A escrita dizer algo de mim para mim é, talvez, um dos movimentos mais estranhos e necessários. Não se trata de contar uma história, relatar fatos ou registrar acontecimentos para o outro, mas de construir uma conversa íntima com aquilo que, por vezes, escapa ao saber sobre si. Quando escrevo, busco um ritmo, uma cadência que me desloque da superfície dos dias e me aproxime daquilo que, sem saber, atravessa o meu dizer: um afeto, uma memória, um gesto que eu ainda não nomeei, mas que insiste em me habitar. A escrita, assim, é uma ferramenta de escuta – uma maneira de me ouvir, de me surpreender com o que surge, de me reconhecer no que não sabia estar ali.
Há um estranhamento que acompanha esse processo: o texto me devolve um rosto que eu não reconhecia, como um espelho embaçado que, aos poucos, revela contornos inesperados. Escrever é encontrar, no tropeço das palavras, o traço de uma pergunta que eu não sabia fazer, ou de uma história que, de tão silenciada, já quase não me pertencia. É abrir espaço para aquilo que não se encaixa nos projetos de linearidade, no discurso controlado, no currículo ou na biografia. A escrita, assim, não é apenas um testemunho: é um gesto de escavar, de tatear os limites do dizer e de perceber que o silêncio também fala.
Nessa conversa com o texto, o tempo se embaralha: passado, presente e futuro se atravessam, e o que eu pensei que fosse apenas memória se revela como desejo, como projeto, como medo. A escrita, então, é um ato de convocar sentidos – ela me interpela, me transforma, me obriga a repensar o que eu achava que sabia sobre mim. É por isso que escrever para mim mesmo não é fácil, nem confortável: é sempre uma travessia, um convite a deixar cair as certezas e a arriscar escutar o que ainda não tem nome.
Nossa, que profundo isso. Adorei.
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