sábado, 19 de outubro de 2013

Tudo certo como dois e dois são cinco

Tenho muito dificuldade de lidar com uma manifestação de preconceito. Principalmente se tenho em relação ao preconceituoso um respeito pelo que ele é ou faz. 
O respeito, ao qual me refiro, não tem qualquer relação com formação intelectual ou com algum prestígio social, mas com admiração e/ou carinho. Fico sem saber o que fazer, de verdade, quando me vejo diante de uma situação deliberadamente preconceituosa.
Sei que o preconceito é aprendido, sei também que em qualquer manifestação preconceituosa existe ali alguma dificuldade própria de lidar com algo que nos atinge de algum modo, quero dizer, o nosso preconceito, de algum jeito, manifesta algo que está diretamente ligado com o nosso interior, mas que a gente não "vê" e não "ouve".
O preconceito nos reflete. Como diz uma grande pensadora: ao dizer o sujeito se diz, ao significa ele também se significa.
Percebam que q
uando alguém começa a falar e usa a construção "Não sou preconceituoso..." ou "Não tenho nada contra..." ou algo do gênero é certo que tem uma posição preconceituosa. Essa construção, em geral, é acompanhada de um MAS. E pronto, lá se vai algum comentário desnecessário.
O que o preconceituoso não se dá conta (e foi exatamente isso que me tocou, é que, como não se pode generalizar, ou seja, nem tudo é da forma como a gente imagina que seja) e nem percebe é que o preconceito com o "terceiro" pode atingir o interlocutor.  
O que deveria ser dirigido a um outro (desconhecido ou que nem saberia da tal manifestação) é dito para quem sequer imaginamos estar atingindo. Ou, sabe-se lá o que mais estaria em jogo.
Tenho um amigo que diz sempre que somos mesmos incoerentes, inconsequentes e cheios de contradições e que isso acontece porque somos humanos. O preconceito não está fora da gente ou apenas no outro, mas se manifesta mesmo quando pensamos estar apenas descortinando o que só poderia ser daquele jeito.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

O grau da (des)visão

Meus óculos, finalmente, chegaram e eu não fazia ideia de que não estava enxergando bem. Bem, bem, na verdade, eu nunca enxerguei, mas bem significa enxergar razoavelmente, pelo menos com a ajuda de lentes.
O português me ligou ontem, mas em virtude da hora, avançada, em que saí da biblioteca, não pude ter o prazer de descobrir as cores de Lisboa. Hoje, no entanto, fui surpreendido pelas cores ainda não vistas.
Segunda vez que isso me acontece, na vida. A primeira, e não podia ser diferente (acho até que já escrevi sobre isso aqui no Do Avesso) foi aos 15 anos quando descobri que o mundo não era nublado como eu julguei que ele fosse. Natural que eu achasse que o que eu via era o mundo que eu deveria ver. Eu, até esta idade, não sabia que enxergava mal. Aí, no caminho da escola, eu comecei a descobrir um mundo nunca antes visto: as cores da cidade, as cores das árvores etc. Só sabe disse quem já foi míope e não sabia que era.
Claro que dessa vez a história é outra. Eu já sabia que não enxergava bem, mas o que eu não sabia era que o grau de (des)visão havia aumentado tanto. Tanto que eu não enxergava que eu não enxergava. Entendeu ou preciso mostrar?
Bem, hoje, as placas e os rostos ficaram mais nítidos. E isso é um bom sinal.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Por ser, mesmo quando não era, minha professora, ainda que fosse todos os dias, sem exceção.

