segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A morte de um amigo (texto)

O que nos resta diante da morte brutal de um amigo? Impotência, sobretudo. Certeza de que nada que se faça poderia fazer com que o tempo não apenas parasse, mas voltasse atrás e nos desse mais uma vez. 
Só que o tempo é daqui pra frente e o máximo que ele nos permite é nos pensar diante desse real que transformamos sob o olhar desse nosso tempo: não há justificativa que possa fazer sentido quando se pensa que a vida não vale nada ou que ela vale um tênis, uma calça jeans, uma carona, um carro. Como é que chegamos aqui? O que faremos daqui pra frente ao nos deparamos com esse limite? Que valores são esses que nos dominam sempre em detrimento do outro?
Não valemos nada quando somos vistos (e também quando nos vemos) apenas como aquilo ali, aquele ali, aquele dono daquilo, aquele que tem aquilo, aquele mais um. 
As nossas vozes não alcançam os ouvidos mais próximos. Sinto, agora, que não adianta gritar. E fico aqui esperando a próxima notícia: quem será o próximo?
Não sei se é a impunidade que provoca atitudes monstruosas (como por exemplo, a morte do Ezequiel). Preciso pensar sobre isso. O que sei, porque estou vivo (ainda) é que nós (re)produzimos valores e não damos conta de compreender como eles são absorvidos.
A vida não tem valor nenhum (só me resta pensar dessa maneira), ou o valor da vida é uma ida ao mercado. Não importa se eu sou um cara legal, se trato as pessoas com educação, se sou amoroso, se sou tranquilo, se sou alegre, divertido, se conto piada, se rio de mim mesmo. Nada disso conta mais do que a vontade de ter alguma coisa. Que besteira eu pensar que esses valores tivessem a força para impedir um tiro, um chute, umas facadas. Não têm.
Fica a sensação de impotência apenas. E a ela soma-se um vazio (e talvez seja isso sem nome) pálido. Fica também muito medo. Não fica nada que não seja tristeza.

domingo, 3 de outubro de 2010

Violência (texto)

A violência nos é familiar. Deparo-me com ela todos os dias. Basta entrar na internet, ler o jornal ou ouvir o noticiário da manhã. Portanto, ela não surpreende. Ela nos chega pelos quatro cantos com muita naturalidade.
No entanto, quando a violência aproxima-se muito de nós é que nos percebemos expostos, frágeis e sem saber exatamente (se é que isso seria possível) como se defender.
Acabei de receber a notícia da morte de um amigo. Ex aluno, 28 anos. Um cara divertido, inteligente, amigo e tudo aquilo que a gente acha dos próximos. Foi assassinado nessa madrugada em Marechal Cândido Rondon, oeste do Paraná. Não se sabe ao certo o que motivou o crime. Fala-se demais nesses momentos. 
É claro que a motivação não é importante (se isso ou aquilo não faz diferença porque o fato é fato), mas sempre é difícil compreender (não que uma explicação bastasse), acreditar, fazer sentido, quando não há um motivo aparente. Fala-se em assalto, mas não levaram o carro.
Estou aqui desde quando me chegou a notícia sem saber direito no que pensar, entrando e saíndo da internet tentando compreender o incompreensível. Atônito, absorto, arrebatado.

Verde de esperança de dias melhores (texto)

