quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Ítaca - Constantino Kavafis (poesia)

Postei aqui neste blog no dia 3 de janeiro de 2010 o poema Ítaca do poeta Constantino Kavafis. E apesar de considerá-lo, o poema, incrível ele ficou nesse recente passado.
No entanto, recebi ontem um comentário, em forma de poema, de alguém que deu uma passadinha por aqui e aí recuperou essa memória que nunca eu deveria ter esquesido. Aí vai, outra vez, Ítaca

Se partires um dia rumo à Ítaca
Faz votos de que o caminho seja longo
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem lestrigões, nem ciclopes,
nem o colérico Posidon te intimidem!
Eles no teu caminho jamais encontrarás
Se altivo for teu pensamento
Se sutil emoção o teu corpo e o teu espírito tocar
Nem lestrigões, nem ciclopes
Nem o bravio Posidon hás de ver
Se tu mesmo não os levares dentro da alma
Se tua alma não os puser dentro de ti.
Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
Nas quais com que prazer, com que alegria
Tu hás de entrar pela primeira vez um porto
Para correr as lojas dos fenícios
e belas mercadorias adquirir.
Madrepérolas, corais, âmbares, ébanos
E perfumes sensuais de toda espécie
Quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrinas
Para aprender, para aprender dos doutos.
Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas, não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
E fundeares na ilha velho enfim.
Rico de quanto ganhaste no caminho
Sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.
Ítaca não te iludiu
Se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência.
E, agora, sabes o que significam Ítacas.

Constantino Kabvafis (1863-1933)
in: O Quarteto de Alexandria - trad. José Paulo Paz.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Da Série Contos Mínimos

Ficava ali parada sem reconhecer ninguém. Calada num mundo que era feito, sobretudo, de silêncio.

Biutiful e o que a gente tem com tudo isso?

Uma amiga postou no Facebook um pequeno comentário sobre o filme Biltiful de Alejandro González Iñárritu (o mesmo diretor de Babel, Amores brutos), segundo ela, o filme era um chute no estômago.
Eu me prometi não fazer mais nenhum comentário sobre filmes, porque, como eu já disse e digo sempre quando não cumpro a promessa, tem sites especializados aos montes para isso aqui na net.
Biltiful não é só um chute bem dado no boca do estômago (como ela escreveu), é muito mais do que isso (apesar de que uma pancada bem dada nessa região nos deixa mesmo sem ar, com muita dor, mas passa). Biutiful é uma dor que não passa, porque somos golpeados durante 147 min, sem dó.
Saímos do cinema (Sil, Nanci e eu) meio atordoados e, claro em uníssono, pensando em como essa nossa vidinha classe média-burguesinha-consumista é fútil. 
Não que não soubéssemos disso: preocupação com o número de fios do lençol de algodão egípcio ou a viagenzinha à Europa nas férias de final de ano.
O filme não trata da futilidade das nossas vidas, por outro lado, mostra o quanto é insuportável (o adjetivo ainda não é esse) a vida de muitas outras pessoas enquanto outras tantas não estão nem aí. Não se dão conta, na melhor das hipóteses.
Javier Bardem incrível, mas Blanca Portillo deu um show de interpretação. Não deixou nada a desejar em se tratando de atuação. Interpretações cruas, no melhor dos sentidos.
Vale à pena rever o filme e quando os cinemas aqui em Cascavel deixarem de passar apenas o mesmo, o já visto, corro para uma das salas.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A cura do envelhecimento (texto)

Acabei de passar por um banca de revistas e de ler essa texto da capa, aí ao lado, da Revista Galileu
Fiquei pensando aqui com os meus botões*: desde quando envelhecimento é uma doença que precisa ser curada? 
Quando eu era criança a velhice ainda não era uma doença. Não se falava em vida eterna (digo, com a conotação de beleza for ever) e nem mesmo em ser jovem aos 60 e poucos anos.
Não havia, pelo menos que eu me lembre, essa ditadura da juventude. A minha avó já era uma senhora com comportamento, vida e pele de uma senhora, sem que isso fosse infelicidade, desgraça, coisa ruim.
Todo mundo precisa estar inteiro, não por saúde, mas porque é necessário, porque o mercado exige, porque a gente se exige e sofre quando não consegue, e não se consegue, naturalmente, atingir o padrão de beleza e juventude estampados em todas os lugares. 
Basta ser jovem para ser feliz! Compramos essa ideia e acho que é tarde para envelhecer, naturalmente.

