domingo, 13 de setembro de 2015

Da Série Contos Mínimos


Era tanto absurdo que me refugiei na realidade.

Não era sobre isso que eu queria escrever

Fui ao cinema, depois de alguma dificuldade para conseguir ingresso, com dois amigos assistir ao filme escrito e dirigido por Anna Muylaert Que horas ela volta?. O filme conta a história de uma mulher pernambucana (Val) que, como tantas outras, se muda pra São Paulo a fim de dar melhores condições de vida para sua filha (Jéssica). 
Tanto São Paulo quanto Pernambuco são metáforas de outras realidades de outros estados do norte/nordeste e de outras grandes cidades do sul/sudeste.
O elenco é afinadíssimo. Além de Regina Casé, conhecidíssima por atuações como apresentadora de programas, comediante, por suas personagens no cinema e em novelas, há tb outras grandes atrizes e atores contribuindo para o sucesso do filme: Camila Márdila (Jéssica), Karine Tele (Bárbara), Lourenço Mutarelli (Carlos), entre outros.
O filme chega num bom momento pra gente discutir/pensar um país há muito dividido: entre o nordeste da miséria e o sudeste, muito familiar, das oportunidades. Esse estereótipo é de certa forma reforçado e destruído. Reforçado porque a pernambucana Val (Regina Casé) sai da sua cidade em busca de melhores condições de vida tanto pra si quanto pra sua filha, que fica em Pernambuco aos cuidados da avó.
Destruído porque essas melhores condições de vida não passam de aparências, primeiro porque as condições de trabalho de Val, numa casa de família, é a representação da forma como as empregadas domésticas sempre foram tratadas no Brasil: acordam antes dos donos da casa e vão dormir muito depois de todos já estarem dormindo; depois, porque, ao sair de Pernambuco pra ser babá do filho da sua patroa, tem que deixar a sua filha aos cuidados da avó. Ela cria o filho do outro mas não tem condições de criar a sua filha.
O filme nos deixa muitas vezes envergonhados porque é como se nos revelasse nas atitudes dos patrões: a patroa diz que Val é "praticamente da família", e essa forma de tratá-la é um mascaramento das explorações as quais as empregadas são expostas. O patrão, com a chegada de Jéssica a sua casa, se comporta como tantos homens se comportam diante dos subalternos, sejam eles as empregadas ou as filhas das empregadas. 
Claro que muita coisa está mudando/mudou no país. Não tenho dúvida. Claro que essas mudanças passam necessariamente por alterações legais, situação do trabalho doméstico, mas tb por alterações sociais, de políticas públicas: educação, saúde, investimentos em outras regiões do país.
Claro que as mudanças tb podem refletir os novos lugares ocupados pelas novas gerações em relação ao lugar da mulher no Brasil e no mundo. Claro que tudo isso não passa de quase nada se pensarmos o tanto que precisa mudar. É claro tb que é fácil a gente se emocionar com essa história mas ser tb parte desse mecanismo: como a gente trata mal quem trabalha conosco como se isso fosse normal.
Claro que a gente "não entende", mas passa batido diante da nossa empregada que mesmo tendo um ensino superior continua tendo que fazer limpeza porque não consegue espaço no mercado de trabalho. Como tudo isso nos é familiar, assim como é familiar ter alguém lavando nossas louças, cuidando dos nossos filhos sem que a gente saiba verdadeiramente quem é aquela pessoa que está ali e qual é a sua história.
Ui, fico angustiado só de pensar naquilo que não sei sobre aquilo que acontece todos os dias com pessoas reais nessas situações.
Um filme sozinho não faz verão, mas se ele consegue, pelo menos, nos fazer pensar sobre o lugar da gente e do outro nessa engrenagem e isso refletir efetivamente na forma como tratamos o outro, muda muita coisa.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Da (o)pressão à liberdade

Engana-se quem pensa que há um movimento homossexual lutando por uma causa comum. O grande movimento homossexual é formado, principalmente, por uma classe média que há muito já conquistou direitos tb sobre a sua sexualidade: o direito de vivê-la da forma que quer.
A (o)pressão sexual que essa classe sofre não é, nem de longe, a mesma da classe trabalhadora. As lutas aqui são ainda para sobreviver, são lutas contra a violência, contra a exclusão, contra o racismo, são lutas pelo mercado de trabalho.
As elites já conquistaram seu espaço. Poucos ainda se importam com quem eles/elas se deitam. E se alguém ainda se incomoda por aqui com o seu estilo de vida, eles/elas viajam para a Europa ou para os EUA e por  lá vivem a sua sexualidade de forma bem mais livre e segura.
A grande maioria ainda precisa se preocupar com os subempregos, com os baixos salários, com a invisibilidade, com a resistência da própria família em relação a sua orientação sexual. 
Bem, não estou dizendo que para a elite a causa da "indiferença" (no sentido positivo: o de não ser objeto de olhares, comentários etc.) esteja vencida. Mas, em geral, caga-se pra isso. Nada como um bom poder aquisitivo pra mandar vir isso de outros lugares.
Por isso, o movimento gay não consegue, por exemplo, eleger representantes que lutem por seus direitos. Por isso que as conquistas são sempre muito pontuais. São sempre muito lentas.
Mesmo que a gente saiba que a homossexualidade não se restrinja a uma ou outra classe, ou seja, está presente em todos os lugares, classes, cores, a despolitização por uma causa em comum, por uma luta que seja de todos/todas nos impossibilita de conquistar avanços significativos.

Lugar de mulher é...