Justifiquei a minha ausência nas eleições, mas, sinceramente, não era isso que eu gostaria de ter feito. Queria ter dado o meu voto. Brigou-se tanto por democracia política e justifico meu voto? Uma pena!
Mas fazer o quê? O Rio de Janeiro não é logo ali e como, mais uma vez, achei que iria viajar para votar, não transferi meu título.
A justificativa começou bem cedo. Como sou um cara bem organizado eu sabia com toda a certeza capricorniana onde estava o título de eleitor. Não precisava  buscá-lo ontem à noite, justamente porque ele só podia estar num único lugar: no arquivo de documentos. Não estava! Como assim, não estava? Revira, retira, sacode, despeja, folheia, nada de título.
Encontrei justificativas antigas, fotos de amigos, documentos da minha mãe, caderneta da 6 série, cartão de vacina, vacina do cachorro, cpf (o bege), dispensa de incorporação (com uma foto impressionante e irreconhecível: tinha até cabelo, um bigode safado e uns pelos onde devia ter barba), certificados diversos, declarações seculares. Mas e o título? Na-da dele aparecer.
Apelei para quem? São Longuinho! Exatamente isso! O Padroeiro dos Desorganizados ou Esquecidos. Prometi, já que o assunto era sério, 15 pulinhos (veja bem, 15 pulinhos aos 45 (de idade e do segundo tempo) só poderia mesmo ser um assunto sério).
E, milagrosamente, eis que me lembro de um arquivo morto e enterrado. Finalmente encontro aquele documento verde de esperaça de dias melhores. Voto justificado. Dever mais ou menos cumprido.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Redes sociais (texto)

Redes sociais são importantes. Não, são fundamentais! Acabo, depois de 8 anos sem nenhum contato, encontrar, através de uma outra amiga (Eleonor), A minha amiga da graduação: Rosilda.
Éramos tão grudados que encontrar um e não encontrar o outro era, praticamente, impossível. Mantivemos contato por muitos anos depois de nossa colação de grau, mas aí saí do Rio, ela se casou, ela começou num outro emprego, eu me mudei mais umas vezes e nos perdemos. 
Distantes apenas dos olhos, não do coração.
Hoje, a primeira coisa que fiz depois de acordar, foi legar o telefone e ligar para falar com ela. Impressionante, como o tempo não passou, parecia que eu estava ligando para contar da minha semana. E ela para contar o que a sua filha aprendeu na escola na aula da semana passada.
É claro que muita coisa mudou nas nossas vidas, foram oito anos sem nenhuma notícia. Queríamos dar conta disso nessa ligação. Impossível! Atropelamos informações, rimos enquanto falávamos de coisas sérias das nossas vidas, lembranças misturávam-se com promessas de encontro, parecia que não queríamos nos desligar. E não nos desligamos e não vamos mais nos desligar.
Felicidade é reencontrar amigos, ainda que seja assim, depois de muitos anos e via Embratel.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Por dois motivos (texto)

Então, estou aqui agora por, pelo menos, dois motivos: primeiro para agradecer as preces feitas para o meu amigo. Ele fez a cirurgia na quinta-feira, retirou uma parte do tumor. Está bem, ainda no hospital, aguardando o resultado da biópsia para os próximos passos do tratamento.
Depois para falar sobre a I Mostra de Filmes sobre a Diversidade Sexual em Cascavel que começou na segunda dia 27 e vai até o dia 02 de outubro. Hoje pude participar da discussão em torno do filme Orações para Bobby conduzido brilhantemente por uma amiga,  Ester, professora do curso de filosofia.
A participação do público tb foi interessante. Tô feliz por isso, estou feliz pelo meu amigo. Estou feliz porque estou feliz.
Um grande abraço e muitos beijos.

sábado, 25 de setembro de 2010

A FOME DE MARINA (por José Ribamar Bessa Freire*)

