segunda-feira, 3 de março de 2025

O Conservadorismo da Classe Trabalhadora e o método da Direita



A classe trabalhadora, historicamente explorada e precarizada, muitas vezes vota em políticos de direita e extrema-direita que, na prática, retiram seus direitos e aprofundam desigualdades. Essa contradição aparente pode ser compreendida a partir da intersecção entre economia e valores culturais. Enquanto políticos progressistas defendem pautas trabalhistas, a direita compreende que grande parte da classe trabalhadora tem valores conservadores – em relação à família, sexualidade e religiãoe usa essa identificação como ferramenta eleitoral. Em um cenário onde a ideologia dominante apaga as relações de exploração, a identificação com discursos morais e nacionalistas sobrepõe-se à defesa dos próprios direitos trabalhistas.

Líderes da direita e extrema-direita, como Nikolas Ferreira, por exemplo, utilizam discursos religiosos, nacionalistas e anti-progressistas para mobilizar a classe trabalhadora. No entanto, essa aproximação ideológica esconde medidas que prejudicam diretamente os trabalhadores. O próprio Nikolas votou contra a isenção de impostos sobre 40 alimentos essenciais, dificultando o acesso da população a produtos básicos, além de apoiar a manutenção de jornadas exaustivas, como a escala 6x1, e a taxação de compras internacionais, afetando diretamente o consumo popular. Essas decisões demonstram que, apesar do apelo moral e religioso, suas políticas reforçam a exploração e o empobrecimento da classe que o elegeu.

A adesão da classe trabalhadora a políticos da direita se sustenta, em grande parte, na forma como o discurso desses políticos se estrutura. Eles não falam de economia em termos técnicos, mas em chavões morais e identitários. A esquerda, por outro lado, muitas vezes se comunica com a classe trabalhadora de maneira distante ou centrada em pautas que, embora essenciais, não são percebidas como prioridade pelos trabalhadores. O trabalhador não vê, necessariamente, um vínculo direto entre melhores condições salariais e sua identidade moral ou religiosa, mas percebe esse vínculo quando um político da direita se apresenta como “defensor da família” ou como alguém que combate uma suposta “ameaça comunista”. Assim, as pautas trabalhistas são ofuscadas por narrativas afetivas e identitárias.

Esse método da direita não é novo, mas tem se mostrado cada vez mais eficaz, especialmente em tempos de crise econômica e de descrédito nas instituições. Enquanto a esquerda enfrenta o desafio de se reconectar com os trabalhadores sem abrir mão de suas pautas sociais, a direita continua a se fortalecer explorando sentimentos de medo e pertencimento. Assim, a classe trabalhadora segue votando contra si mesma, sem perceber que os políticos que se apresentam como seus aliados na moralidade são os mesmos que destroem seus direitos e condições de vida.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Roberta Flack: um diálogo entre o silêncio e o som


Hoje, nos despedimos de uma artista cuja voz transcendeu as fronteiras do tempo e do espaço, tocando os corações de milhões com sua sensibilidade ímpar. Roberta Flack foi mais que uma cantora: foi uma mestra na arte de transformar o som em sentimento, oferecendo ao mundo uma escuta atenta às nuances da existência e às contradições da alma humana.

No palco da vida, sua música atuava como um discurso que questionava e, ao mesmo tempo, acolhia as múltiplas camadas do ser. Cada canção carregava a marca de uma interpretação que ia além da estética, desafiando os discursos hegemônicos e revelando a complexa relação entre a experiência pessoal e as formações discursivas históricas. Em sua voz, o silêncio e o som dialogavam, iluminando as opacidades que habitam a linguagem e a subjetividade.

A partida de Roberta Flack deixa um espaço irreparável no cenário cultural, mas seu legado permanece como um convite contínuo à reflexão e à resistência. Que sua memória inspire novas gerações a reconhecer a potência transformadora da arte, a valorizar o poder de uma voz que, mesmo diante das imposições ideológicas, soube eternizar sentimentos e reconstruir mundos por meio do canto.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Quanto mais recuo, mais ele avança


Às vezes, diante de um problema, sinto-me paralisado, como se houvesse um lobo desconhecido dentro da minha cabeça, uma presença silenciosa que se nutre das minhas fraquezas. Esse lobo cresce à medida que minha insegurança se fortalece, tornando-se um monstro insaciável que me convence de que não sou capaz. Evito olhar para o problema, rejeito sua existência como se ele fosse uma muralha intransponível, algo além do meu alcance. Mas essa recusa não o faz desaparecer—pelo contrário, o alimenta. O medo que sinto é a sua fonte de força, e quanto mais recuo, mais ele avança.

