quinta-feira, 22 de maio de 2025

Nem tudo que se afasta deixa de ser importante. Nem toda presença constante é sinônimo de afeto verdadeiro




A gente se acostuma. Não de uma vez, nem sem resistência. Mas, aos poucos, como quem muda de casa e só depois de algum tempo para de procurar o interruptor de luz onde ele já não está. Com o tempo, o corpo entende que algumas presenças se tornaram raras, que certos nomes não aparecem mais na tela do celular e que aquele silêncio — antes estranho — começa a fazer parte da paisagem.

Acostumar-se, aqui, não tem nada de desamor ou frieza. É só que a vida, mesmo sem aviso, vai redesenhando os encontros, mudando o tom das conversas, afastando os corpos e, às vezes, até os afetos. E a gente aprende a seguir, mesmo com a lembrança de quem ficou longe. Não é sobre fechar a porta, mas sobre deixar que o tempo areje o que ficou dentro.

Há pessoas cuja ausência vira presença sutil: um cheiro que passa na rua, uma música que começa a tocar, uma frase que volta do nada. E mesmo assim, mesmo com esses vestígios, a gente vai aprendendo a conviver com a distância, sem precisar brigar com ela. Porque acostumar-se não é desistir, é encontrar um jeito menos doloroso de continuar.

No fim das contas, talvez a maior lição seja essa: nem tudo que se afasta deixa de ser importante. Nem toda presença constante é sinônimo de afeto verdadeiro. E a gente aprende — no silêncio das ausências e na paz possível de certas distâncias — que há formas novas de sentir, de lembrar e de seguir.

domingo, 18 de maio de 2025

Era só não dizer



Algumas palavras carregam mais do que parecem. Ditas no tempo errado, diante da pessoa errada, ou sob a desculpa da espontaneidade, deixam rastros. Nem sempre é o que se diz, mas o fato de ter sido dito. Uma notícia compartilhada sem filtro, um comentário lançado no meio de uma conversa, uma frase solta como quem não mede — ou mede demais. Há formas de falar que soam como pequenas provocações, mesmo quando ditas com um sorriso.

Nem todo mundo diz sem intenção. Às vezes, é só descuido mesmoa falta de perceber que o outro escuta de outro lugar. Mas às vezes não. Às vezes é cálculo: um jeito de marcar presença, de cutucar, de testar os limites do que ainda pode doer. A fala, nesses casos, não é sobre o que se vive agora, mas sobre o efeito que se deseja causar. E quando isso acontece, não há leveza que disfarce: fica a pergunta suspensa no ar — precisava?

Falar, a gente fala o tempo todo. Mas pensar antes, quase nunca. E é aí que mora o problema: na pressa de dizer, a gente esquece que nem tudo precisa virar enunciado. Há coisas que poderiam muito bem ter ficado no pensamento, na confidência de um amigo, na página de um diário. Dizer é escolher. E escolher com cuidado é também reconhecer que o outro escuta com o corpo todo — inclusive com as feridas que ainda não fecharam.

sábado, 17 de maio de 2025

Isso também é amor



Nem toda relação termina quando o amor acaba. Às vezes, o que se encerra é a possibilidade de seguir junto, mesmo que algo ainda pulse. E isso pode causar certa confusão. Não porque exista uma vontade de reatar, mas porque a sensação de amor remanescente nos faz pensar que talvez pudesse ter sido diferente. Não é desejo de retorno, é suposição. Uma hipótese imaginária sobre o que teria sido, caso outras escolhas tivessem sido feitas.

Mas é justamente aí que as coisas se embaralham. Amor e relação são realidades distintas. Um sentimento pode permanecer, mesmo quando a convivência não encontra mais sustentação. O amor pode até se manter vivo, mas isso não significa que a relação tenha como recomeçar.

Não há necessidade de transformar esse amor em problema, nem de tratá-lo como dívida ou promessa. Às vezes, o que fica clame apenas por ser reconhecido como parte do que fomos, como algo que nos atravessou. E tudo bem que continue ali, de outro modo.