É claro que cada um diz e pensa o que pode. Não tenho mesmo dúvidas disso. Pensa do lugar que ocupa diante de qualquer que seja a situação, a questão, o problema.
Hoje, uma amiga reproduziu, no Facebook, uma entrevista (acesse a entrevista clicando ao lado) da diretora do Filme Que horas ela volta?, Anna Muylaert, sobre o machismo e o lugar da mulher no cinema.
Uma boa oportunidade pra gente pensar sobre o machismo que se enraíza de tal forma na sociedade que pouco nos damos conta dele. Ele, o machismo, está nos lugares mais improváveis. Nas situações menos perceptíveis porque de tão natural passa quase sempre sem ser percebido. 
É normal, está cristalizado, é natural e aí senti-lo ou percebê-lo é um grande exercício.
Bem, um casal (uma mulher e um homem) está num restaurante e pede ao garçom uma cerveja e um refrigerante. O garçom, naturalmente, serve a mulher com o refrigerante e o homem com a cerveja. Ou, um grupo de homens e mulheres pede vinho e o garçom, ele outra vez (!), dá a um dos homens o vinho pra ser provado. Essas duas situações foram vivenciadas por mim. Bem, eu normalmente não bebo cerveja e entendo de vinho tanto quanto entendo de física quântica. Física o quê?
Isso não é simplesmente um descuido (ou "um errinho") ou uma falta de sensibilidade, como diriam uns. É o reflexo de uma sociedade em que o homem ocupa um lugar de superioridade em relação à mulher. 
Somente ele poderia pedir, nesse caso, a cerveja. Ou, apenas eles, os homens do grupo, seriam bons conhecedores de vinho. Mulher na companhia de um homem somente o refrigerante poderia ser pra ela.
Bem, aqui estou apenas pontuando a postagem da amiga e os comentários que se seguiram.
Não me lembro de ouvir (tenho 50 anos) alguém ofender um homem chamando-o de "histérico, velho e feio" ou ainda dizer que ele é mal-humorado por que é "mal comido", que age assim ou assado porque "não tem uma mulher" que dê conta dele. Praticamente impossível ouvir e ler determinadas construções acompanhando comportamentos de homens.
Somos tratados de maneira diferente das mulheres. Eu percebo isso no meu dia a dia. Bem, fui criado com uma liberdade que duvido muito fosse eu mulher a tivesse. Mesmo em ambientes ditos menos preconceituosos, ainda percebo homens ocupando lugares pouco ocupados por mulheres.
Dou aulas numa universidade e apenas 1 vez, nesses 22 anos de UNIOESTE, uma mulher ocupou o lugar de reitora da instituição. Por que será? A Pró-Reitoria de Pesquisa (dentre as Pró-Reitorias, esta tem um destaque muito grande: dentro e fora das universidades) em geral é ocupada por homens mesmo que a experiência com uma mulher que a ocupou (nessa mesma instituição) pelo menos uma vez fosse cem vezes mais produtiva. "Mulheres se ocupam de funções com menos responsabilidades", ou "Não são boas administradoras", ou ainda "São muito delicadas para resolverem questões mais sérias ou grandes problemas."
E isso muito provavelmente se repete em outros lugares. Sabemos que mulheres que desempenham a mesma função que homens ganham menos. 
Sabemos tb que homens são educados para serem pegadores (dia desses um amigo escreveu, tb no Facebook, que educa o seu filho para ser "macho-alfa") (vou ali rir e já volto) e mulheres ainda são educadas para obedecer: seja o irmão mais velho, seja o pai, seja o marido.
Dias melhores virão, não tenho dúvida, mas isso não pode querer dizer que a gente não possa/deva se dá conta de que muita coisa precisa ainda mudar (mesmo que muita coisa já tenha mudado).
O nosso papel como professor, pai, mãe, cidadão é contribuir para que as mudanças se solidifiquem: que homens e mulheres sejam tratados, educados da mesma maneira. A partir disso teremos um mundo mais justo e melhor pra todo mundo! Só assim podemos falar em oportunidades iguais, pelo menos em se tratando de gênero.

sábado, 5 de setembro de 2015

Da Série Contos Mínimos

Me dei conta de que perdi o meu sorriso em algum lugar dessa sala. Abri os livros, revirei gavetas, vasculhei os cantos e nada. Não estava por aqui. Certamente, esse vento que sopra durante os dias o tenha levado para um outro lugar.

domingo, 30 de agosto de 2015

Oliver Sacks (1933-2015)

Fui apresentado aos livros do escritor por minha antiga orientadora de doutorado. Ela uma leitora contumaz dos seus artigos e livros. 
Eu fiquei encantado com O Homem que confundiu sua mulher com um chapéu. Ele um renomado neurologista totalmente desconhecido pra mim. O mundo é realmente grande. Muitos ainda são e serão pra toda vida totalmente desconhecidos pra mim.
Oliver Sacks um dia deixou de ser. Sua escrita simples e inacreditavelmente sofisticada: ele era mesmo "o poeta da medicina moderna".
Hoje me deparo com a notícia da sua morte. Eu já sabia do câncer, das várias metástases, do artigo que ele escreveu no New York Times sobre os nove anos de sobrevida depois do diagnóstico e da sua felicidade por estar ainda com saúde e poder produzir muito, como o fez.
Bem, serei pra sempre um desconhecido assim como a maior parte dos seus leitores, mas ele um dia fez uma grande diferença na minha vida.

Da Série Contos Mínimos


Resultado de imagem para balanço para criançaO antigo balanço rangia como se nos dissesse que ainda estava vivo. Bem antes de avistá-lo eu ia imaginando uma criança no ar como quem voasse. Era uma menina sozinha num quintal gramado: ela e um velho balanço amarelo. Ele se repetindo - o de sempre com outra geração.

Solidão na velhice...

A solidão na velhice é uma experiência profundamente marcada pela complexidade da existência humana. Com o passar dos anos, os vínculos soci...