A forma como o índio é fotografado na mídia brasileira beira a imbecilidade. Pior do que essas fotografias, se é que algo pode ser pior do que as
imagens veiculadas na imprensa e as suas produções de sentidos (lê-se a partir delas
incivlidade,
ignorância,
violência,
atraso etc.), são os comentários que as acompanham. Dia desses, somente para ilustrar o que quero dizer e aonde chegar,
no Blog do jornalista Ancelmo Gois uma fotografia de um índio lendo um jornal
foi acompanhada do seguinte comentário:
"Veja o flagrante da coleguinha
Raquel Novaes, repórter da
Globo News, esta semana no aeroporto de Brasília.
Houve um tempo que índio queria apito. Hoje quer ler jornais. Melhor assim."
O índio é tratado como retardado sem que isso provoque qualquer indignação social. Isso acontece porque, de certa forma, compartilhamos, em se tratando de imaginário coletivo, já-dito, interdiscurso, da mesma compreensão em relação aos nativos: o índio é, numa escala evolutiva, sub-raça e portanto pode ser tratado com descaso e até merece certas piadinhas. É possível mesmo que não entendam a humilhação, por toda sua ignorância e primitividade.
Até onde sei, o índio quer que a sua terra, seus direitos, valores culturais, língua, vida sejam respeitados e não estão nem um pouco interessados em espelhos ou quaisquer que sejam os badulaques para entretenimentos.
E respeito vai além da óbvia constatação de que existe o "diferente". Respeito é lutar para que os velhos sentidos construídos e reforçados durante os últimos séculos desapareçam: índio não quer apito, índio não é preguiçoso, índio não é bêbado e nem imprestável, índio não é primitivo, não é ignorante e só não põe a voz no trombone porque ele foi tirado de sua boca faz tempo. Uma pena que esses sentidos estejam tão naturalizados a ponto do próprio nativo acreditar neles.
Acho que nos* falta, mesmo, capacidade para compreender que a vida que levamos, em termos evolutivos, é quase nada já que não conseguimos perceber o mínimo: que diferença é diferença e nada além disso.
Falta ao homem (estará equipado?) "pôr o pé no chão do seu coração, experimentar, colonizar, humanizar o homem, descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas a perene, insuspeitada alegria de conviver". (Drummond)
* aos quase brancos.