Essa sensação me remete a tempos passados, a momentos em que me sentia exposto, observado, vulnerável. Na escola, por exemplo, havia situações em que o simples ato de responder uma pergunta diante da turma se transformava em um campo minado de possíveis falhas. O que antes era apenas uma fantasia da incompetência, hoje retorna como uma força real, materializando-se em dificuldades que poderiam ser vencidas, mas que se tornam gigantescas dentro da minha cabeça. Carrego essa dor antiga como uma cicatriz invisível, uma marca que se reabre sempre que me coloco à prova.

Sei que não encarar um problema é ceder ao lobo, permitir que ele se fortaleça às minhas custas. Ele se alimenta do medo que construo, cresce quando me retraio e se torna mais robusto toda vez que evito um desafio. A pressão que coloco sobre mim mesmo é absurda, mas é também um mecanismo que me faz perceber que a única forma de enfraquecer esse lobo é enfrentá-lo. Olhar nos olhos do medo, reconhecê-lo e, ainda assim, dar o primeiro passo. Afinal, ignorá-lo não o faz desaparecer—pelo contrário, o transforma em algo cada vez mais voraz.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Mesmo diante dos bons vinhos


A travessia para Puerto Iguazú já começou com um teste de paciência. O calor beirava o insuportável, e passar pela aduana levou uma hora inteira, um processo lento e cansativo que só aumentava a sensação de desgaste. A espera sob o sol intenso transformava qualquer sombra em um alívio momentâneo, mas nada parecia amenizar o desconforto. E isso foi só o começo.

Chegando lá, a cidade oferecia o que se esperava: lojas repletas de vinhos a preços interessantes, o que ao menos justificou um pouco o esforço para cruzar a fronteira. A escolha foi certeira, e conseguimos levar bons rótulos, o que, de certa forma, compensava a parte burocrática da viagem. 




Íamos almoçar em Foz do Iguaçu, mas a primeira tentativa de ir embora nos frustou: a fila ultrapassava 5 quilômetros.

A fome bateu, e foi aí que veio o verdadeiro golpe: os preços dos restaurantes estavam simplesmente absurdos. Um bife de chorizo custando 120 reais, sem qualquer acompanhamento, parecia mais uma pegadinha do que uma experiência gastronômica. O absurdo do valor tirava até o prazer da refeição. A carne estava muito boa, é verdade, mas por esse valor almoçaríamos no Brasil com mais qualidade.

Se a entrada no país foi lenta, a saída foi ainda pior. Duas horas para sair de lá, debaixo do mesmo calor insuportável, sem qualquer estrutura para tornar o processo mais suportável. O cansaço, a demora e a sensação de ter pagado um preço ridículo por um prato de carne deixaram um gosto amargo na viagem. Sem falar na grosseria da funionária argentina com um amigo que estava dirigindo.

No final, o saldo foi claro: bons vinhos, mas um desgaste que fez a experiência parecer muito mais trabalho do que prazer. Tirei definitivamente Puerto Iguazú da lista de viagens. Não valeu à pena tanta espera, mesmo diante dos bons vinhos...

sábado, 15 de fevereiro de 2025

Relacionamentos unilaterais




Relacionamentos unilaterais são marcados por uma dinâmica onde uma das partes se dedica intensamente, enquanto a outra parece indiferente ou pouco engajada. Um dos primeiros sinais é a sensação de estar constantemente correndo atrás. Você é quem toma a iniciativa, envia mensagens, organiza encontros e tenta manter a conexão viva. Esse esforço desequilibrado é desgastante, pois parece que, se você não insistir, o relacionamento simplesmente se dissolve. Essa corrida constante atrás de atenção ou validação se torna emocionalmente exaustiva, deixando a impressão de que você está investindo em algo que o outro não valoriza da mesma forma.

Outro sinal evidente é perceber que seus sentimentos e desejos são ignorados. Quando você expressa algo importante ou compartilha suas expectativas, a outra pessoa minimiza, desconsidera ou até muda de assunto, como se aquilo não tivesse relevância. Essa falta de acolhimento é dolorosa, pois reforça a ideia de que suas emoções não importam no relacionamento. O que deveria ser uma troca mútua se torna uma via de mão única, onde você se dedica a ouvir e apoiar, mas não recebe o mesmo em troca. Aos poucos, você começa a se questionar se está sendo valorizado ou apenas tolerado na relação.

