sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Uma multidão



Tem dias em que a mesa parece cheia mesmo quando só há um prato. O silêncio tem gosto de risada antiga, e a cadeira vazia guarda histórias que ninguém contou naquele dia, mas que todos já ouviram. Não há ninguém sentado ali — e, mesmo assim, estão todos. A ausência dos que se foram ou dos que estão distantes não desaparece: ela se acomoda, elegante, como quem sabe que deixou marcas demais para ser esquecida. O lugar vazio, longe de ser vazio, carrega uma multidão.

Porque há amigos que a vida não conseguiu afastar, mesmo que estejam em outros estados, países, tempos. Eles moram naquela receita que a gente aprendeu junto, na lembrança de um bordão repetido mil vezes, no copo que ninguém ousa tirar do armário porque era sempre o deles. Há também os que se despediram para sempre — mas continuam voltando, sem pedir licença, como uma memória teimosa que sabe exatamente onde sentar. O tempo, esse senhor exigente, não dá conta de apagar o afeto.

Às vezes, sem perceber, a gente põe mais um talher. Serve um pouco a mais. Fala no plural. E quando dá por si, está sorrindo para alguém que não está ali — mas que sempre estará. É que a presença, quando é forte, se sustenta mesmo sem corpo, sem toque, sem som. Ela se escreve no ar, no espaço, no cuidado de manter aquele lugar intacto, como se dissesse: Você faz falta, mas ainda é parte.

A cadeira vazia não é ausência. É marca. É rastro de afeto que o tempo não levou. É sinal de que aquele amigo, aquele amor, aquele alguém que foi ou está longe, ainda senta com a gente — mesmo quando não chega.

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