terça-feira, 27 de maio de 2025

O conhecimento não é um manual de soluções prontas: ele é um convite a sair do conforto



Vivemos tempos em que a ignorância é celebrada, quase como uma virtude. É como se o mundo preferisse o conforto das certezas prontas ao desconforto do pensamento. A leveza de não saber — ou de fingir que não sabe — tornou-se desejável. Quem pensa, sofre. Quem reflete, se irrita. Quem questiona, é visto como chato. No Brasil, essa ode à ignorância se manifesta em vários gestos: quando um filme como O Agente Secreto, premiado em Cannes com os troféus de melhor diretor e melhor ator, é atacado por razões partidárias, o alvo não é apenas a obra, mas o pensamento crítico que ela provocaO mesmo se vê no desprezo pelo ensino escolar, tratado como algo que precisa, obrigatoriamente, ter uma aplicação imediata — como se o saber servisse apenas para resolver problemas instantâneos e não para formar sujeitos capazes de interpretar o mundo.

Essa ignorância que se festeja também se revela nos ataques às diferenças: intolerâncias religiosas que tentam impor a fé de alguns a todos, preconceitos de raça, de classe, de gênero, que delimitam corpos e vidas, e um negacionismo que desafia até o mais básico, como a própria forma da Terra. A terraplanagem se tornou, além de um delírio, uma metáfora do achatamento do pensamento: tudo se nivela por baixo, as dúvidas são tratadas como traição, e o senso comum ocupa o lugar da reflexão. Influencers que desdenham da escola e desvalorizam o conhecimento reforçam essa lógica, como se o ensino fosse um desperdício de tempo — e o saber, uma perda de energia. Sob essa ótica, a educação não serve, porque não dá dinheiro rápido; a ciência não serve, porque desestabiliza certezas; a arte não serve, porque provoca. A ignorância é tomada como uma defesa contra o incômodo de pensar, e pensar virou, para muitos, um luxo desnecessário.

O saber, nesse contexto, se torna um fardo: quem pensa demais é acusado de pedante, de arrogante, de elitista. A reflexão, tão necessária, é tratada como um peso que estraga a leveza das conversas banais. O saber isola, como um ostracismo imposto a quem se recusa a repetir frases prontas. Pensar é estar só. Pensar é, muitas vezes, sentir a melancolia de ver o mundo repetindo velhos erros e disfarçando velhas violências de novidade. Contra essa celebração do vazio, é preciso defender a arte, a ciência, a educação — mesmo quando não servem para nada além de nos fazer duvidar, perguntar, desconfiar. Porque o conhecimento não é um manual de soluções prontas: ele é um convite a sair do conforto, a desnaturalizar o que parece dado, a ver o mundo com olhos inquietos. Num tempo em que a ignorância é erguida como modelo, pensar é, mais do que nunca, um ato de resistência.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Uma chatice que pesa mais do que qualquer sandália

Os tempos atuais no Brasil são atravessados por uma polarização que parece transformar qualquer gesto banal em campo de batalha simbólico . ...