terça-feira, 26 de julho de 2011

Pesquisa mostra que filhos de pais gays não sofrem prejuízos psicológicos (texto)

A função psíquica materna e paterna pode ser exercida por pessoas do mesmo sexo.
Um estudo realizado pelo Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo) revela que a criação e educação de crianças por casais gays não causa perda psicológica nos filhos – a função psíquica materna e paterna pode ser exercida por duas pessoas do mesmo sexo. As informações são da Agência USP de Notícias.
De acordo com o autor do estudo, o pesquisador Ricardo de Souza Vieira, a estrutura familiar e o desenvolvimento da criança não estão vinculados com a orientação sexual do casal, mas, sim, com o desejo de ser responsável por uma criança.
- As relações de responsabilidade dos pais e da criança com os adultos, que definem a estrutura familiar, não sofrem alterações. As funções psíquicas são o que realmente importam para o desenvolvimento de uma criança, e elas estão descoladas do aspecto anátomo-fisiológico do corpo.
Segundo ele, em um casal formado por homossexuais, tanto a função psíquica materna — mais próxima da criança e responsável por ensinar a linguagem e por cuidar e proteger com mais intensidade — quanto a paterna — que limita a proximidade da criança com a mãe e tem a função de determinar limites e leis – podem estar ou não presentes. Mas isso também ocorre dentro das famílias de casais heterosseuxais.
- As funções de parentesco são mais simbólicas do que biológicas.
Segundo o pesquisador, as crianças não sentem a necessidade de possuir uma mãe, do sexo feminino, e um pai, do sexo masculino, pois as funções psíquicas desses “entes” já estão sendo exercidas por duas pessoas do mesmo sexo.
- Não há regra geral, a criança costuma criar diferentes formas de nomear os pais, como: pai X e pai Y ou mãe X e mãe Y. Raramente uma criança chama um de “pai” e outro de “mãe”.
Segundo o pesquisador, a maneira como a criança percebe, valoriza e qualifica a realidade depende de como os pais transmitem sua própria maneira de entender essa realidade.

Aspecto jurídico
No Brasil, não há leis que regulamentem a adoção de crianças por casais homossexuais. Todas as decisões, nesse âmbito, são tomadas por meio da jurisprudência, ou seja, as decisões são baseadas em um conjunto anterior de decisões e interpretações da legislação por outros juízes.
Atualmente, não é permitido que um casal homossexual registre qualquer criança como filha ou filho. Apenas um dos companheiros ou companheiras homossexual, pelo menos 16 anos mais velho que a criança, pode assinar a adoção.
No entanto, em 2006, a Justiça emitiu uma certidão de nascimento em que um casal de homens gays, de Catanduva, interior de São Paulo, são os responsáveis pela paternidade de uma criança adotada. Decisão semelhante já havia beneficiado dois casais formados por mulheres - um em Bagé (RS) e outro no Rio de Janeiro (RJ).
Segundo Vieira, o principal empecilho para a regulamentação da adoção de crianças por casais homossexuais está no próprio Congresso Nacional.
- Alas do Congresso, como as conservadora e religiosa, em geral, comprometem a aprovação de leis que se referem à ampliação dos direitos dos homossexuais.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Duas ou três palavras sobre a morte de Amy (texto)

Tudo bem que a morte da cantora Amy Winehouse era uma questão tempo. E qual não seria? É claro tb que pelo que se via nos meios de comunicação, ela não levava uma vida, digamos, muito religiosa.
Tudo isso era sabido. Tudo dito. Tudo previsto etc. & tal, mas não posso dizer que não me surpreendi (ou me conformei) com a notícia de sua morte. De jeito nenhum.
Gostava muito do repertório, me divertia com o seu jeito meio foda-se de ser, ouvi sem parar, durante meses, "Back to black", revi, diversas vezes, o DVD desse disco. Me emocionei muito com as suas letras. Fiquei triste quando, por sms, o namorado me escreveu sobre a sua morte.
Quem sou eu para julgar o seu comportamento. Nos matamos de outras formas. Vivemos um dia de cada vez na esperança de estarmos bem psico_fisicamente. E nem sempre estamos. Às vezes nos atolamos, até o pescoço, de açúcar, de gordura, de cigarro, de bebida, de alimentos agrotoxicados, como se isso não nos fizesse mal algum. Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é.

