sábado, 26 de julho de 2025

Manual de sobrevivência à bagunça alheia (sem perder o humor nem a sanidade)



Tem gente que entra na nossa vida como se fosse furacão de categoria cinco: espalha objetos, opiniões, promessas e atrasos com a mesma leveza de quem espalha confete em bloco de carnaval. E o nosso erro é sempre o mesmo: tentar organizar o outro. Dar conselhos, fazer planilhas, marcar terapia para o fulano — tudo em vão. Porque a verdade, meus caros, é que ninguém se organiza pelo desejo do outro. Só a gente acha que um lembrete no WhatsApp vai fazer milagre. O outro olha, dá dois corações, e segue o caos.

Mas aí vem o pulo do gato: se a gente não pode organizar o outro, que tal blindar o nosso canto? Montar uma cerca elétrica emocional, dessas que só disparam alarme quando a bagunça alheia ameaça invadir nossa calmaria. Isso não significa se isolar num mosteiro (embora às vezes dê vontade), mas sim traçar limites, dizer “isso aqui é meu espaço, meu horário, meu cronograma de lavar roupa e minha sanidade mental”. Não precisa drama nem DR: um simples “essa parte eu prefiro resolver do meu jeito” já faz milagres.

E que fique claro: não é sobre controlar ninguém — é sobre não deixar que o descontrole do outro vire o nosso. A vida já é difícil com boletos, fila no banco e as dores nas costas que vêm sem convite; não precisamos de mais um ser humano confundindo nosso roteiro. Porque tem gente que é um desorganizador nato: começa falando de segunda-feira e termina te convencendo a mudar todos os seus planos de sábado.

Então, se organizar para que a bagunça do outro não bagunce a gente é um ato de autocuidado. É como usar guarda-chuva em dia de chuva emocional: o outro pode até estar ensopado, mas você vai seco, elegante e, quem sabe, até de boas com o tempo nublado. Afinal, se o caos é contagioso, a tranquilidade também pode ser. Desde que a gente se lembre de guardar a vassoura mágica da organização… só para varrer nosso próprio quintal.

terça-feira, 22 de julho de 2025

E, se der sorte, encontrar pelo caminho quem saiba também bordar junto


Viver talvez seja a mais difícil das artes. Não se aprende em curso, não se ensina com apostila, e não há manual que dê conta do improviso que é estar no mundo. É tropeçando, ajustando o passo, caindo e levantando que a gente vai descobrindo que viver é mais ensaio do que apresentação. E, por mais que tentem vender a ideia de que é preciso “ter um plano”, às vezes a beleza está justamente em não saber o que vem depois da vírgula.

A arte de viver inclui aceitar que nem tudo cabe no nosso controle, que o outro é um enigma e que a gente também é. Viver é saber que tem dia que a luz entra pela janela e a gente nem nota. E tem dia que ela falta, e mesmo assim a gente acende alguma coisa por dentro. É não se cobrar tanto, rir de si mesmo, mudar de ideia sem culpa e chorar sem vergonha.

Tem gente que pensa que viver é atingir metas, riscar itens da lista, subir degraus. Mas, às vezes, viver é parar no meio da escada e pensar: e se eu quisesse só sentar aqui um pouco?. É aprender a escutar o silêncio, saborear um café devagar, conversar com um cachorro na rua, lembrar de um amigo com saudade boa. Pequenos gestos que costuram sentido no meio do caos.

No fim das contas, talvez viver bem seja mais sobre acolher do que vencer. Acolher as dúvidas, os afetos, as perdas, os reencontros. Ir costurando os dias com paciência, mesmo quando a linha enrosca. E, se der sorte, encontrar pelo caminho quem saiba também bordar junto.

segunda-feira, 21 de julho de 2025

O mundo, talvez, se mova no silêncio

Talvez a gente devesse repensar essa pressa em querer mudar o mundo. Não que o mundo não precise de mudanças — ele precisa, e muito. Mas essa urgência espetaculosa, essa necessidade de transformar tudo em causa pública com selo de aprovação digital, talvez seja mais barulho do que ação. E se, ao invés de mirar grandes transformações, a gente começasse pelo mínimo? Pelo gesto quase invisível, pela gentileza que não vira legenda, pelo cuidado que não pede audiência.

