sábado, 30 de abril de 2011

Da Série Contos Mínimos

Sentia-se como se tivesse trombado com uma manada de elefantes. Pernas, braços, tórax, cabeça: nada fazia sentido. Nada compunha um todo. Um homem aos pedaços.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Para Cris (texto)

Cris, dia desses nos falamos por aqui. O post era sobre música. Eu escrevia sobre as minhas impressões em relação ao mais recente CD da Adriana Calcanhotto. Naquele post eu disse que o CD havia me decepcionado, justamente porque, como gosto muita da Adriana (pareço até íntimo), esperava muito mais de um disco de samba, já que ela é uma compositora especial.
Vc me disse que fazia tempo que não se surpreendia com nada em relação à música. Lembra-se? Pois bem, hoje um aluno me indicou o CD da Mônica Salmaso - Alma Lírica Brasileira (clique aqui para ouvir). Olha, comprei pela net. mas enquanto não chega estou ouvindo pela UOL, sem parar, diga-se.
Ouça e depois me diga o que achou. O selo é Biscoito Fino, raramente produz algum CD/DVD que não seja muito bom. Tomara que, como eu, vc se surpreenda. Além da voz, dos arranjos, dos músicos que a acompanham, a seleção musical é impecável! De Carnavalzinho até Trem das onze, imperdível. A alma é mesmo brasileira da melhor espécie, do mais alto nível.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Pra você guardei o amor (Nando Reis)

Que o Nando Reis é um grande letrista não é novidade para ninguém, pelo menos, pra quem já tenha escutado por exemplo All Star, Por onde andei, Luz dos olhos, Relicário, O segundo sol, Cegos do Castelo e tantas, tantas outras músicas, cantados por ele, ou eternizadas pela voz da Cássia Eller.
Dia desses, um amigo me mandou Pra você guardei o amor, e fiquei ouvindo sem parar, até que a música grudou como se tivesse sido parte da minha trilha sonora.
A letra é demais!! Interpretada por ele e por Ana Cañas, é uma declaração de amor. Confira:

Pra você guardei o amor
Que nunca soube dar
O amor que tive e vi sem me deixar
Sentir sem conseguir provar
Sem entregar
E repartir


Pra você guardei o amor
Que sempre quis mostrar
O amor que vive em mim vem visitar
Sorrir, vem colorir solar
Vem esquentar
E permitir


Quem acolher o que ele tem e traz
Quem entender o que ele diz
No giz do gesto o jeito pronto
Do piscar dos cílios
Que o convite do silêncio
Exibe em cada olhar


Guardei
Sem ter porque
Nem por razão
Ou coisa outra qualquer
Além de não saber como fazer
Pra ter um jeito meu de me mostrar


Achei
Vendo em você
E explicação
Nenhuma isso requer
Se o coração bater forte e arder
No fogo o gelo vai queimar


Pra você guardei o amor
Que aprendi vem dos meus pais
O amor que tive e recebi
E hoje posso dar livre e feliz
Céu cheiro e ar na cor que o arco-íris
Risca ao levitar


Vou nascer de novo
Lápis, edifício, tevere, ponte
Desenhar no seu quadril
Meus lábios beijam signos feito sinos
Trilho a infância, terço o berço
Do seu lar


Guardei
Sem ter porque
Nem por razão
Ou coisa outra qualquer
Além de não saber como fazer
Pra ter um jeito meu de me mostrar


Achei
Vendo em você
E explicação
Nenhuma isso requer
Se o coração bater forte e arder
No fogo o gelo vai queimar


Pra você guardei o amor
Que nunca soube dar
O amor que tive e vi sem me deixar
Sentir sem conseguir provar
Sem entregar
E repartir


Quem acolher o que ele tem e traz
Quem entender o que ele diz
No giz do gesto o jeito pronto
Do piscar dos cílios
Que o convite do silêncio
Exibe em cada olhar


Guardei
Sem ter porque
Nem por razão
Ou coisa outra qualquer
Além de não saber como fazer
Pra ter um jeito meu de me mostrar


Achei
Vendo em você
E explicação
Nenhuma isso requer
Se o coração bater forte e arder
No fogo o gelo vai queimar

Da Série Contos Mínimos

Sabia, porque a gente sempre sabe, que nem tudo depende do desejo. Sabia tb que a responsabilidade não era de outra pessoa. Mas, às vezes, sentia uma vontadezinha de compartilhar. Um mesmo espelho sempre é pouco.

