Vivemos tempos em que a ignorância é celebrada, quase como uma virtude. É como se o mundo preferisse o conforto das certezas prontas ao desconforto do pensamento. A leveza de não saber — ou de fingir que não sabe — tornou-se desejável. Quem pensa, sofre. Quem reflete, se irrita. Quem questiona, é visto como chato. No Brasil, essa ode à ignorância se manifesta em vários gestos: quando um filme como O Agente Secreto, premiado em Cannes com os troféus de melhor diretor e melhor ator, é atacado por razões partidárias, o alvo não é apenas a obra, mas o pensamento crítico que ela provoca. O mesmo se vê no desprezo pelo ensino escolar, tratado como algo que precisa, obrigatoriamente, ter uma aplicação imediata — como se o saber servisse apenas para resolver problemas instantâneos e não para formar sujeitos capazes de interpretar o mundo.
Essa ignorância que se festeja também se revela nos ataques às diferenças: intolerâncias religiosas que tentam impor a fé de alguns a todos, preconceitos de raça, de classe, de gênero, que delimitam corpos e vidas, e um negacionismo que desafia até o mais básico, como a própria forma da Terra. A terraplanagem se tornou, além de um delírio, uma metáfora do achatamento do pensamento: tudo se nivela por baixo, as dúvidas são tratadas como traição, e o senso comum ocupa o lugar da reflexão. Influencers que desdenham da escola e desvalorizam o conhecimento reforçam essa lógica, como se o ensino fosse um desperdício de tempo — e o saber, uma perda de energia. Sob essa ótica, a educação não serve, porque não dá dinheiro rápido; a ciência não serve, porque desestabiliza certezas; a arte não serve, porque provoca. A ignorância é tomada como uma defesa contra o incômodo de pensar, e pensar virou, para muitos, um luxo desnecessário.
O saber, nesse contexto, se torna um fardo: quem pensa demais é acusado de pedante, de arrogante, de elitista. A reflexão, tão necessária, é tratada como um peso que estraga a leveza das conversas banais. O saber isola, como um ostracismo imposto a quem se recusa a repetir frases prontas. Pensar é estar só. Pensar é, muitas vezes, sentir a melancolia de ver o mundo repetindo velhos erros e disfarçando velhas violências de novidade. Contra essa celebração do vazio, é preciso defender a arte, a ciência, a educação — mesmo quando não servem para nada além de nos fazer duvidar, perguntar, desconfiar. Porque o conhecimento não é um manual de soluções prontas: ele é um convite a sair do conforto, a desnaturalizar o que parece dado, a ver o mundo com olhos inquietos. Num tempo em que a ignorância é erguida como modelo, pensar é, mais do que nunca, um ato de resistência.
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