Fazer o mínimo não é desistir — é escolher um caminho menos narcísico. É abrir mão do palco para ocupar a rua, a fila do banco, o almoço de domingo. O mínimo pode ser oferecer escuta, evitar uma grosseria, devolver o carrinho do supermercado no lugar certo. Parece pouco, mas é mais do que curtidas acumuladas em discursos indignados que terminam em nada. O mundo não muda com slogans; muda quando alguém, em silêncio, se dispõe a atravessar o desconforto de agir.

Se cada um fizesse um pouco, e esse pouco não buscasse aplauso, talvez a vida ficasse mais habitável. Esses mínimos iriam se sobrepondo, se acumulando de forma quase imperceptível, e quando a gente se desse conta, teria uma paisagem menos áspera ao redor. Não seria o mundo ideal, mas seria um mundo com mais delicadeza — e isso já é muito.

Sem post, sem selfie, sem likes. Só o gesto. Só a escolha cotidiana de não piorar o que já está difícil. Fazer a nossa parte não precisa ser épico. Pode ser discreto, quase secreto. E ainda assim — ou talvez justamente por isso — fazer diferença.

domingo, 20 de julho de 2025

Dois amigos e uma vida inteira de histórias


O Dia dos Amigos é aquele lembrete meio piegas, meio necessário, de que ninguém caminha sozinho – e, se caminha, provavelmente está perdido ou de fone de ouvido. Eu, por sorte ou teimosia, tenho amigos que me acompanham há tanto tempo que às vezes duvido se são mesmo amigos ou se fazem parte do meu sistema nervoso. Entre tantos que marcaram minha trajetória, dois nomes brilham com a consistência de quem não falha nem quando falha: Robson & Vera.

A gente se conheceu no Rio de Janeiro, ainda na fase dos uniformes escolares, das provas de múltipla escolha e das descobertas confusas da adolescência. Estudávamos na mesma escola, morávamos no mesmo bairro e éramos daquele tipo de vizinhança que hoje parece ficção: porta aberta, lanche dividido e muito papo furado na calçada. Foi ali que se formou uma cumplicidade que atravessaria décadas, os empregos, os amores e os tropeços com a leveza de quem sabe rir até dos próprios fracassos.

Robson é o tipo de amigo que te liga para reclamar da vida, mas acaba te fazendo rir tanto que você esquece da sua própria desgraça. Tem aquele humor ácido que já viu de tudo e ainda guarda disposição para mais um capítulo. Vera não é muito diferente, a não ser pela sutileza... te responde como se batesse a porta na sua cara.  Ela tem uma escuta atenta. São diferentes, mas igualmente necessários.

Claro que, como toda amizade verdadeira, já passamos por distâncias, silêncios e sumiços que a vida adulta impõe. Mas o mais bonito é saber que, mesmo com os altos e baixos – e às vezes a gente vai bem lá embaixo –, essa amizade permanece de prontidão. Eles são daquele tipo que, se eu ligar de madrugada dizendo que estou com vontade de comer biscoito Globo e beber mate na praia, topam na hora (desde que eu leve o Uber, claro). E a recíproca, posso garantir, é verdadeira.

No fim das contas, amizade é isso: não precisa estar todo dia, nem dizer tudo certo, nem seguir roteiro de filme da Sessão da Tarde. Basta estar. E Robson e Vera sempre estiveram. No meu mapa da vida, eles são faróis teimosos: às vezes encobertos por névoas, mas sempre ali, firmes, me mostrando que caminhar junto é um presente. E que bom que, nesse Dia dos Amigos, eu posso escrever isso sorrindo – porque a memória afetiva, com eles, é um álbum cheio de boas risadas.

sábado, 19 de julho de 2025

A arte de se despedir



Envelhecer não tem manual, mas tem roteiro: ele começa com um entusiasmo juvenil e vai se convertendo, aos poucos, em uma coleção de despedidas. Deixa-se para trás o que parecia eterno, mas era só entusiasmo mal disfarçado. Abandonam-se certezas que já não servem, convicções apertadas como calça jeans da década passada. Amadurecer é aprender a sair das coisas — de algumas ideias, de algumas relações, de algumas versões de si mesmo. E fazer isso sem dramatizar (tanto), porque o que pesa não é o que se perde, é o que se arrasta sem mais sentido.