Last Night I Dreamt That Somebody Loved Me (texto)

Ando nostálgico. Mas sei que a nostalgia talvez seja de algo que nem mesmo tenha existido. É possível que esteja apenas numa memória inventada. Uma saudade boa (e triste) de se ter.
Não é o desejo de voltar ao passado, propriamente dito, mas a vontade de se ter alguma coisa que não tenho, nem sei se tive, mas como não a(o) encontro aqui agora, me iludo com a possibilidade de encontrá-la(o) em outro lugar. Se não está aqui e se não a(o) vislumbro num futuro, só poderia achá-la(o) no passado. 
Não sei exatamente o que me faz sentir assim.
Hoje numa conversa com amigos no almoço, me dei conta de que o mês de abril está no fim e a impressão é a de que não fiz nada. Nem um passo. Primeiro, quando penso no que preciso fazer, depois, quando vejo que nem dei conta do que eu deveria ter feito. Estar longe desses pensamentos já seria bom. Mas, por hora, não dá.
Escrever já ajuda um pouco, enquando aperto as letras do teclado, penso um pouco sobre essa sensação. E pensar é, em parte, organizar para resolver.
Quando estou assim tenho vontade de estar com uma grande amiga do Rio, ela sempre tem alguma coisa para me dizer, para me confortar.
Na vitrola The Smiths dá vida à cena, ouço Last Night I Dreamt That Somebody Loved Me, e seus primeiros versos Last night I dreamt/ That somebody loved me/ No hope, no harm/ Just another false alarm me chamam a atenção para todos esses últimos anos, talvez eu devesse modificar o pronome para a primeira pessoa, talvez fosse preciso repensar os últimos 11 anos.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Círculos concêntricos das amizades (texto)

A fuga para as cidades, para as grandes cidades, não representa para os homossexuais somente a possibilidade de viver num certo anonimato. Trata-se, segundo Didier Eribon, de um verdadeiro corte na biografia dos indivíduos.
A cidade pequena é o lugar onde é difícil escapar do único espelho disponível, o que nos é apresentado pela vida familiar, pela escola, pelas instituições de uma forma geral. Nas cidades pequenas é muito difícil escapar dos modelos afetivos, culturais, sociais da heterossexualidade.
Quando refiro-me às pequenas cidade, refiro-me tb aos subúrbios em torno das capitais, por exemplo. Eles são uma espécie de cidades miniaturas onde vizinhos, familiares estão sempre de olho nos comportamentos. É muito comum a migração de gays para os grandes centros, partam eles de cidade menores ou de subúrbios que gravitam em torno de capitais.
Por isso é que a sociabilidade gay - ou lésbica - funda-se primeiramente, e antes de tudo, numa prática e numa "política" da amizade.
Estar com outros homossexuais permite ver a si mesmo. Permite partilhar e experimentar a própria existência, como escreveu Henning Bech.
As redes de amigos são uma das instituições mais importantes da vida homossexual. Só nesse quadro é possível desenvolver uma identidade mais concreta e mais positiva de si.
O círculo de amigos está no centro das vidas gays, e o percurso psicológico do homossexual marca uma evolução da solidão para a socialização em e pelos lugares de encontro.
Assim, o modo de vida homossexual está fundado nos círculos concêntricos das amizades ou na tentativa sempre recomeçada de criar tais redes e de estabelecer tais amizades.

terça-feira, 26 de abril de 2011

A interpelação sexual e étnica (texto)