A patrulha do amor (Texto - Ruth de Aquino)

Era uma festa de interior paulista em São João da Boa Vista. O pai, de 42 anos, abraçou o filho, de 18. Eles se veem uma vez por mês. “A gente fica no maior chamego, é a saudade”, disse o pai. Um grupo de seis homens se aproximou e perguntou se eles eram gays. O pai ainda respondeu que não. Foi desacordado por um soco no queixo. Sua orelha direita foi decepada por um dos agressores. Era um serralheiro de 25 anos que odeia homossexuais.
O serralheiro, preso dias depois, foi solto logo. E provavelmente só se arrepende pelo erro de avaliação: se pai e filho fossem um casal, teriam merecido o castigo. Ele é um entusiasta da tese defendida pelo deputado federal Bolsonaro: pais devem dar palmadas em filhos com “desvios” para “curar a doença” que está destruindo a família brasileira.
Essa legião homofóbica é muito maior do que se pensa em nosso país. Ela começa a sair do armário. Os novos direitos iguais dos gays cumprem uma função importante: mostram quem é quem. Preconceitos ficavam escondidos pela legislação discriminatória. Agora, emergem com fúria viril e religiosa. Agressões como essa e tantas outras terão de ser punidas exemplarmente, até que a sociedade se civilize e se modernize. O racismo é crime? A homofobia também precisa ser crime.
“Estava eu, meu filho, minha namorada e a namorada dele. Elas foram no banheiro. Aí eu peguei e abracei ele”, contou o pai, vendedor autônomo que vive numa chácara em Vargem Grande do Sul, cidade vizinha. O filho mora com a mãe em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. “Passou um grupo, perguntou se nós éramos gays, eu falei ‘lógico que não, ele é meu filho’. Ainda falaram: ‘Agora que liberou, vocês têm que dar beijinho’. Houve um empurra-empurra, eles foram embora, mas voltaram. Não sei se eu tomei um soco, apaguei. Quando levantei, senti. A minha orelha já estava no chão, um pedaço.” Uma mulher pegou o pedaço da orelha e colocou em um copo com gelo. No hospital, os médicos disseram que a orelha foi decepada por algum objeto cortante e muito bem afiado. “Não se pode nem mais abraçar um filho”, disse o autônomo.
Esse episódio dantesco numa festa agropecuária não choca apenas pelo ódio aos gays. Parece cada vez mais difícil ser pai amoroso quando, por todo lado, espreita a malícia alheia. Há dois anos, em setembro de 2009, um turista italiano foi preso por acariciar e beijar com “selinhos” a filha de 8 anos numa piscina pública em Fortaleza. Um casal de Brasília chamou a polícia. Estavam indignados com o “gringo pedófilo”. Ele branco, ela mais escura. A menina era filha do italiano com uma brasileira. A mulher também estava na piscina e protestou quando levaram o marido.
Pode-se entender o engano inicial numa região como o Nordeste, onde a prostituição infantil e o turismo sexual são uma tragédia quase oficial. Mas, mesmo depois de esclarecer que o italiano era pai da menina e estava com a mulher, como explicar sua detenção por dez dias de férias? Foi liberado sem pedido de desculpas. Daqui a pouco, um pai não poderá mais ajeitar o biquinizinho da filha, levar a menina ao banheiro, colocar no colo, abraçar e beijar.
Essa polícia do comportamento afetivo é dura, humilhante e cultural. Persegue sobretudo os homens. Em vários países, beijos entre heterossexuais não põem em dúvida sua masculinidade. São expressões de carinho. No Brasil, é mais complicado. Escrevi uma vez sobre o simbolismo de homens fantasiados de mulher no Carnaval. “O homem se veste de mulher porque quer ser mais afetivo de maneira escancarada, sair beijando todos, de qualquer sexo. Homem afetivo, nos outros dias do ano, é coisa de gay”, diz o psicoterapeuta Sócrates Nolasco. “É um momento do ano em que ele não precisa afirmar sua masculinidade. Mulher pode ser afetiva, carinhosa, extrovertida, e nem por isso será tachada de piranha.”
Deve ser cansativo e frustrante tentar se enquadrar o tempo todo no que a sociedade espera do macho. As novas gerações de homens deveriam fazer uma revolução.

