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É UM ESPAÇO PARA EU ESCREVER SOBRE O QUE GOSTO E NÃO-GOSTO: FILMES, DISCOS, LIVROS, FOTOGRAFIAS, TV, OUTROS BLOGUES, PESSOAS, ASSUNTOS VARIADOS. NENHUM COMPROMISSO QUE NÃO SEJA O PRAZER.
FIQUEM À VONTADE PARA CONCORDAR OU DISCORDAR (SEMPRE COM RESPEITO E COM ASSINATURA), SUGERIR OU OPINAR. A CASA É MINHA, MAS O ESPAÇO É PARA TODOS.
No mundo acadêmico (mas não apenas nele), há uma habilidade que alguns dominam com maestria: a arte de se apropriar do que não lhes pertence. É uma dança silenciosa — começa com elogios discretos, segue com sugestões "aprimoradas" e, num piscar de olhos, o projeto idealizado por um colega já circula com outra assinatura, como se tivesse brotado espontaneamente no solo fértil do "trabalho em equipe". A autoria, esse detalhe inconveniente, é varrida para debaixo do tapete com a naturalidade de quem não enxerga problema em plantar bandeira no terreno que não cultivou.
O mais curioso é como tudo se organiza em torno de uma certa lógica (ou uma lógica cínica): o projeto, dizem, "é de todos", "é da instituição", "é do espírito coletivo". E assim, sob a bandeira da coletividade forçada, se disfarça a violência simbólica de apagar o outro. O sujeito que idealizou, que pensou, que primeiro desenhou os contornos daquilo, vai sendo deslocado para as margens, como um assistente da própria criação. No palco, quem usurpou sorri e recebe aplausos, encenando a modéstia dos vencedores que, no fundo, sabem exatamente de onde tiraram seu brilho.
Mas há algo que nem sempre se percebe à primeira vista: o rastro de ressentimento que esse tipo de gesto deixa. Não é apenas a apropriação de uma ideia; é a violação da história que alguém tentou escrever com esforço e compromisso. O oportunismo travestido de competência gera feridas difíceis de cicatrizar, envenena a confiança e, mais cedo ou mais tarde, revela a falência ética daqueles que confundem inteligência com astúcia. Porque, no final, a verdadeira autoria carrega consigo uma marca que não pode ser totalmente apagada: a marca de quem ousou criar.
A música Sanar, de Jorge Drexler, é um delicado exercício de poesia sonora que atravessa afetos com rara sensibilidade. A melodia suave e a interpretação contida realçam a profundidade que fala das dores do amor, da perda e da necessidade de cura. A beleza da canção reside justamente na capacidade de dizer o indizível — aquilo que escapa à razão, mas que atravessa a existência: o nascer e o morrer dos sentimentos, a finitude que nos constitui. Drexler escolhe as palavras com precisão quase cirúrgica, como quem tateia com cuidado uma ferida aberta, sem jamais perder a ternura. Sanar não promete salvação, mas propõe acolhimento; não esconde a dor, mas a humaniza.
Os versos “Y nadie sabe por qué un día el amor nace / Ni sabe nadie por qué muere el amor un día” são um mergulho no mistério do amor como acontecimento — ele irrompe sem aviso e desaparece sem explicação, como força que escapa ao domínio da vontade. E quando Drexler completa com “Y nadie nace sabiendo, nace sabiendo / Que morir también es ley de vida”, ele nos convida a reconhecer que a morte — seja ela simbólica, afetiva ou literal — está inscrita na própria condição de viver. Há aí uma sabedoria melancólica que reconhece o limite do saber e da linguagem, mas que, paradoxalmente, nos aproxima ainda mais da experiência compartilhada de sermos humanos. O que está em cena é a beleza da fragilidade e da incerteza, que só um artista como Drexler é capaz de transformar em canto.
Sanar (Jorge Drexler)
Las lágrimas van al cielo y vuelven a tus ojos desde el mar El tiempo se va, se va y no vuelve Tu corazón va a sanar Va a sanar, va a sanar
La tierra parece estar quieta y el sol parece girar Y aunque parezca mentira Tu corazón va a sanar Va a sanar, va a sanar Y va a volver a quebrarse Mientras le toque pulsar
Y nadie sabe por qué un día el amor nace Ni sabe nadie por qué muere el amor un día Y nadie nace sabiendo, nace sabiendo Que morir también es ley de vida
Así como cuando enfríe van a volver a pasar Los pájaros en bandadas Tu corazón va a sanar Va a sanar, va a sanar
Volverás a esperanzarte y luego a desesperar Y cuando menos lo esperes Tu corazón va a sanar Va a sanar, va a sanar Y va a volver a quebrarse Mientras le toque pulsar
Y nadie sabe por qué un día el amor nace Ni sabe nadie por qué muere el amor un día Nadie nace sabiendo, nace sabiendo Que morir también es ley de vida
Uma data para lembrar, resistir e denunciar o descaso histórico com os primeiros habitantes do Brasil
O Dia dos Povos Indígenas, celebrado em 19 de abril, não é apenas um marco no calendário. É um grito de resistência diante de séculos de apagamento, violência e invasão. Os povos originários deste território não são passado, tampouco estereótipos presos ao folclore. São presença viva, que resiste com força e dignidade, mesmo quando o Estado, as leis e parte da sociedade viram o rosto para suas lutas e existências.
