O tempo passa rápido mesmo. Estamos no século XXI, eu já estou com 50 anos, cabelos (?) brancos, barba branca, estou a caminho da velhice. "Os tempos são outros" era uma oração frequente na boca da minha bisavó. E dependendo do que estamos falando, é mesmo outro tempo. Eles mudaram!
Mas, nem sempre essa mudança é pra frente. Às vezes damos muitos passos para trás.
Bem, ontem li no G1 que 20 reclamações chegaram ao CONAR em relação à propaganda do dia dos namorados do Boticário. O Conar é uma agência reguladora de propagandas (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária). Uma das suas atribuições é fiscalizar se há algum excesso nos anúncios (TV, rádio, outdoor etc.), ou seja, se produzem preconceitos, se expõem crianças, se reforçam estereótipos, se são discriminatórias etc.
A propaganda do Boticário do dia dos namorados apresenta três casais de namorados. Não ha beijo. Não há sexo. Não há nada além de trazer esses três casais formados por um homem e uma mulher, dois homens e duas mulheres comprando, no Boticário, o presente para o seu parceiro/parceira.
Foi o bastante para que provocasse Em nome da sociedade e da família um alvoroço daqueles. Quer dizer, nem sei se é daqueles porque foram apenas 20 reclamações registradas no CONAR e algumas postagens defendendo o Boticário nas redes sociais. Por isso, penso que algum burburinho causou.
O argumento usado numa das reclamações, título desse post, me chamou a atenção: "Em nome da sociedade e da família". Isso é recorrente quando o assunto é a homossexualidade. Já me fiz essas perguntas e vou fazê-las outra vez pra ver se consigo, nessa insistência, compreender o que se trata:
1. Qual é a sociedade que tanto é evocada quando se fala do mal causado pelo homossexual/homossexualidade?
2. Quem é que fala em nome dessa sociedade?
3. Por que o homossexual é e ao mesmo tempo não é parte da sociedade?
4. Quem o exclui? E por que o faz?
5. Por que ao se falar sobre a homossexualidade, ainda hoje, não se podem incluir palavras tais como "amor", "moral e bons costumes", "família"?
Essa sociedade, quando surge, me parece que é uma entidade que paira acima de todos os interesses. Como um deus. Ela não é a sociedade heterossexual, porque ninguém pode, em sã consciência, falar em nome de todos os heterossexuais. É um "nós" estranho de entender.
É um "nós" que se coloca em um outro lugar. Um lugar que o homossexual não pode/deve ocupar porque ele e seus costumes devem ser banidos, exterminados. A homossexualidade não tem/não pode ter espaço nessa sociedade.
Mas essa sociedade é abstrata porque tanto o gay, a lésbica, a/o travesti, o/a bissexual, o transgênero quanto o não-gay fazem parte dela. Inclusive ela é o que é porque é composta da forma como é composta. Parece óbvio demais pra ser escrito aqui. E é mesmo.
Tb não é um "nós" evangélico, como gostariam uns de acreditar, porque li manifestações muito maduras de internautas que se dizem cristãos e evangélicos e que se colocaram num outro lugar em relação à propaganda.
Me parece que há uma falta com o que se preocupar porque o homossexual/homossexualidade passou a ser o que move a vida de algumas entidades religiosas.
Alguns religiosos midiáticos fizeram desse assunto a sua bandeira: uma panfletagem política.
Além disso, o Boticário é uma empresa que quer vender. Ela não está preocupa se vende pra gays ou héteros, brancos ou negros, altos ou baixos. A sua preocupação é com o lucro e ela, assim como o sistema econômico, que incluir o máximo possível de compradores. Não por um acaso, os seus publicitários pensaram nessa forma de anunciar a marca: ela coloca a empresa em evidência porque produz um "escândalo".
E, seria trágico se não fosse estratégico, o anúncio tem prazo de validade: dia 12 de junho é o dia dos namorados e muito provavelmente a peça sai do ar.
O CONAR nos avisou que tem prazo até julho pra avaliar essas reclamações. Ou seja, em julho, nada mais será importante.
A minha impressão é a de que vamos nos (esse "nos" é inclusivo porque vai dizer respeito a todos nós, sem exceção) envergonhar muito quando, futuramente, alguém pesquisar a sociedade brasileira do século XXI e os seus discursos sobre a sexualidade. Andamos um pouco pra frente, é verdade, mas continuamos reproduzindo sentidos tão caducos em relação à vida sexual dos outros! Que pena!