Não é acaso que tantos ataques a homossexuais tenham acontecido várias vezes na avenida Paulista
O trânsito ali sempre é complicado, mas à noite, com as decorações
natalinas, fico pensando se não seria o caso de interditar a avenida
Paulista de uma vez.
Estando todos avisados que depois de certo horário só a circulação de
pedestres é permitida, pelo menos diminuirá o número dos desesperados
que, dentro do carro, esperavam chegar em tempo a seu destino, sem saber
que a rua se tornou mais uma atração turística do que um meio racional
de circulação.
O passeio pode ser simpático. Puseram árvores de luzinhas que fogem ao
esquema habitual. Em vez de troncos com as lâmpadas chinesas enroladas
em volta, surgiram espetos de tamanho médio, que durante o dia não se
percebem muito, mas à noite se ganham o aspecto de magra e invernal
vegetação iluminada.
Crianças pequenas tiram fotos com os pais, passadas as 23h. Adultos
descansam sentados em parapeitos, a meio do longo trajeto. Andando por
ali, tive sentimentos contraditórios.
Nunca passei o Natal fora do país, mas aquilo podia até ser parecido com
Nova York, ou quem sabe Milwaukee. Estava tudo bem até eu ver três
garotões de preto, cheios de tachinhas e pulseiras, sem o menor ar de
admiração pelos trenós e presépios em volta.
Sosseguei ao ver que havia um carro de polícia estacionado logo ali.
Pensei melhor, identificando os garotos mais com alguma vertente punk do
que com neonazistas ou assassinos de homossexuais.
Bem à minha frente, dois jovens japoneses pareciam tomar conhecimento
com a Paulista pela primeira vez, e temi pelo que pudesse acontecer com
eles.
Algo está certamente errado com um lugar onde, ao mesmo tempo, crianças
pequenas apontam para imagens de Papai Noel e homossexuais podem ser
espancados e mortos à vista de todo mundo -das crianças inclusive.
Certamente, ataques aos gays existem em qualquer parte da cidade, mas
não é casual que episódios desse tipo tenham acontecido várias vezes na
avenida Paulista.
Provavelmente, o homofóbico faz questão de tornar especialmente pública a
sua ação. Viu que na Paulista, na passeata do orgulho gay, existem
muito mais membros dessa tribo do que ele próprio pensava.
O poder de centenas de milhares de gays o intimida. Se existem tantos,
que será de mim? É claro que, lá no fundo, ele pensa: "quando chegará a
minha vez?".
Pois bem, passado o trauma da multidão, ele gostaria que a avenida
voltasse ao normal. Um dia de tolerância aos gays não quer dizer que no
resto do tempo a homossexualidade esteja permitida.
É como o machão que, certa vez na infância, no campinho de futebol, bem, você sabe... Mas ele é totalmente heterossexual, claro.
Dizem os alemães que uma vez é igual a vez nenhuma: "einmal ist
keinmal". Certo, um dia por ano admite-se a festa do orgulho gay. Cabe
ao homofóbico destruir, então, qualquer vestígio do que aconteceu.
Não inovo ao dizer que o fortão da avenida Paulista quer destruir, acima
de tudo, o seu próprio medo de ter desejos homossexuais. Procura
ingerir a heterossexualidade junto com os anabolizantes.
Deveria pensar que a heterossexualidade, como a dimensão dos músculos, é uma questão de grau.
Um dos sujeitos mais heterossexuais que conheci considerava que, depois
dos 40 anos, ter barriga é desejável. Mais do que isso, a ausência de
barriga chegava a lhe parecer um bocado suspeita.
Há quem vá além. Soube de um cidadão que, mesmo nos transes da
adolescência, nunca teve interesse em se masturbar. "Meu negócio é
mulher", dizia ele. E o onanismo, pensando bem, não deixa de ser uma
forma de obter prazer com alguém do mesmo sexo.
Que dizer, ademais, de um homem que faz questão de sair com mulheres
bonitas? É o que quer a maioria; enquanto isso, muitas mulheres não
ligam para a feiura dos companheiros.
Concluo que as mulheres, provavelmente, são mais heterossexuais do que
os homens -tão ligados, afinal, em frescuras estéticas, enjoamentos,
exigências e minúcias.
Como é que aquele gay, pensa o homofóbico da Paulista, pode ser mais
bonito do que eu? Surge o impulso agressivo. Ele volta, depois, à
academia de ginástica. O espelho, ali, reflete a sua imagem. Ele é a
madrasta de Branca de Neve. Que as luzes do Natal não iluminem seu
desfile pela Paulista.
Folha de São Paulo - Ilustrada - 12 de dezembro de 2012