domingo, 24 de julho de 2011

Heteroinquisidores: Se pai e filho agredidos por homófobos tivessem se 'confessado' gays, em vez de uma orelha decepada poderia haver dois cadáveres (Debora Diniz - O Estado de S.Paulo)

Minhas visitas à Índia são recheadas de descobertas culturais. Uma das que mais me fascina é a cena de homens de mãos dadas nas ruas. Ao contrário de nós, a expressão pública de afeto entre amigos é socialmente autorizada. Assim como meninas escolares no Brasil, os indianos de qualquer idade andam abraçados com seus colegas. A mesma intimidade entre homens, vi em vários países de tradição árabe. Aos homens, é permitido o toque como sinal de amizade. O curioso é que esse traço cultural não elimina a homofobia. Ao contrário, a homofobia é uma prática de ódio que convive com essas redescrições culturais sobre o corpo e o encontro entre os sexos. Entre nós, a novidade parece ser a de que nem mesmo o afeto entre pais e filhos será permitido pela patrulha homofóbica.
Um pai de 42 anos e um filho de 18 se abraçaram. De madrugada, cantavam juntos em uma festa ao ar livre no interior de São Paulo. Consigo imaginá-los felizes, razão para demonstrarem afeto mútuo. Foi o sinal para que dois homens desconhecidos perguntassem se eram gays. Insatisfeitos com a resposta negativa, saíram em busca de outros homens para iniciar a agressão. O pai teve parte da orelha decepada e o filho teve ferimentos leves. Pai e filho têm medo de represálias, pois os agressores estão pelo mundo, talvez orgulhosos da façanha ou, quem sabe, ainda sem entender por que não se pode agredir gays. Se tiverem algum senso de vergonha pelo ato, talvez seja o de ter confundido homens heterossexuais com gays.
A violência foi praticada com um ritual de confissão em dois atos: no primeiro, pai e filho deveriam declarar suas práticas sexuais para homens desconhecidos. Os homens homofóbicos são os inquisidores da heteronormatividade. Pai e filho negaram ser gays. Por alguma razão, a performance de gênero do pai e do filho não convenceu o grupo de homófobos. Eles buscaram reforço e retornaram com mais homens para silenciar aqueles que imaginavam ser representantes dos fora da lei heterossexual. No segundo ato, foram exigidas demonstrações de práticas homossexuais: pai e filho deveriam se beijar na boca para que os agressores vivenciassem a fantasia gay.
O primeiro ato do ritual homofóbico me leva a imaginar quais teriam sido as consequências de um "sim, somos gays" - uma autoafirmação entranhada em dois homens que não suportassem mais o tribunal homofóbico. Com essa resposta, talvez não estivéssemos diante de uma imagem de uma orelha parcialmente decepada, mas de dois cadáveres. Pai e filho foram vítimas da violência homofóbica. O curioso é que os dois não se apresentam como gays, mas como representantes da ordem heterossexual. Para os vigias homofóbicos, não importavam as práticas sexuais dos dois homens, mas a manutenção da ordem pública em que homens não devem se tocar. O interdito homossexual é tão poderoso que deveria impedir, inclusive, o contato físico entre pais e filhos.
Há outro ponto intrigante nessa história que é sobre como os homófobos se formam. Essa é uma inquietação a que qualquer aspirante a sociólogo responderia com uma tautologia: os fenômenos sociais não têm causa única. Mas aqui quero arriscar um caminho de compreensão. Os homófobos deste caso foram incapazes de diferenciar uma expressão de carinho paterno de uma prática erótica entre dois homens. Como hipótese, especularia que os agressores pouco receberam afeto de homens, seja de seus pais ou de outros homens de suas redes afetivas. Uma hipótese alternativa é a de que, se houve afeto paterno, esse foi mediado pelo temor homofóbico. Essa ausência levou os agressores a desconfiar do corpo de outros homens. Ao primeiro sinal de aproximação física, a defesa é a repulsa homofóbica.
Sei que essa explicação pode parecer reducionista para um fenômeno tão complexo e dependente da cultura patriarcal como é a homofobia. Mas é intrigante o erro do radar homofóbico dos agressores, o que sugere haver um equívoco de ponto de partida: eles parecem não ter sido capazes de identificar sinais corporais de algo tão fundamental quanto o amor paterno. Mesmo que não sejam ainda pais, não conseguiram se deslocar para o lugar de filhos que já foram ou ainda são. Aos guardiões da moral heterossexual, esse é um erro de diagnóstico que denuncia uma perturbação simbólica ainda mais fundamental.
Se minha hipótese for razoável, a mediação homofóbica na relação entre pais e filhos ou entre homens que se relacionam por vínculos de amizade ou convivência perpassa a socialização de gênero dos meninos. Os homens seriam treinados para evitar expressões de afeto e carinho por outros homens. Aqui volto à imagem da Índia para lembrar que o desejo de aproximação física entre homens não está inscrito nos corpos sexuados, mas é compartilhado pela cultura em que os homens vivem. Os homófobos se formam em casa, na rua, na escola. Em todos os espaços em que a fantasia homofóbica mediar a relação entre os corpos e afetos dos homens, a violência e a injúria contra os fora da lei heterossexual irão crescer.

