quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

A sua vontade não pode ir além disso. Isso não é normal!

Tenho ouvido ultimamente, com mais frequência, manifestações  em prol da "Família", da "família tradicional", da "família cristã", da "família normal" etc. E, é claro, que isso tem com muita frequência  também me irritado muito, me irritado demais, me irritado profundamente a ponto de eu ficar horas pensando a respeito dessas "manifestações". Elas, as manifestações, partem de muitos lugares, sobretudo de pessoas ligadas às religiões.
Isso mesmo, manifestações ligadas às pessoas que pregam o "amor ao próximo", um dos mais importantes princípios religiosos. Contraditório, né? Somos assim, contraditórios.
Essas manifestações não são na verdade em favor dessa ou daquela composição familiar, as citadas acima, mas, na verdade, contrárias as ditas "novas" formas de organização de famílias. Sobretudo, ou principalmente, às famílias organizadas a partir de duas pessoas do mesmo sexo: homem e homem ou mulher e mulher, ou seja, as famílias homoafetivas.
O que me deixa verdadeiramente irritado é o fato de que quem se manifesta contrariamente às "novas" formas de composição familiar não faz ideia (na verdade, finge não fazer) de que o que se adjetiva por "nova" não tem novidade alguma. A novidade está no fato de as pessoas, esses que compõem a "nova organização familiar", não mais se esconderem dentro de suas casas envergonhados de seus sentimentos.  E isso, pelo visto, é o que anda incomodando tantas pessoas, a possibilidade de se demonstrar que o amor não é, ou melhor, nunca foi restrito às pessoas heterossexuais. Amor não escolher orientação sexual, por falar nisso.
Sempre existiu homossexuais. Isso é fato, mas a novidade está justamente na insatisfação de ter que se comportar como se não fosse.  Isso incomoda mesmo muita gente, mas por quê?
Primeiro, por uma incapacidade de agir em outras frentes. Se se tivesse outras coisas para fazer e se preocupar, muito provavelmente, não haveria tempo para discutir o desejo do outro. Quem tem muito o que fazer, quem tem a sua vida para se preocupar não tem tempo para isso. Ou, quem se preocupa muito com a vida dos outros está, na verdade, deixando de olhar para a sua própria vida, talvez porque assim seja mais fácil viver.
Depois, se a preocupação fosse mesmo com o que se entende por "família normal", aquela composta por um casal heterossexual e seus filhos, deveria haver uma organização contrária à  tudo o que desestabilizasse essa organização. E esse movimento não existe.
E ainda, em "nome da família tradicional" soa mal pra cacete, primeiro porque se as famílias nunca foram compostas exclusivamente dessas maneira. Minha família, por exemplo, era formado por mim e minha mãe, apenas. Ficamos assim durante muito tempo. E olha que eu não era exceção, eu tinha muitos amigos que viviam da mesma forma. Além de outras formadas por um homem e seus filhos, por avós e netos, por irmãos apenas etc. etc. etc.
Sempre houve, como já estamos cansados de saber, pessoas do mesmo sexo vivendo como casais. Isso é histórico. Não há novidade alguma nisso. A novidade está, repito-me, no desejo de requerer esse direito do Estado, ou seja, não mais se acomodar fingindo que aquele com quem se divide a casa é um primo, sobrinha, amigo, colega de trabalho etc.
Fico sempre me perguntando se essas manifestações não estariam mesmo acontecendo justamente porque não há mais volta em relação a isso. Daqui para frente os ganhos, pelo menos, no Brasil, serão todos, mais cedo ou mais tarde, na direção do Estado reconhecer os direitos de todos os cidadãos, sem distinção.
Daqui para frente, e não adianta, achar que poderia ser diferente, não vai ser, não há mais tempo para isso, os homossexuais (incluo aqui todos da sigla LGBTT) vão exigir direitos e espaços nunca antes exigidos, porque eles, os espaços e direitos, são de todos.
Não adianta espernear, pedir a Deus (até porque Deus não vai entender seus argumentos "velhos" e "tradicionais), chorar, é um caminho sem volta: todos temos os mesmos direitos. E a sua vontade não pode ir além disso. Você não pode querer que todas as pessoas se comportem de uma mesma maneira. Isso não é normal!

