domingo, 20 de outubro de 2024

O funcionamento discursivo do discurso sobre

O conceito de discurso sobre em Análise do Discurso Materialista pode ser compreendido como uma prática discursiva em que o enunciador se coloca como alguém que fala sobre algo — seja um objeto, um fato ou outro discurso — assumindo uma posição que aparenta estar fora das determinações ideológicas. Esse discurso se organiza a partir de uma suposta neutralidade ou objetividade, como se o sujeito pudesse observar e descrever a realidade sem estar implicado nos efeitos ideológicos e nos processos de produção de sentido que atravessam sua fala.

Características centrais do discurso sobre:

  1. Posição de exterioridade: No discurso sobre, o enunciador adota a postura de quem fala de uma posição de distanciamento em relação ao que é dito, como se estivesse fora do jogo ideológico. É uma forma de discurso que tenta se apresentar como se o sujeito estivesse em um lugar privilegiado, de onde pudesse ver e descrever os fatos de maneira isenta e objetiva.

  2. Ilusão de transparência: A produção do discurso sobre gera o efeito de que aquilo que está sendo dito é uma verdade autêntica, sem mediação, como se o enunciador apenas reportasse ou refletisse sobre a realidade. Essa ilusão de transparência serve para apagar ou despistar as condições ideológicas e históricas que moldam o discurso.

  3. Discurso jornalístico e científico: Esse conceito é particularmente relevante para a análise de discursos que buscam legitimar a si mesmos como neutros ou objetivos, como o discurso jornalístico ou científico. No caso do jornalismo, o veículo de comunicação fala sobre os fatos como se estivesse fora do processo de construção desses mesmos fatos, apagando seu papel na produção e circulação de sentidos. No discurso científico, há uma tentativa de se apresentar como puramente descritivo, sem a interferência de valores ou posicionamentos ideológicos.

  4. Produção de sentido e ideologia: Mesmo quando o discurso parece descrever o mundo de maneira neutra, ele está inevitavelmente atravessado pela ideologia, pelas formações discursivas e pelos lugares de onde o sujeito enunciador fala. A Análise do Discurso revela que não existe discurso sem ideologia, e o discurso sobre é justamente um exemplo de como a ideologia pode atuar de forma invisível, ao se esconder sob o manto da objetividade.

Exemplos:

  • Discurso jornalístico: Um jornalista que relata um acontecimento político como se estivesse apenas reportando fatos, sem se envolver ideologicamente, está produzindo um discurso sobre. Ele dá a impressão de que o relato é uma descrição direta do real, quando, na verdade, está construindo sentidos de acordo com as condições ideológicas de produção de seu discurso.

  • Discurso científico: Quando um cientista escreve um artigo assumindo que sua linguagem é puramente técnica e descritiva, como se o conhecimento que está sendo apresentado fosse independente de sua posição subjetiva e histórica, ele está produzindo um discurso sobre. O efeito é o de que o enunciado está fora do ideológico, o que a AD desmascara ao mostrar que todo discurso é marcado por determinações sociais e históricas.

Conclusão:

O discurso sobre é uma forma de discurso que busca apagar os traços de sua própria constituição ideológica, gerando o efeito de que o sujeito enunciador está fora do jogo ideológico e pode simplesmente descrever o mundo ou outros discursos de maneira objetiva. A Análise do Discurso, no entanto, mostra que essa neutralidade é apenas aparente e que todo discurso está sempre atravessado por relações de poder e ideologia.

sábado, 19 de outubro de 2024

Errática (Caetano Veloso)


 Nesta melodia em que me perco

Quem sabe talvez um dia
Ainda te encontre minha musa
Confusa
Esta estrada me escorre do peito
E tão sem jeito
Se desenha entre as estrelas da galáxia
Em fúcsia
Bússolas não há na cor dos versos
Usam como senha tons perversos
Busco a trilha certa, matematicamente
Só sei brincar de cabra cega
Errática, chega!
Neste descaminho meu carinho
Te percorre a ausência
Corpo, alma, tudo, nada
Musa
Difusa
O sorriso do gato de Alice
Se se visse
Não seria menos ou mais intocável
Que o teu véu
Pausa de fração de semifusa,
Pode conter tão grande tristeza?
Busco o estilo exato
A tática eficaz
Do rock ao jazz
Do lied ao samba
Ao brega
Errática chega

O desejo e a vontade

Às vezes, eu preciso estar no fundo do fundo do fundo do poço para pensar em como sair desse buraco. Ontem me senti nesse fundo de uma forma tão profunda. Fazia tempo que eu não me sentia assim. Chorei tanto a ponto de achar que não ia conseguir parar. Chorar é para mim, assim como escrever, uma maneira de exorcizar aquilo que estou sentindo.