É que a gente vai crescendo e descobrindo que algumas amizades eram infláveis, que certos amores tinham prazo de validade escondido na parte de trás, e que nem toda promessa feita no verão sobrevive ao primeiro outono. A gente perde: a ilusão, a paciência, o WhatsApp de quem não responde. E, no lugar disso tudo, ganha umas boas olheiras e uma dose extra de ironia. Porque amadurecer também é rir do que antes nos tirava o sono — e perder o sono por coisas que antes nos fariam rir.

No fundo, quem amadurece sabe que perder faz parte do jogo. Perde-se o medo de decepcionar, a vergonha de dizer não, e até a vontade de agradar todo mundo. A arte está em saber se despedir: com leveza, com graça, às vezes com um suspiro — mas quase sempre com um ufa. E quando a gente aprende isso, aí sim dá pra dizer que cresceu. Ou pelo menos, que tá se virando bem. Com ou sem cabelo.

terça-feira, 15 de julho de 2025

Tudo é caminho (inclusive o desvio)



A gente sai de casa com um plano. Café da manhã reforçado, pensamento positivo, destino traçado. Só esquece de combinar com o mundo. Porque basta virar a esquina e pronto: lá está o desvio, sorrindo com cara de imprevisto. Às vezes é pequeno, uma mensagem fora de hora, um convite indecente, um tropeço. Às vezes é monumental — tipo aquela pós-graduação em Marte que você nunca terminou porque descobriu que preferia fazer crochê e terapia.

Mas, veja bem, Drummond já dizia com aquela paciência de quem entende de gente: alguns se desviam, mas tudo é caminho. E quem somos nós para duvidar? O desvio, na verdade, é só o trajeto tentando nos ensinar alguma coisa que o caminho reto não dava conta de mostrar. Como, por exemplo, que não somos tão organizados quanto a nossa planilha do Excel pretende convencer. Ou que o atalho era, sim, mais bonito — ainda que tenha dado em lugar nenhum.

No fim das contas, o que a gente chama de desvio é só a vida sendo criativa. Caminho não é linha reta, é rabisco. E crescer é aprender a andar nesse ziguezague com a elegância possível (ou pelo menos sem cair de cara toda vez). Então, se você se desviourelaxa. Pode ter sido o melhor erro da sua rota.

sábado, 12 de julho de 2025

Quero ser uma água-viva



Já cansei desse negócio de ser adulto. Pagar conta, responder mensagem, lembrar de senha, de reunião, de CPF na nota, de sorrir para quem só merecia um silêncio bem aplicado. Não quero mais essa vida de bicho racional com horário para tudo, inclusive para descansar. Se for para continuar nesse ritmo, prefiro abdicar oficialmente da humanidade e pedir asilo existencial no reino marinho. Me deixem ser água-viva, com dignidade e direito à deriva.

Uma água-viva não precisa comparecer ao setor de recursos humanos nem fingir que entendeu o que está acontecendo numa reunião. Não precisa se exibir em rede social para provar que está curtindo a vida. Ela simplesmente existe — e isso já basta. Flutua de um lado para o outro sem metas, sem cobranças e sem dilemas morais. E, o melhor: se alguém se aproxima com energia ruim, ela dá um pequeno choque — educativo, poético e eficaz. Sem conversa fiada, sem indiretas, sem fingimento.

Sem coração, sem cérebro, sem chefes. Apenas um corpo gelatinoso e livre, deixando a correnteza decidir o rumo do dia. Uma água-viva não tem CPF bloqueado, não sofre com crise de identidade, nem precisa respirar fundo para não explodir. Ela já é centro e borda de si mesma. E quando alguém tenta invadir seu espaço com arrogância ou falta de tato, ela responde com eletricidade. Nada agressivo: só um sinal químico sutil dizendo repense suas intenções antes de se aproximar de novo.

Portanto, se um dia vocês não me encontrarem mais nas mensagens, nas ruas ou nos grupos de trabalho, não se preocupem. Estarei boiando serenamente num mar qualquer, sem prazos, sem culpa e com o gel transparente do alívio. E se, por acaso, vierem me cutucar... cuidado. Tenho tentáculos — e aprendi a usá-los com elegância.

Escrever, esse desabafo disfarçado de produtividade

Tem gente que corre, há quem malhe, quem medite, quem se entupa de séries e pipoca. Eu escrevo. Não é glamour, é necessidade. Escrever viro...