O amor que permanece, mesmo fora da relação, pode encontrar outros modos de existir: como memória afetiva, como respeito, como compreensão mais madura do que se viveu. E talvez seja justamente isso o mais difícil: entender que não se trata de apagar o que se sentiu, mas de acolher que aquilo que houve teve seu tempo, seu jeito e seus limites. E que isso também é amor.

quarta-feira, 14 de maio de 2025

Da Série: Contos Mínimos

Cheguei. A porta se fechou atrás de mim como um ponto final. Tirei os sapatos, senti o chão frio sob os pés. Fui até a cozinha, pus a água no fogo. A casa estava em silêncio — não o silêncio da ausência, mas o da escuta. Sentei com a xícara quente entre as mãos. O mundo lá fora era ruído, aqui dentro era pausa. E eu, enfim, respirava.





terça-feira, 6 de maio de 2025

Da Série: Contos Mínimos




Me interessei por um cara que ainda nem conheci pessoalmente. Tudo começou ali, nas mensagens trocadas sem pressa, silêncios e perguntas. Não sei exatamente quando passei a esperar as notificações com mais vontade. Sinal dos tempos se interessar por alguém que só existe em palavras escritas, em áudios curtos, em algumas fotos. Mas tem algo ali – na atenção que me dá, no riso que parece atravessar a tela. Ainda não nos vimos, mas tem uma presença dele por aqui.

sábado, 3 de maio de 2025

O tempo que a gente tem, o tempo que a gente (se) dá




Há um descompasso constante entre o tempo disponível e o tempo que decidimos investir em algo ou alguém. Nem sempre aquilo que temos em abundância se converte em dedicação. O tempo dedicado carrega uma densidade própria porque é escolha. Em meio à pressa cotidiana, os gestos mais simples, quando atentos, produzem um tipo de presença que nenhuma agenda cheia consegue simular.

Com os anos, aprendi que a permanência nem sempre coincide com o vínculo. Algumas relações duram, ponto. Outras, breves, deixam algumas marcas. O que define esse traço não é o tempo cronológico, mas o modo como se esteve — ou não — com o outro. A ausência, quando encoberta pela presença mecânica, pesa mais do que o afastamento silencioso.

Também venho me perguntando sobre o tempo que dedico a mim mesmo e ao que realmente me importa. Entre compromissos, exigências e tentativas de corresponder, há o risco de me tornar ausente (de mim). Há algo de inquietante na constatação de que é possível viver muito e, ao mesmo tempo, passar ao largo daquilo que realmente nos movimenta. Quando isso se impõe, o tempo parece escoar sem forma.

Sigo tentando afinar a escuta para perceber onde é que me implico de verdade. Nem sempre consigo. Mas sei que o tempo que se dá, quando é escolha e não obrigação, altera o modo como habitamos os dias. E talvez seja só isso o que reste ao final: a qualidade dos vínculos que sustentamos e a forma como, por meio deles, lidamos com o tempo que temos.

segunda-feira, 28 de abril de 2025

A arte de apagar o outro


No mundo acadêmico (mas não apenas nele), há uma habilidade que alguns dominam com maestria: a arte de se apropriar do que não lhes pertence. É uma dança silenciosa — começa com elogios discretos, segue com sugestões "aprimoradas" e, num piscar de olhos, o projeto idealizado por um colega já circula com outra assinatura, como se tivesse brotado espontaneamente no solo fértil do "trabalho em equipe". A autoria, esse detalhe inconveniente, é varrida para debaixo do tapete com a naturalidade de quem não enxerga problema em plantar bandeira no terreno que não cultivou.

O mais curioso é como tudo se organiza em torno de uma certa lógica (ou uma lógica cínica): o projeto, dizem, "é de todos", "é da instituição", "é do espírito coletivo". E assim, sob a bandeira da coletividade forçada, se disfarça a violência simbólica de apagar o outro. O sujeito que idealizou, que pensou, que primeiro desenhou os contornos daquilo, vai sendo deslocado para as margens, como um assistente da própria criação. No palco, quem usurpou sorri e recebe aplausos, encenando a modéstia dos vencedores que, no fundo, sabem exatamente de onde tiraram seu brilho.

Mas há algo que nem sempre se percebe à primeira vista: o rastro de ressentimento que esse tipo de gesto deixa. Não é apenas a apropriação de uma ideia; é a violação da história que alguém tentou escrever com esforço e compromisso. O oportunismo travestido de competência gera feridas difíceis de cicatrizar, envenena a confiança e, mais cedo ou mais tarde, revela a falência ética daqueles que confundem inteligência com astúcia. Porque, no final, a verdadeira autoria carrega consigo uma marca que não pode ser totalmente apagada: a marca de quem ousou criar.

Pensamento acordado dentro de nós

Há dias em que a cabeça não silencia. O corpo pede sono, mas a mente insiste em continuar — ideias, projetos, pensamentos atravessam a noite...