Os tempos atuais no Brasil são atravessados por uma polarização que parece transformar qualquer gesto banal em campo de batalha simbólico. Uma propaganda de sandálias, algo que durante décadas ocupou o lugar do cotidiano leve e quase despretensioso, passa a ser lida como tomada de posição política. O episódio recente envolvendo a campanha das Havaianas, com Fernanda Torres sugerindo entrar em 2026 com os dois pés, mostra como a vida comum vem sendo capturada por uma lógica de confronto permanente.
Nesse cenário, expressões corriqueiras deixam de circular como brincadeira, humor ou ironia e passam a ser enquadradas como sinal de pertencimento a um lado ou a outro. A extrema-direita, sempre vigilante, mobiliza-se rapidamente para produzir ruído, indignação e sensação de ameaça. A esquerda, por sua vez, muitas vezes se vê compelida a responder, reforçando um clima de tensão contínua que esgota qualquer possibilidade de distensão.
O que se impõe, então, é uma atmosfera de cansaço coletivo. A política transborda seus espaços próprios e se infiltra em tudo, do comercial de televisão à conversa trivial. Esse excesso de leitura, essa busca incessante por mensagens ocultas, vai produzindo um cotidiano pesado, marcado mais pela vigilância do que pela convivência. A alegria, o humor e a ambiguidade vão sendo comprimidos até quase desaparecerem.
Talvez o incômodo maior esteja justamente aí: na dificuldade crescente de aceitar o banal, o simples, o ambíguo. Entrar com os dois pés em um ano futuro poderia ser apenas isso, uma imagem, um jogo de linguagem, um convite leve. Transformar esse gesto em escândalo diz menos sobre a propaganda e mais sobre um país que anda levando tudo a sério demais. E, convenhamos, essa chatice já pesa mais do que qualquer sandália.
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