Há um vão que nenhuma conquista preenche, nenhuma companhia dissolve, nenhuma viagem substitui. Nem que eu bebesse o mar encheria o que eu tenho de fundo (versos cantados por Djavan em Seduzir) — porque esse fundo não é feito de ausência concreta, mas de uma falta constitutiva, aquela que nos funda como sujeitos desejantes. É da ordem do impossível preenchimento. E quanto mais bebemos do mundo tentando calar esse vazio, mais ele nos lembra que não se trata de sede, mas de estrutura.
A psicanálise já nos sussurra isso desde Freud: somos constituídos por uma perda inaugural, algo que não tivemos e que, paradoxalmente, nos move. Lacan nomeou isso com precisão: o sujeito é efeito da linguagem e nasce pela entrada no simbólico, isto é, pela castração simbólica, pela perda, pela renúncia ao gozo pleno. O que nos falta não é o mar — é a coisa que nunca tivemos, mas que seguimos rodeando com palavras, com gestos, com amores. É o desejo que brota justamente porque nunca será saciado.
Aceitar essa incompletude, no entanto, não é se entregar à melancolia. É, talvez, o início da liberdade. Porque quando deixamos de procurar o que nos completaria, abrimos espaço para criar com o que temos: restos, traços, equívocos e repetições. O fundo que carregamos não precisa ser preenchido — ele pode ser habitado. E nesse habitar, podemos escutar o que nos falta não como tragédia, mas como ritmo. Um ritmo que nos lembra, a cada onda que passa, que somos feitos de falta, sim — mas também de linguagem, de gesto e de invenção.
Nenhum comentário:
Postar um comentário