Há pouco, Caetano Veloso descartou do seu horizonte eleitoral o presidente Lula da Silva, justificando: “Lula é analfabeto”. Por isso, o cantor baiano aderiu à candidatura da senadora Marina da Silva, que tem diploma universitário. Agora, vem a roqueira Rita Lee dizendo que nem assim vota em Marina para presidente, “porque ela tem cara de quem está com fome”.
Os Silva não têm saída: se correr o Caetano pega, se ficar a Rita come.
Tais declarações são espantosas, porque foram feitas não por pistoleiros truculentos, mas por dois artistas refinados, sensíveis e contestadores, cujas músicas nos embalam e nos ajudam a compreender a aventura da existência humana.
Num país dominado durante cinco séculos por bacharéis cevados, roliços e enxudiosos, eles naturalizaram o canudo de papel e a banha como requisitos indispensáveis ao exercício de governar, para o qual os Silva, por serem iletrados e subnutridos, estariam despreparados.
Caetano Veloso e Rita Lee foram levianos, deselegantes e preconceituosos. Ofenderam o povo brasileiro, que abriga, afinal, uma multidão de silvas famélicos e desescolarizados.
De um lado, reforçam a ideia burra e cartorial de que o saber só existe se for sacramentado pela escola e que tal saber é condição sine qua non para o exercício do poder. De outro, pecam querendo nos fazer acreditar que quem está com fome carece de qualidades para o exercício da representação política.
A rainha do rock, debochada, irreverente e crítica, a quem todos admiramos, dessa vez pisou na bola. Feio.“Venenosa! Êh êh êh êh êh!/ Erva venenosa, êh êh êh êh êh!/ É pior do que cobra cascavel/ O seu veneno é cruel…/ Deus do céu!/ Como ela é maldosa!”.
Nenhum dos dois - nem Caetano, nem Rita - têm tutano para entender esse Brasil profundo que os silvas representam.
A senadora Marina da Silva tem mesmo cara de quem está com fome? Ou se trata de um preconceito da roqueira, que só vê desnutrição ali onde nós vemos uma beleza frágil e sofrida de Frida Kahlo, com seu cabelo amarrado em um coque, seus vestidos longos e seu inevitável xale? Talvez Rita Lee tenha razão em ver fome na cara de Marina, mas se trata de uma fome plural, cuja geografia precisa ser delineada. Se for fome, é fome de quê?
O mapa da fome
A primeira fome de Marina é, efetivamente, fome de comida, fome que roeu sua infância de menina seringueira, quando comeu a macaxeira que o capiroto ralou. Traz em seu rosto as marcas da pobreza, de uma fome crônica que nasceu com ela na colocação de Breu Velho, dentro do Seringal Bagaço, no Acre.
Órfã da mãe ainda menina, acordava de madrugada, andava quilômetros para cortar seringa, fazia roça, remava, carregava água, pescava e até caçava. Três de seus irmãos não aguentaram e acabaram aumentando o alto índice de mortalidade infantil.
Com seus 53 quilos atuais, a segunda fome de Marina é dos alimentos que, mesmo agora, com salário de senadora, não pode usufruir: carne vermelha, frutos do mar, lactose, condimentos e uma longa lista de uma rigorosa dieta prescrita pelos médicos, em razão de doenças contraídas quando cortava seringa no meio da floresta. Aos seis anos, ela teve o sangue contaminado por mercúrio. Contraiu cinco malárias, três hepatites e uma leishmaniose.
A fome de conhecimentos é a terceira fome de Marina. Não havia escolas no seringal. Ela adquiriu os saberes da floresta através da experiência e do mundo mágico da oralidade. Quando contraiu hepatite, aos 16 anos, foi para a cidade em busca de tratamento médico e aí mitigou o apetite por novos saberes nas aulas do Mobral e no curso de Educação Integrada, onde aprendeu a ler e escrever.
Fez os supletivos de 1º e 2º graus e depois o vestibular para o Curso de História da Universidade Federal do Acre, trabalhando como empregada doméstica, lavando roupa, cozinhando, faxinando.
Fome e sede de justiça: essa é sua quarta fome. Para saciá-la, militou nas Comunidades Eclesiais de Base, na associação de moradores de seu bairro, no movimento estudantil e sindical. Junto com Chico Mendes, fundou a CUT no Acre e depois ajudou a construir o PT.