A solidão dentro de um relacionamento é talvez o aspecto mais cruel de uma relação unilateral. Apesar de estar fisicamente acompanhado, você sente um vazio emocional, como se estivesse sozinho em seus pensamentos e preocupações. A falta de conexão real faz com que a companhia da outra pessoa se torne apenas uma presença superficial, sem profundidade ou compromisso. Essa sensação de isolamento pode corroer sua autoestima, já que você percebe que o relacionamento não está cumprindo seu papel de parceria, apoio e afeto mútuo. Estar junto de alguém deveria significar dividir a vida, mas, nesse tipo de relação, você se sente como se estivesse vivendo sozinho.

Por fim, os planos futuros, quando existem, são vagos ou inexistentes. A outra pessoa evita falar sobre compromissos de longo prazo, seja por desinteresse ou pela falta de intenção de construir algo mais sólido. Isso gera insegurança e incerteza, pois você se vê investindo em um relacionamento sem uma direção clara ou propósito comum. A ausência de planejamento conjunto é um reflexo de como a relação está desequilibrada, com um lado dedicado e esperançoso, enquanto o outro parece indiferente ou desconectado. Reconhecer esses sinais é essencial para decidir se vale a pena insistir ou se é hora de buscar um relacionamento que seja recíproco, onde os esforços, os sentimentos e os sonhos sejam compartilhados de forma justa e equilibrada.

Não se trata de pessimismo




Aos 60 anos, a consciência do tempo ganha uma profundidade diferente. Já não se enxerga a vida como infinita, e isso traz uma clareza sobre o que realmente importa. Cada dia, cada momento, cada conversa começa a carregar um peso maior, porque o tempo, embora incerto, é percebido como limitado. Nessa fase, o desejo de viver com mais intensidade e autenticidade se torna uma prioridade, afastando a necessidade de agradar ou se envolver com situações que não acrescentem algo significativo.

Esse olhar mais apurado para a vida também transforma as relações. As pessoas que não agregam, que drenam energia ou perpetuam conflitos, passam a ocupar cada vez menos espaço. Há um aprendizado em dizer “não” sem culpa, em deixar ir aquilo que não traz crescimento ou afeto genuíno. Aos 60, há menos tolerância para superficialidades, e a busca por conexões mais profundas e verdadeiras se torna um filtro natural para o convívio. É como se a própria vida pedisse mais simplicidade, mais significado e menos desperdício.

Compreender que o tempo é um bem finito não traz apenas angústia, mas também uma enorme liberdade. A liberdade de escolher onde estar, com quem estar e no que investir os momentos que restam. Não se trata de um pessimismo sobre o futuro, mas de uma maturidade que entende que a vida é preciosa demais para ser desperdiçada. Aos 60 anos, o foco está em valorizar o que é essencial e fazer de cada dia uma escolha consciente, deixando para trás aquilo que não acrescenta sentido, alegria ou paz.

Um aprendizado diário e independente da idade que se tenha




Viver sozinho aos 60 anos é uma experiência carregada de contrastes. É um momento da vida em que a autonomia ganha protagonismo, permitindo que cada escolha diária seja guiada pelas próprias vontades e ritmos. Há uma paz única em estar consigo mesmo, no silêncio da casa, onde o tempo parece obedecer apenas ao relógio interno. A solidão, nesse sentido, pode ser uma companheira que promove introspecção, liberdade e uma reconexão profunda com a própria história, com memórias que frequentemente voltam à tona.

No entanto, esse silêncio pode, por vezes, se tornar ensurdecedor. Sentir falta de companhia é algo que emerge quase como um eco do desejo humano de partilhar: partilhar histórias, risos e até mesmo os momentos mais cotidianos. O vazio da ausência de alguém com quem conversar ou dividir um café pode se misturar à sensação de que algo essencial está faltando, mesmo quando se valoriza e se aprecia a solidão. É nesse paradoxo que o morar sozinho aos 60 anos se revela um espaço de tensão, onde a saudade não pede permissão para entrar.

Gostar de estar só e, ao mesmo tempo, desejar companhia não é uma contradição, mas sim um reflexo da complexidade humana. Existe beleza em reconhecer que a solidão não é apenas ausência, mas também presença: a presença de si mesmo, dos próprios pensamentos e afetos. Ainda assim, há dias em que o silêncio pesa mais, e a solução talvez esteja em criar redes, em encontrar pequenos momentos de convivência que amenizem a saudade sem invadir a liberdade. Viver sozinho, aos 60, é, em última instância, um aprendizado diário de equilibrar o desejo de estar só e a necessidade de partilhar.

Segunda-feira: o começo que já carrega o peso do meio

Segunda-feira tem um gosto estranho. É começo, mas nunca parece recomeço. A semana mal começa e já estou no compasso acelerado: trabalho pel...