No próximo dia 19 faz 4 anos que a minha mãe morreu. Pra mim, verdadeiramente, essa data não faz nenhum sentido, porque a mim me parece que ela morre todos os dias. Todos os dias, sem exceção eu tenho vontade de falar com ela para contar como estão todas as coisas por aqui. Mas não é sobre a chegada da data de sua morte que vou escrever.
Minha mãe, assim como eu, era professora. E era uma professora muito dedicada. Gostava muito do que fazia. Me lembro de muitas situações nas quais ela pensava primeiro na escola e nos alunos.
Tenho certeza de que ser professor tem muito a ver com o fato de ser seu filho. Em casa, eu brincava de corrigir provas, brincava com o mimeógrafo, brincava com o quadro negro e o giz. Diário de classe era, então, um sonho, mas com eles eu não podia brincar, naturalmente.
Todos os dias da sua vida, mesmo às vésperas da sua morte, ela me ligou para me desejar um feliz dias dos professores. No último ano de sua vida, na verdade, quem ligou foi a cuidadora. Ela já não estava conseguindo falar bem ao telefone. Mas deu todas as dicas. Eu fiquei do outro lado ouvindo ela falar baixinho, quase um silêncio.
Se ele estivesse viva, certamente, teria me ligado e seria, eu acho, a felicitação mais verdadeira em relação ao dia da nossa profissão. Diria, com certeza, "Liguei, meu filho, para te dar os parabéns pelo seu dia!!!" Isso faz uma falta tremenda. Isso faz muita falta.
Não vou ficar triste por isso. A vida é desse jeito. Primeiro os pais e depois os filhos.
Valeu, D. Heloísa, por ter me ensinado tanta coisa, por ser, mesmo quando não era, minha professora, ainda que fosse todos os dias, sem exceção.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

É só olhar a bússola...

Faz um mês que desembarquei aqui em Lisboa. Uma coisa era vir a trabalho, ficar uns dias e voltar, logo, para o Brasil. Outra coisa é chegar com uma data apenas definida. Ainda que seja por um ano, pouco tempo, a sensação não é/pode ser a mesma.
Aos poucos começo a ter uma rotina, aos poucos mesmo. As primeiras semanas foram para resolver questões mais práticas: onde morar, número de identificação fiscal (o nosso CPF), cartão para os transportes, conta no banco.
Em seguida, conhecer pessoalmente a supervisora portuguesa na Univ. de Coimbra. Depois dessas etapas superadas, enfim descobrir a outra Lisboa, ou seja, a cidade do dia a dia. Naturalmente, que elas não são as mesmas, ainda que se esbarrem, que se encontrem em alguns momentos e lugares.
E, finalmente, o trabalho para aí sim ter o que se chama "rotina eficiente".
(Vou abrir um pequeno parêntese: Sinto muita falta da minha casa em Cascavel. Muita mesmo. Meus livros, discos e tudo do que preciso à mão e (des)organizado a minha maneira. Aqui, tudo meio provisório, mesmo que não seja essa a proposta, mas, tem data de validade. É um ano e só. Fechando parêntese.)
Estar numa capital tem lá seus encantos. Muitas alternativas para tudo, mas é preciso, primeiro, descobrir aonde tudo está. Além disso, ainda que se fale a mesma língua, o português é outro, os nomes nem sempre batem, os sons nem sempre familiares, e o ritmo do idioma local não ajuda muito. Fiquei/fico algumas vezes sem entender *alguma coisa.
Quando é importante, me desculpo e peço para repetir. Se não for, balanço a cabeça, dou um sorriso e fica por isso.
Descobrir aonde tudo está tem um capítulo maior: nem sempre a direção que eu tomo é a que eu deveria estar. Mas como eu mesmo faço a minha hora, chegar um pouco depois do previsto não é, definitivamente, um grande problema.
Quando me perco, aí o google maps dá uma força. Na verdade, ele dá mais do que uma força, ele me salva mesmo. Difícil é saber, para quem não tem muita direção, aonde fica o sul, o norte, ou pior, o sudeste. Aí acho que é deboche. (Fico sempre pensando no Edézio aqui. Para quem não o conhece, é um grande amigo geógrafo que não sabe chegar sozinho no mesmo lugar. Outro parêntese: um dia desses ele estava indo para Maringá e parou para tomar um café, se confundiu com a direção e estava voltando para Rondon. Isso para vocês terem uma ideia de quão perdido é o sujeito.)
Dizem que é só olhar a bússola porque ela aponta para, para onde mesmo? Vou me perdendo e me encontrando, aos poucos vou descobrindo que aquele lugar não é tão longe daquele outro que é continuação desse e assim vou inscrevendo a cidade na palma da minha mão.
Bem, é isso. Tô feliz por estar aqui. E se fosse só isso, já seria bom demais!

