens, o filme aponta para uma capacidade singular de ajuste. Apesar das pressões do entorno, dos medos e das perdas simbólicas que acompanham o primeiro amor, os personagens encontram modos de seguir adiante. Esse ajuste se dá na negociação cotidiana entre desejo, pertencimento e silêncio, sem promessas de estabilidade plena. Ao deslocar a sexualidade juvenil do campo exclusivo da violência, Corações Jovens reinscreve esse tema no campo da vida, do afeto e da possibilidade, afirmando uma delicadeza rara ao tratar da juventude como experiência atravessada por instabilidade e descoberta.

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