Em todo o país, comunidades indígenas enfrentam a ocupação ilegal de seus territórios, o avanço do garimpo, os conflitos com fazendeiros e grileiros — muitas vezes armados e protegidos por estruturas de poder. A demarcação de terras caminha a passos lentos ou retrocede. O racismo estrutural os afasta do acesso digno à saúde, educação e cidadania. São corpos e saberes que seguem sendo tratados como obstáculos ao progresso, quando na verdade são guardiões de um modo de vida que respeita a terra, a coletividade e a memória.
Celebrar esta data é, antes de tudo, um ato de escuta e solidariedade. É reconhecer que não há justiça social possível sem os povos indígenas, sem o direito à terra, à cultura, à existência. O 19 de abril não deve ser reduzido a homenagens formais: é preciso dar visibilidade às denúncias, fortalecer as vozes indígenas e repensar, profundamente, a maneira como seguimos ocupando um território que não nos pertence por origem. Que essa data nos convoque ao compromisso político com a vida indígena — em sua diversidade, em sua sabedoria e em sua urgência.
Ela seguia o trilho do açúcar como sempre, mas naquele dia, parou. O farelo doce estava ali, intacto, à disposição — e, no entanto, faltava alguma coisa, o seu companheiro que sumira na última tempestade. Voltou sozinha para o formigueiro, arrastando não o grão, mas uma saudade miúda que cem patas não conseguiam carregar.
Tenho morrido um pouco nesses dias. É uma morte discreta. Feita de silêncios, promessas quebradas, olhares desviados e muito desânimo. Num dia me ausento de mim, no outro me escapo e na sequência desapareço. Certo de que sou despercebido.
Escrever, para mim, é uma forma de escuta. Não apenas uma escuta do mundo, mas sobretudo uma escuta de mim mesmo. Quando escrevo, as palavras que surgem na tela muitas vezes me surpreendem, como se viessem de um lugar que eu não alcançaria apenas pensando em silêncio. É como se ao escrever eu me colocasse frente a frente comigo — com minhas hesitações, meus desejos, minhas contradições. O ato de escrever se torna, assim, uma espécie de espelho que não reflete o que já sei, mas o que preciso descobrir.
Essa escrita que me escuta é também uma forma de me pensar mais. Não se trata de organizar ideias de modo linear ou concluir algo definitivo, mas de ir tateando sentidos, desmontando certezas, redesenhando percepções. O movimento das palavras na tela do computador acompanha o movimento do meu pensamento, que muitas vezes só se deixa ver por meio da linguagem. Escrever me obriga a pausar, a olhar com mais cuidado para o que passa dentro de mim — como se a língua me exigisse um mergulho mais lento, mais atento, mais comprometido com o que pulsa.
Além disso, escrever é o modo mais potente que conheço de me conectar com o que sinto e penso. Há sentimentos que só consigo nomear depois que escrevo sobre eles. Há pensamentos que só se tornam claros quando ganham forma escrita. A escrita me dá essa possibilidade de atravessar o emaranhado da vida interna e torná-lo, ao menos por instantes, visível. Ela me ajuda a perceber os deslocamentos, as insistências, os silêncios que também falam — e que dizem tanto sobre mim quanto as palavras que consigo enunciar.
Escrever, por fim, é uma maneira de refletir sobre quem sou e sobre o lugar que ocupo no mundo. É um exercício de subjetivação, de posicionamento, de escavação do próprio dizer. Quando escrevo, me coloco como sujeito atravessado pela história, pela ideologia, pelas experiências que me constituem. O que escrevo não é neutro, nem transparente — carrega marcas, filiações, afetações. E é nesse processo que, ao mesmo tempo em que escrevo, também sou escrito: pela língua, pelo tempo, pelos sentidos que me atravessam.
O tempo tinha feito seu trabalho: os gestos não se encaixavam mais, as palavras vinham pesadas e o espaço já não era feito de espera, mas de distância, tecida por dores e cansaço de tudo que não dissemos. Sentamos como dois estranhos tentando resgatar algo que o tempo dissolveu sem pena. Entendi enfim que retornos só existem na memória — e mesmo lá, perdem o brilho.