terça-feira, 8 de outubro de 2013

_Está tudo muito mal

Hoje, enquanto o meu almoço não vinha eu prestava atenção a uma senhora que estava a minha frente: sozinha em uma mesa, mas acompanhada de um cafezinho e um copo de água. Companhias frequentes dos portugueses de todas as idades, além, é claro, do cigarro.
O dono da tasca lhe perguntou como ela estava. Ela sequer respondeu. O garçom,  um pouco mais adiante, refez a pergunta. E ela, curta e grossa para os padrões brasileiros, respondeu: _"Está tudo muito mal, por quê?" (com uma cara de poucos amigos) Ele nada lhe disse. Ela não tocou no café e muito menos no copo de água enquanto eu me encontrei por ali.
O dono da taberna insistiu: _"D. Maria do Céu, a senhora está bem? Não vieste ontem!" Ela apenas balançou a cabeça em negativa (a cara, mantinha-a intacta). Ele continuou: _"Fulana de tal (não me recordo o nome da outra senhora a quem ele se referia) esteve aqui ontem a sua procura. Acho que queria ter contigo".
D. Maria do Céu não estava nos seus melhores dias. Resmungou, e entre os dentes nos disse: _"Não veio a minha procura, deve ter vindo por causa da outra senhora". Silêncio.
Eu já estava comendo. Não olhava para um ou para outro, apenas comia. 
Eis que entra uma outra senhora, tão idosa quanto D. Maria do Céu,  e se dirige a esta, se sentando à mesa. _"Estás bem?". Ela nada responde. A segunda senhora pergunta: _"Posso me sentar?" já se sentando. D. Maria, secamente, para não perder o hábito lhe diz: _"Se quiser..."
A segunda senhora insiste: __"Não esteve aqui ontem." D. Maria: _"Eu venho se me apetecer." Silêncio. A segunda senhora: _"Mas vinhas todos os dias." D. Maria do Céu nada lhe responde.
A segunda senhora tentou uma conversa falando do tempo. Perguntou sobre alguém, mas D. Maria do Céu, definitivamente, não estava para conversa.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Sabe-lá o que vê, sabe-se lá para onde olha...

Da janela do meu quarto eu vejo outros prédios. Hoje e nos últimos 5 dias, pouco abri as janelas porque chovia/chove. 
Quase não vejo movimento nesses prédios vizinhos. Sei que existem moradores porque de vez em quando avisto um ou outro estendendo roupas, batendo o tapete, fazendo algum trabalho. 
Ontem avistei uma senhora passando roupas. Mas isto é raro. Acho que por ali poucos frequentam as janelas ou estão dispostos a permanecer por muito tempo diante de outros ... prédios.
Vejo quase tsempre, em alguma hora do dia, uma senhorinha bem idosa, que parece estar sozinha, o tempo todo. Ela estende roupas, bate o tapete e abre e fecha as persianas. 
Mesmo chovendo ela aparece à janela para repetir esse ritual... não se preocupa com o tempo que faz lá fora, se chove ou se faz sol há muitas roupas para serem estendida.
Ah, vezinquando tb ela fica a espiar... sabe-lá o que vê, sabe-se lá para onde olha.
A sua janela, no momento dessa foto, estava aberta, mas ela não se encontra por ali. Talvez estivesse envolvida com outros afazeres ou, quem sabe, preparando as roupas para serem estendidas amanhã.

Solidão na velhice...

A solidão na velhice é uma experiência profundamente marcada pela complexidade da existência humana. Com o passar dos anos, os vínculos soci...