Quando nascemos o mundo já está pronto. A língua está pronta. Os sentidos que as palavras têm ou o peso que elas carregam tb estão dados antes mesmo de nascermos.
Os gays, por exemplo, vivem num mundo de ofensas. A linguagem os cercam. O mundo os insulta. As palavras do mundo político, médico,  jurídico atribuem a cada um deles e a toda coletividade um lugar de inferioridade na ordem social. 
Mas essa linguagem os precedeu: Esse mundo já está dado e se apodera deles antes mesmo de eles se reconhecerem como tal.
Tudo isso quer dizer, em outras palavras, que existimos não porque somos reconhecidos mas porque somos reconhecíveis.
Cada sujeito homossexual tem uma história particular, mas ela não está desvinculada desse coletivo que é constituído pelos outros sujeitos que são assujeitados pelo mesmo processo de inferiorização.  
O homossexual nunca é um indivíduo isolado, até quando se acha sozinho no mundo ou quando, depois de entender que não está, busca separar-se dos outros para escapar, precisamente, à dificuldade de se assumir como pertencente a esse conjunto estigmatizado, embora só a consciência reflexiva e crítica desse pertencimento possa permitir que ele se libere tanto quanto for possível fazer.
O coletivo existe independentemente da consciência que dele podem ter os indivíduos e independentemente da vontade destes.
Assim que entra num bar, assim que paquera num parque ou num lugar de encontros, assim que frequenta os lugares da sociabilidade gay, assim que abre um livro e se reconhece (e por isso mesmo que escolhe ler tal ou tal livro: senão, como explicar que os homossexuais leiam Proust, ou Genet, até quando não leem nunca literatura?), um gay se liga a todos aqueles que cumprem esses mesmos gestos, no presente, mas tb a todos aqueles que, no passado, criaram esses lugares, todos aqueles que os frequentaram antes dele, às tenacidades individuais e coletivas que os impuseram e os mantiveram contra a repressão, aos esforços e às coragens que foi preciso empregar para que existissem numa literatura e uma reflexão homossexuais.
Seja consciente ou não, aceita ou não, a subjetividade de um gay é imposta por um mundo e um passado que ele talvez ignore, mas que funda um pertencimento coletivo que a visibilidade contemporânea só fez manifestar à luz do dia.
Já há linguagem quando chego ao mundo. Já há papeis sociais que são designados por palavras, e principalmente por injúrias.
No caso dos negros não é diferente. Quando se trata da cor da pele, designa um estigma visível. É possível alguém esconder que é homossexual, mas esconder a cor da sua pele...
É possível, entre 10 e 15 anos de idade, alguém não saber que é - ou que será - homossexual, mas aos 10 anos, quem é negro sabe disso e, desde a infância, experimenta todos os dias o que isso significa em sociedade ocidentais, raramente isentas de todo o racismo.
No entanto, essa diferença não é absoluta, porque um jovem negro pode ignorar que é negro antes de ser confrontado com a violência do preconceito racial (em casa por exemplo, longe de experimentar seu ser para o outro).
Um jovem negro, por exemplo, tem todas as chances de viver numa família negra e, portanto, ser apoiado, na medida em que é vítima do racismo, ao passo que um jovem gay tem pouquíssimas chances de viver numa família gay ou lésbica, e o estigma ou a injúria que lhes são enviadas pelo mundo exterior atravessam igualmente o meio no qual vive.
O que engendra nos jovens gays um silêncio, uma prática da dissimulação e talvez produza traços psicológicos muito particulares pelos quais os homossexuais puderam ser definidos na literatura e no cinema (sorrateiros, mentirosos, traidores), que remetem, é claro, à percepção homófoba da homossexualidade, mas tb a certas realidades produzidas pela homofobia e a dissimulação de si que ela implica, e que seria absurdo querer negar. Em todo caso, as infâncias gays e lésbicas são fundamentalmente cheias de segredos, e isso não pode deixar de ter efeitos profundos e duráveis na personalidade deles.

A partir do texto de Didier Eribon - Reflexões sobre a questão gay.

Solidão na velhice...

A solidão na velhice é uma experiência profundamente marcada pela complexidade da existência humana. Com o passar dos anos, os vínculos soci...