Em meio a um silêncio ensurdecedor, ele foi despertado ainda de madrugada. Meio acordado, meio dormindo, teve a sensação de estar sendo observado por alguém.
ossǝʌɐ op: É UM ESPAÇO PARA EU ESCREVER SOBRE O QUE GOSTO E NÃO-GOSTO: FILMES, DISCOS, LIVROS, FOTOGRAFIAS, TV, OUTROS BLOGUES, PESSOAS, ASSUNTOS VARIADOS. NENHUM COMPROMISSO QUE NÃO SEJA O PRAZER. FIQUEM À VONTADE PARA CONCORDAR OU DISCORDAR (SEMPRE COM RESPEITO E COM ASSINATURA), SUGERIR OU OPINAR. A CASA É MINHA, MAS O ESPAÇO É PARA TODOS.
sábado, 26 de setembro de 2015
quinta-feira, 24 de setembro de 2015
Da Série Contos Mínimos
Dumont vivia nas nuvens, em algum lugar acima dos outros. Não por arrogância, mas pela ausência de tato para lidar com o mundo real. Fechava-se sempre que o tempo mudava: nem pouso nem decolagem. Ele não arredava o pé. E, emburrado, nem com reza forte mudava o humor. Ele não era fácil, diziam os pais, os avós, os tios, mas ele não entendia o que "difícil" queria dizer.
terça-feira, 22 de setembro de 2015
Das coisas que não acontecem apenas nas crônicas de Fernando Sabino
Chego em casa, depois do trabalho e o meu telefone fixo toca. DDD 51. Não faço a mínima ideia de onde parta a ligação. A única coisa que sei é que vou me arrepender depois de atendê-la. Tenho quase certeza de que no DDD 51 não pode ser nem o meu padrasto, nem o Robson (meu amigo do Rio) os únicos que me ligam no telefone fixo. Mas vou em frente na decisão de matar a minha curiosidade.
É uma voz que está me oferecendo um Seguro de Vida. Digo-lhe imediatamente que já tenho um, mas a voz não me ouve, a voz apenas fala e fala muito.
A voz fala sem parar. Sem me dar qualquer espaço pra eu roubar o turno da conversa. Ela me diz entre outras coisas que está me oferecendo um seguro “diferenciado”. E diz DI-FE-REN-CI-A-DO de uma maneira diferenciada.
Segundo a voz, o tal seguro me oferece vantagens em vida. Diferente de todos os outros que em vida não me oferecem absolutamente NA-DA. “Nada” também sai de uma forma nada parecida com todos os “nadas” que ouvi na vida.
E começa: vamos supor que o senhor perca um dedo, seja atropelado, quebre a cabeça, seja mordido por um animal (fiquei apavorado com essa possibilidade), tenha um problema que o impeça de andar, por exemplo, e fique, depois disso, com uma sequela pequena... o senhor ganhará R$350.000,000 reais.
Tento interrompê-la mais uma vez, mas a voz não me ouve. Como eu disse, ela apenas fala e fala muito.
A voz continua me animando com as vantagens para eu adquirir o tal seguro. A voz me pergunta se sou casado. Eu lhe digo que sim. Percebam que estou dando corda para saber até onde a voz vai. Ela não satisfeita me pergunta quantos filhos eu tenho. Digo que não tenho nenhum. A voz fica um pouco desapontada, mas não a ponto de se despedir. Ela continua: o nosso seguro dá a seus herdeiros um valor de R$350.000,00 caso o senhor MORRA.
Fiquei muito animado com isso! Eu pago o seguro de vida e deixo para alguém todo esse valor. A voz se mantém firme no seu objetivo e me pergunta se eu costumo viajar. Eu digo que sim. Rio baixinho imaginando o que vem pela frente.
A voz, então, tem mais opções de desgraças para me oferecer: vamos supor que o senhor em uma viagem tenha um ataque do coração, sofra um acidente de carro, um infarto, um derrame, um desmaio que seja. O nosso seguro garante o seu deslocamento para um hospital.
E os R$350.000,00? Não era a hora dela me oferecer um agrado? Acho que não! Dessa vez, pelo menos, a voz não me ofereceu nada. Era apenas o deslocamento. Mas também querer ganhar essa grana só porque sofreu um ataque do coração...
Eu tento dizer mais uma vez que não estou interessado. A voz continua surda. Bem, a solução foi mesmo simular um desmaio e desligar. Não estou definitivamente interessado nos R$350.000,00 do tal seguro, sobretudo se para recebê-lo seja necessário tanta desgraça prum corpo só. Um corpo é pouco.
domingo, 13 de setembro de 2015
Da Série Contos Mínimos
O peso das horas certas me atormentou durante uma parte da vida. Retirei o relógio do pulso, as pilhas dos relógios das paredes e comecei a prestar mais atenção no minuto disperso da minha existência, porque era apenas isso que eu tinha.
Não era sobre isso que eu queria escrever
Fui ao cinema, depois de alguma dificuldade para conseguir ingresso, com dois amigos assistir ao filme escrito e dirigido por Anna Muylaert Que horas ela volta?. O filme conta a história de uma mulher pernambucana (Val) que, como tantas outras, se muda pra São Paulo a fim de dar melhores condições de vida para sua filha (Jéssica).