domingo, 15 de dezembro de 2013

Nunca mais consigo ser a mesma pessoa

Hoje, me mandaram um vídeo de dois homens gays sendo espancados com pedaços de madeira até a morte. Esse horror aconteceu diante de alguns policiais e de muita gente. Foram as cenas mais violentas que consegui ver na minha vida. Fiquei, ainda estou, em choque com o que vi.
Sei de muita violência, sei de coisas terríveis que acontecem mundo afora. Sei do que o homem é capaz. Sei que se mata por qualquer coisa. Sei que as pessoas são tomadas por um ódio e em nome dele fazem coisas inacreditáveis, mas nunca tinha visto cenas tão chocantes.
É claro que não vi todo o vídeo, porque não tive estômago para tanto. Não gosto nem que me contem essas coisas, porque fico imaginando a situação. Sei, é claro, que não querer saber não muda absolutamente nada, mas eu sofro menos. E me projeto sim dessa violência sobre a qual eu nada posso fazer.
Depois que eu voltei para a minha casa (eu, depois de ver o vídeo, saí para dar uma volta para ver se conseguia tirá-lo da minha cabeça), procurei na internet informações sobre ele (Two gay men beaten to death with lumps of wood) porque não queria acreditar que aquilo era verdade, por isso descobri que aquelas cenas terríveis se passavam em Kiambu, que fica no Quênia, e que, infelizmente, o vídeo era verdadeiro.
Há controvérsias sobre o que motivou o espancamento dos homens,  em alguns comentários dizem que eles eram ladrões e noutros que morreram por ser homossexuais. Mas todos os que comentaram o vídeo mostravam-se horrorizados, assim como eu me senti. As postagens estavam em inglês e o meu inglês não me permite compreender tudo o que se escreve, mas consegui ler o suficiente para saber que aquilo também deixara outras pessoas, ao redor do mundo, tão chocadas quanto eu ("I dont need to see the visual of such gruesome violence or force it upon my friends. The story is awful enough. Questioning the need to view brutal killings doesn't make me any less comitted to equal rights.").
Acho que nunca mais consigo ser a mesma pessoas depois dessas cenas.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

"O que é que eu tenho com isso?"

Bem, tb quero entrar nessa discussão. Não dá mesmo para ficar indiferente quando o assunto é racismo. Ou melhor, ficar indiferente seria tão racista quanto o racista mais radical. Só que protegido por um silêncio aparente. Protegido pelo "vamos manter a calma nessa hora." Impossível!
Não sei se a atriz e apresentadora Fernanda Lima disse mesmo que ela "não tinha nada a ver com isso" referindo-se ao fato da FIFA -Federação Internacional de Futebol Associado - ter (des)escolhido a também atriz Camila Pitanga e o ator Lázaro Ramos, ambos negros, e colocado em seus lugares o ator Rodrigo Hilbert e a própria Fernanda Lima.
De qualquer forma, vamos fingir que ela não disse isso e que a declaração tenha sido uma invenção da jornalista Mônica Bérgamo.  Das duas uma: se alguém diz que eu disse alguma coisa, tem que provar. Caso contrário corre um grande risco de ser processado por calúnia e difamação, né verdade? E ainda, eu jamais ficaria indiferente a uma declaração de que eu tive uma atitude equivocada, principalmente, o silêncio, porque, como diz o ditado, quem cala diz duas vezes.
Todos nós temos muito a ver com isso, e todos nós devíamos nos manifestar diante desse episódio para fazer com que a FIFA tenha que se explicar sobre isso. Não se pode simplesmente usar o nome de alguém e de uma instituição dessa forma sem que ambas se expliquem. Sem que ambas deixem claríssimo que houve algum mal entendido, algum erro, ou algum tropeço que tenha que ser reparado.
No entanto, penso eu, o simples fato de não fazer nada em relação a isso já nos diz que "ela tem sim tudo a ver com isso". Nos diz que "ela" não vê qualquer problema no fato de atores negros serem substituídos por atores brancos porque isso faz parte da normalidade. Sempre foi assim. Por que agora seria diferente, sobretudo quando eu fui a escolhida para substituir? Isso é apenas um trabalho. E a FIFA tem o direito de escolher e desescolher quando quiser e quem quiser.
Só que não deveria ser bem assim. A atriz Fernanda Lima tinha a obrigação de não aceitar esse convite feito a seis meses ou a seis horas diante do ocorrido. Ou, depois de refletir melhor sobre o acontecido, declinar do convite mesmo que nunca mais fosse escolhida pela FIFA para qualquer coisa. Não é só uma questão de trabalho, não é só um direito de convidar e depois desconvidar, é uma questão muito mais séria, é uma questão de caráter, de posicionamento diante de uma possível manifestação racista.
Não fazer nada ou achar que "não tem nada com isso" é sim compactuar, é sim perpetuar uma posição de privilégio, é sim contribuir com os sentidos já cristalizados sobre ser negro no Brasil. Sobre o lugar do negro no Brasil. Sobre o que pode o negro no Brasil e, principalmente, sobre o que não pode.
Não conheço a atriz e apresentadora Fernanda Lima, mas gosto muito da abordagem do seu programa Amor e sexo porque lá se tenta desmistificar o sexo como tabu, porque lá tenta se tratar da sexualidade de forma natural e não-sexista, porque lá a questão da homossexualidade é tratada de forma tão natural quanto à heterossexualidade o é, portanto, acho que a apresentadora devia sim não deixar que o seu nome e a sua "boa" reputação fossem manchados por disse me disse. A gente tem sim que se importar com aquilo que dizem que nós fizemos, falamos, achamos, sobretudo quando somos públicos e quando o nosso exemplo pode influenciar outros comportamentos.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Completei dois aniversários numa fila em Lisboa