Exerceu dois mandatos de vereadora em Rio Branco, quando devolveu o dinheiro das mordomias legais, mas escandalosas, forçando os demais vereadores a fazerem o mesmo. Elegeu-se deputada estadual e depois senadora, também por dois mandatos, defendendo os índios, os trabalhadores rurais e os povos da floresta.
Quem viveu da floresta, não quer que a floresta morra. A cidadania ambiental faz parte da sua quinta fome. Ministra do Meio Ambiente, ela criou o Serviço Florestal Brasileiro e o Fundo de Desenvolvimento para gerir as florestas e estimular o manejo florestal.
Combateu, através do Ibama, as atividades predatórias. Reduziu, em três anos, o desmatamento da Amazônia de 57%, com a apreensão de um milhão de metros cúbicos de madeira, prisão de mais 700 criminosos ambientais, desmonte de mais de 1,5 mil empresas ilegais e inibição de 37 mil propriedades de grilagem.
Tudo vira bosta
Esse é o retrato das fomes de Marina da Silva que - na voz de Rita Lee - a descredencia para o exercício da presidência da República porque, no frigir dos ovos, “o ovo frito, o caviar e o cozido/ a buchada e o cabrito/ o cinzento e o colorido/ a ditadura e o oprimido/ o prometido e não cumprido/ e o programa do partido: tudo vira bosta”.
Lendo a declaração da roqueira, é o caso de devolver-lhe a letra de outra música - ‘Se Manca’ - dizendo a ela: “Nem sou Lacan/ pra te botar no divã/ e ouvir sua merda/ Se manca, neném!/ Gente mala a gente trata com desdém/ Se manca, neném/ Não vem se achando bacana/ você é babaca”.
Rita Lee é babaca? Claro que não, mas certamente cometeu uma babaquice. Numa de suas músicas - ‘Você vem’ - ela faz autocrítica antecipada, confessando: “Não entendo de política/ Juro que o Brasil não é mais chanchada/ Você vem… e faz piada”. Como ela é mutante, esperamos que faça um gesto grandioso, um pedido de desculpas dirigido ao povo brasileiro, cantando: “Desculpe o auê/ Eu não queria magoar você”.
A mesma bala do preconceito disparada contra Marina atingiu também a ministra Dilma Rousseff, em quem Rita Lee também não vota porque, “ela tem cara de professora de matemática e mete medo”. Ah, Rita Lee conseguiu o milagre de tornar a ministra Dilma menos antipática! Não usaria essa imagem, se tivesse aprendido elevar uma fração a uma potência, em Manaus, com a professora Mercedes Ponce de Leão, tão fofinha, ou com a nega Nathércia Menezes, tão altaneira.
Deixa ver se eu entendi direito: Marina não serve porque tem cara de fome. Dilma, porque mete mais medo que um exército de logaritmos, catetos, hipotenusas, senos e co-senos. Serra, todos nós sabemos, tem cara de vampiro. Sobra quem?
Se for para votar em quem tem cara de quem comeu (e gostou), vamos ressuscitar, então, Paulo Salim Maluf ou Collor de Mello, que exalam saúde por todos os dentes. Ou o Sarney, untuoso, com sua cara de ratazana bigoduda. Por que não chamar o José Roberto Arruda, dono de um apetite voraz e de cuecões multi-bolsos? Como diriam os franceses, “il péte de santé”.
O banqueiro Daniel Dantas, bem escanhoado e já desalgemado, tem cara de quem se alimenta bem. Essa é a elite bem nutrida do Brasil…
Rita Lee não se enganou: Marina tem a cara de fome do Brasil, mas isso não é motivo para deixar de votar nela, porque essa é também a cara da resistência, da luta da inteligência contra a brutalidade, do milagre da sobrevivência, o que lhe dá autoridade e a credencia para o exercício de liderança em nosso país.
Marina Silva, a cara da fome? Esse é um argumento convincente para votar nela. Se eu tinha alguma dúvida, Rita Lee me convenceu definitivamente.
(*) Professor, coordena o Programa de Estudos dos Povos Indígenas (UERJ)e pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO)


José Wagner do Nascimento*
Graduado em Pedagogia e
pós-graduando em Educação e Teologia

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Luz e mistério (texto)

Os amigos de fé, esses que passam por aqui vezinquando, peço um pouquinho do seu tempo. Uma oração para um amigo, Júnior, que passa por momentos difíceis de saúde. Amanhã à tarde ela fará uma cirurgia para a retirada de um tumor na cabeça, descoberto recentemente.

Solidão na velhice...

A solidão na velhice é uma experiência profundamente marcada pela complexidade da existência humana. Com o passar dos anos, os vínculos soci...