Tanto São Paulo quanto Pernambuco são metáforas de outras realidades de outros estados do norte/nordeste e de outras grandes cidades do sul/sudeste.
O elenco é afinadíssimo. Além de Regina Casé, conhecidíssima por atuações como apresentadora de programas, comediante, por suas personagens no cinema e em novelas, há tb outras grandes atrizes e atores contribuindo para o sucesso do filme: Camila Márdila (Jéssica), Karine Tele (Bárbara), Lourenço Mutarelli (Carlos), entre outros.
O filme chega num bom momento pra gente discutir/pensar um país há muito dividido: entre o nordeste da miséria e o sudeste, muito familiar, das oportunidades. Esse estereótipo é de certa forma reforçado e destruído. Reforçado porque a pernambucana Val (Regina Casé) sai da sua cidade em busca de melhores condições de vida tanto pra si quanto pra sua filha, que fica em Pernambuco aos cuidados da avó.
Destruído porque essas melhores condições de vida não passam de aparências, primeiro porque as condições de trabalho de Val, numa casa de família, é a representação da forma como as empregadas domésticas sempre foram tratadas no Brasil: acordam antes dos donos da casa e vão dormir muito depois de todos já estarem dormindo; depois, porque, ao sair de Pernambuco pra ser babá do filho da sua patroa, tem que deixar a sua filha aos cuidados da avó. Ela cria o filho do outro mas não tem condições de criar a sua filha.
O filme nos deixa muitas vezes envergonhados porque é como se nos revelasse nas atitudes dos patrões: a patroa diz que Val é "praticamente da família", e essa forma de tratá-la é um mascaramento das explorações as quais as empregadas são expostas. O patrão, com a chegada de Jéssica a sua casa, se comporta como tantos homens se comportam diante dos subalternos, sejam eles as empregadas ou as filhas das empregadas.
Claro que muita coisa está mudando/mudou no país. Não tenho dúvida. Claro que essas mudanças passam necessariamente por alterações legais, situação do trabalho doméstico, mas tb por alterações sociais, de políticas públicas: educação, saúde, investimentos em outras regiões do país.
Claro que as mudanças tb podem refletir os novos lugares ocupados pelas novas gerações em relação ao lugar da mulher no Brasil e no mundo. Claro que tudo isso não passa de quase nada se pensarmos o tanto que precisa mudar. É claro tb que é fácil a gente se emocionar com essa história mas ser tb parte desse mecanismo: como a gente trata mal quem trabalha conosco como se isso fosse normal.
Claro que a gente "não entende", mas passa batido diante da nossa empregada que mesmo tendo um ensino superior continua tendo que fazer limpeza porque não consegue espaço no mercado de trabalho. Como tudo isso nos é familiar, assim como é familiar ter alguém lavando nossas louças, cuidando dos nossos filhos sem que a gente saiba verdadeiramente quem é aquela pessoa que está ali e qual é a sua história.
Ui, fico angustiado só de pensar naquilo que não sei sobre aquilo que acontece todos os dias com pessoas reais nessas situações.
Um filme sozinho não faz verão, mas se ele consegue, pelo menos, nos fazer pensar sobre o lugar da gente e do outro nessa engrenagem e isso refletir efetivamente na forma como tratamos o outro, muda muita coisa.
segunda-feira, 7 de setembro de 2015
Da (o)pressão à liberdade
Engana-se quem pensa que há um movimento homossexual lutando por uma causa comum. O grande movimento homossexual é formado, principalmente, por uma classe média que há muito já conquistou direitos tb sobre a sua sexualidade: o direito de vivê-la da forma que quer.
A (o)pressão sexual que essa classe sofre não é, nem de longe, a mesma da classe trabalhadora. As lutas aqui são ainda para sobreviver, são lutas contra a violência, contra a exclusão, contra o racismo, são lutas pelo mercado de trabalho.
As elites já conquistaram seu espaço. Poucos ainda se importam com quem eles/elas se deitam. E se alguém ainda se incomoda por aqui com o seu estilo de vida, eles/elas viajam para a Europa ou para os EUA e por lá vivem a sua sexualidade de forma bem mais livre e segura.
A grande maioria ainda precisa se preocupar com os subempregos, com os baixos salários, com a invisibilidade, com a resistência da própria família em relação a sua orientação sexual.
Bem, não estou dizendo que para a elite a causa da "indiferença" (no sentido positivo: o de não ser objeto de olhares, comentários etc.) esteja vencida. Mas, em geral, caga-se pra isso. Nada como um bom poder aquisitivo pra mandar vir isso de outros lugares.
Por isso, o movimento gay não consegue, por exemplo, eleger representantes que lutem por seus direitos. Por isso que as conquistas são sempre muito pontuais. São sempre muito lentas.
Mesmo que a gente saiba que a homossexualidade não se restrinja a uma ou outra classe, ou seja, está presente em todos os lugares, classes, cores, a despolitização por uma causa em comum, por uma luta que seja de todos/todas nos impossibilita de conquistar avanços significativos.
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