*pensar com os botões não é nada jovem.

Da Série Contos Mínimos

Como um velho disco de vinil arranhado, pulando sempre na mesma faixa e na mesma frase: repetindo, repetindo, repetindo.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Não faz parte do meu show (comentário)

Não sou um consumidor de livros espíritas, ou seja, não costumo comprar nem mesmo ler livros psicografados por médiuns. O máximo de intimidade que tive com uma obra espírita foi com O Evangelho segundo Allan Kardec que pertenceu a minha avó. Li algumas páginas, depois reli alguns capítulos.
No entanto, ontem à tarde uma amiga comprou o livro Faz parte do meu show, psicografado pelo médium Robson Pinheiro Santos e aí antes de dormir peguei emprestado o tal livro e o li.
Primeiro por curiosidade, depois para saber até onde ia o mal gosto do autor do romance. Fiquei impressionado com a falta de seriedade (desculpem-me os que gostaram ou os que acreditam que seja mesmo a vida-após-a-morte do cantor Cazuza descrita naquelas páginas) com a qual é tratada uma questão tão cara para o Kardecismo: a vida após a morte.
De cara, o que mais me impressionou negativamente foi a forma como os artistas (as pessoas públicas) são apresentados pelo autor depois de mortos. Continuam sendo tratados como celebridades independentemente da vida que levaram por aqui. 
Não estou de forma nenhuma produzindo juízo de valor sobre a vida de quem quer que seja, mas, sejamos honestos, o fato de alguém ser ator, poeta, apresentador, cantor, ex-BBB, modelo ou manequim não seria suficiente para ser tratado de forma diferenciada no plano espiritual, acho que isso iria de encontro com a doutrina espírita. E  mais, seria um desrespeito com os demais desencarnados.
Além disso, no decorrer do livro o cantor encontra-se com várias figuras conhecidas, como se elas continuassem sendo exatamente o que foram aqui entre nós.
O encontro com Chacrinha realmente me fez prosseguir com a leitura. Este continuava, além de usar o bordão Teresinha, apresentando um programa de música com a participação de Elis Regina, Clara Nunes etc. E a explicação dada pelo autor seria a importância dessas "pessoas" no acolhimento de espíritos desencarnados com alguma dificuldade para compreender essa nova etapa de sua vida.
A primeira figura pública com a qual o cantor esbarra é o poeta Drummond e o diálogo entre eles, e na sequência, a forma com o este poeta descreve o seu encontro com um mentor espiritual é de péssimo gosto literário.
Sem falar no vocabulário usado pelo cantor durante toda a obra. Para ressaltar que Cazuza fora um rebelde ou para reforçar essa imagem o autor o tempo todo faz uso de palavras de uma juventude fora do tempo. Seria como se o tipo assim fosse o bordão do Fiuk desencarnado.
Não vou dizer que perdi meu tempo, porque a explicação sobre desejos sexuais de encarnados e desencarnados foi interessante. Ponto.
Não recomendo. Mas gostaria muito de ler aqui outros comentários a respeito do livro, sobretudo positivos para que eu não ficasse com tamanha má impressão.

Aprender a lidar com a inquietante constatação de que não somos transparentes para nós mesmos

Saber sobre si é um processo complexo e, na psicanálise freudiana, não se reduz à consciência racional que temos de nós mesmos. Sigmund Freu...