Diz a lenda que o baiano é lento. Que o atendimento na Bahia tem a velocidade de uma lesma grávida atravessando uma floresta, provavelmente a amazônica. Que o único baiano nervoso e estressado demorou 7 meses tendo um ataque do coração. Que se vc gritar no ouvido de um baiano "fogo", ele em cinco minutos está fora da cadeira. Que ele dá ao filho o nome de "Oi" para cumprimentar e chamar ao mesmo tempo e não ter, naturalmente, dois trabalhos. E por aí vai. Essa velocidade, apelidada de Dorival Caymmi (o baiano mais tranquilo da Bahia), desliza para tantos outros sentidos possíveis em relação ao estilo de vida na Bahia.
No entanto, nada se compara ao atendimento aqui em Portugal. Na-da. Refiro-me ao atendimento ao público em lojas, especificamente, porque, por exemplo, em um restaurante, somos sempre bem atendidos. O serviço é rápido e bem feito, além, é claro, da comida deliciosa, mas vamos ao que me interessa. Fico abrindo e fechando muitos parênteses antes de dizer o que realmente importa.
Bem, por aqui, os atendimentos se dão da seguinte maneira: para tudo tem uma senha. Seja farmácia, padaria, banco, correio, caixa de loja etc. E até vc ser chamado é sempre uma novela, dessas da Gloria Peres, chatas e sem fim.
Entre quem está sendo atendido e vc, tem, pelo menos, um hiato de umas 50 senhas sem um dono, porque as pessoas desistem no meio do caminho. O que, de certa forma, é bom porque agiliza o atendimento em umas 3 horas.
O lisboeta ao ser chamado não tem pressa. Ele conversa com o atendente, que lhe dá toda a atenção do mundo. Aquele pergunta o que quer, quantas vezes for necessário, por um tempo sem fim. E vc alí esperando como se nada tivesse acontecendo, pra vc, naturalmente.
Aí, quando vc pensa que o atendimento acabou, vem o gerente para tentar resolver alguma pendência, alguma questão que ficou sem resposta. Ele conversa mais um pouco, explica mais alguma coisa, repete alguma informação e vc alí, achando que, finalmente, o próximo será chamado. Mas não é assim que acontece. A primeira atendente continua a saga. E vc alí sem um livro, sem um telefone, sem alguém para conversar, esperando, já que vc é estrangeiro, que algum nativo reclame. Nada nesse sentido acontece. Nada acontece. Tudo na maior normalidade de sempre.
E se vão horas, se vão dias nesse atendimento sem fim. Vc fica se perguntando o que tanto o cliente quer saber e que tanto só o atendente sabe, ou não sabe, para responder.
Finalmente esse atendimento termina. Vc acha que o atendente chama logo a outra senha? Não chama, é claro. Ele entra para não se sabe onde e demora alguns minutos para, continuar um trabalho que vc não compreende o porquê. Naquele momento, principalmente.
Depois de algum tempo, ele, finalmente, chama a próxima senha, mas é claro que ainda não é a sua vez e vc continua ali aguardando. Fiz dois aniversários numa fila em Lisboa. Fiquei careca. Me casei. Tive dois filhos. Escrevi uma tese e corrigi 10000 redações do ENEM e ainda fiquei 15 minutos aguardando a minha vez.
Bem, se baiano é lento, digamos que o lisboeta morreu e não foi enterrado.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Museu Arqueológico do Carmo: som e silêncio, Luz e escuridão.

Ando um pouco desanimado, nesta semana. Acho que tudo isso tem a ver com o clima. Odeio frio, pouca claridade, dias curtos, quarto congelado etc. Bem, tudo isso anda acontecendo por aqui faz alguns dias. O dia fica claro por volta das 8h da manhã e bem antes das 18h já está escuro. Tudo o que eu não estaria passando se não estivesse em Portugal.
Pelo jeito, não tenho muitas alternativas senão me conformar com a situação e tentar tirar proveito disso, se é que há o que fazer. Hoje postei no Facebook uma notícia que saiu no O Globo sobre o Papa Francisco estar sofrendo com o frio europeu e propus a seguinte legenda: "Se está difícil para o Papa, imaginem para mim!", aí um amigo sugeriu que assim como o Papa posso fazer uso do vinho para esquentar. Tenho feito isso, com certa frequência. Talvez seja essa uma solução possível para os dias de frio.
Hoje, não fui à Biblioteca Nacional, como de costume, fazer o levantamento do material jornalístico, a partir do qual vou produzir alguns artigos sobre o Brasil em Portugal. Aproveitei o desânimo do meio da semana  para conhecer um lugar que eu ainda não tinha ido: o Museu Arqueológico do Carmo. E não me arrependi. O lugar é lindo demais: luz e sombra e um silêncio impressionante.
Fiquei boquiaberto com tanta beleza e paralisado ao me deparar com as ruínas da Igreja do Carmo. Acho que, depois da Praça do Comércio, é o meu lugar favorito em Lisboa, por enquanto.
Vou postar algumas fotos aqui para que seja possível dividir um pouca do que eu vi. Espero que gostem.






























































































Solidão na velhice...

A solidão na velhice é uma experiência profundamente marcada pela complexidade da existência humana. Com o passar dos anos, os vínculos soci...