Lacan imaginou o cartel como uma maneira diferente de estudar e pensar junto. Nada de salas cheias, palestras longas ou hierarquias entre quem sabe e quem aprende. No lugar disso, pequenos grupos — quatro ou cinco pessoas — que se reúnem em torno de um tema comum, algo que as instiga. Cada participante escolhe o que quer investigar dentro desse tema e o faz a partir da própria experiência, das suas leituras, das suas perguntas. O cartel nasce dessa aposta: que o saber não vem de cima, mas do trabalho compartilhado entre sujeitos que pensam.
O curioso é que, embora o cartel tenha essa aparência simples, ele carrega um gesto profundamente ético. Lacan propõe o cartel como um antídoto contra o mestre que sabe tudo. Ninguém ocupa o lugar de quem detém a verdade. Há apenas um coordenador — chamado de mais-um — cuja função não é ensinar, mas manter o desejo de trabalho em movimento. É ele quem ajuda o grupo a não se perder, a não se acomodar, a sustentar o pensamento quando o entusiasmo diminui ou quando o silêncio pesa demais.
Nesse sentido, o cartel é uma experiência de deslocamento. Cada um trabalha a partir do que não sabe, do ponto que o inquieta. Não se trata de chegar a uma conclusão definitiva, mas de produzir algo — um texto, uma reflexão, uma pergunta — que marque a passagem pelo tema. O saber que emerge ali não é propriedade de ninguém, mas efeito do encontro entre sujeitos que se interrogam juntos.
Talvez seja isso o mais interessante: o cartel não é um grupo de estudo no sentido tradicional, é quase uma forma de laço. Um lugar pequeno onde o pensamento pode respirar, tropeçar, retomar fôlego e se reinventar. Nele, o que conta não é a resposta final, mas o caminho de cada um — esse movimento que, ao final, nos ensina mais sobre o desejo de saber do que sobre o saber em si.
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