DEBORA DINIZ É ANTROPÓLOGA, PROFESSORA DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA E PESQUISADORA DA ANIS - INSTITUTO DE BIOÉTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO

terça-feira, 19 de julho de 2011

A vida sobre um bueiro em Copacabana (texto e jogo)

As pessoas exageram. Nem é tão perigoso assim andar pelo Rio de Janeiro, além da dengue, das balas perdidas, dos bueiros que explodem e da cidade que transborda depois de 15min de chuva, o pior mesmo seria precisar de um hospital público para se tratar de algum desses males.
Ouvi dizer que uma grande empresa de software e uma fábrica de brinquedos lançará, em breve, um novo jogo em homenagem à cidade maravilhosa. É uma espécie de sobreviva se puder: vc ganha um tabuleiro e dados e vai tentando passar pelos obstáculos. Pule dois bueiros, tente se esquivar da bala perdida, volte duas casas, enfrente a fila daquele hospital público, agora nade duas ruas sem beber água ou engolir um rato morto. Tente encontrar uma lata de lixo no Centro da Cidade. Não encontrou? Volte três bueiros vigiados pela Light.
Ih, vc está sendo observado por PM´s. Pode jogar outra vez. Agora escolha ficar sobre um bueiro em Botafogo ou comer um peixe da Baia de Guanabara.
E os perigos não terminam por aí... vc acabou de encontra um deputado federal do Partido Progressista (PP) do Rio de Janeiro, se vc for gay, melhor encarar a Polícia Militar, se for hétero suba Santa Teresa de bondinho e se hospede no hotel cinco estrela com direito a arrastão. Mas não se preocupe, há a chance de vc cair num morro pacificado. Pule para a UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), mas não convide um PM para um cafezinho. Caso insista, percorra à Tijuca em qualquer horário.
O jogo nunca termina. Há muitos obstáculos até vc conseguir sair de vez da cidade para residir em outra. Há tb a remota possibilidade de conseguir um Green Card para a Suíça. Às vezes o jogo te põe em xeque e faz vc decidir se mora na Grécia, na Itália ou em Portugal ou se permanece sobre um bueiro em Copacabana.
Boa sorte.

Solidão na velhice...

A solidão na velhice é uma experiência profundamente marcada pela complexidade da existência humana. Com o passar dos anos, os vínculos soci...