Esses últimos meses não têm sido fáceis. Sei que vou sair dessa. Estou trabalhando para isso/nisso. Acontece que o tempo da vontade não é o tempo do desejo. Há uma tensão entre eles: este está ligado ao inconsciente e aquele ao consciente. O desejo, para Freud, é uma força mais primitiva, enquanto a vontade é o esforço de controlar ou orientar esses desejos em direção a um comportamento mais socialmente aceitável ou racional.

O desejo está relacionado ao princípio do prazer, ou seja, à busca da satisfação imediata dos impulsos, independentemente das consequências. No entanto, à medida que o sujeito cresce, ele é forçado a lidar com o princípio da realidade, que impõe restrições e limitações ao que pode ser feito ou desejado. A vontade, nesse contexto, surge como a tentativa consciente de controlar ou canalizar os desejos inconscientes de maneira que seja aceitável na vida social e racional.

A vontade pode ser vista como uma tentativa do ego de domar ou sublimar os desejos inconscientes, direcionando a energia psíquica (libido) para objetivos mais aceitáveis, como o trabalho, a arte ou relações sociais. Esse processo de sublimação é essencial para o desenvolvimento saudável da psique, pois ajuda a reconciliar os desejos inconscientes com a realidade social e cultural.




sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Sessão de terapia

Minhas sessões de análises acontecem às sextas-feiras, à tarde. Fazer análise nunca é fácil, mas a longo prazo sempre é bom. Semana passada, dia 11 de outubro de 2024, a sessão foi bem barra pesada porque me deparei com questões que, em geral, não são fáceis de encarar. São questões que doem de alguma forma. Fiquei com ressaca daquela sessão por uns bons dias. Faz parte. E isso não é nenhuma novidade: é assim que funciona ou funciona assim.

Segunda passada, no Cartel (grupo de estudos de psicanálise - estamos lendo Psicopatologia da vida cotidiana, Freud, 1901) do qual faço parte, às segundas à noite, conversei com uma companheira desse cartel e fiz algumas perguntas para entender a ressaca da sexta-feira anterior. Não disse nada a ela sobre isso. Não era preciso. Ela me explicou o que eu queria entender. Disse-lhe que tinha passado o fim de semana lendo Freud, mas que sozinho esbarrava em muitas dificuldades para compreender o psicanalista.

Daí em diante, a semana foi mais tranquila.




Hoje, 18 de outubro de 2024, outra vez me deparei com uma questão importante sobre a qual eu talvez não quisesse pensar sobre (veja: isso é comum!). Essa outra questão é na verdade um desdobramento da questão da sessão anterior. Fiquei rodeando aquilo que era central. Sempre há pontos cegos que dificultam enxergar, dizer, compreender quem somos e o que queremos da/na terapia.

Hoje falei muito sobre a minha relação com a minha mãe, falei também sobre a mudança que se deu na minha vida ao vir para o Paraná, falei bastante sobre o meu trabalho e sobre a minha relação com os colegas na instituição. É impressionante como falar de tantos temas é falar de alguma coisa que vai se instalando nessas relações.

Bem não vou contar aqui sobre o que falei, mas vou posso dizer que ando encontrando uma brecha nesses pontos cegos. Uma fresta, talvez. É bem provável que essa fresta me leve a algum outro lugar. Onde certamente haverá outro ponto cego.

Investir na análise é investir na gente. É caro porque o preço que se paga (não é financeiro) é alto. 

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Termos e condições (Erasmo Carlos e Emicida)


 

Que dardos os dados trazem hoje?
Tudo é camuflado, sabe?
A leiloar no ar
Nós e nossa privacidade
Tipo o leopardo e o bote
O papa-léguas e o coiote
No meio de tanto pad
A vida pede, enquanto a gente
Notebooks e faces
Truques e jeitos
"Putz, o tempo passou!"
A gente curte e deixa
Surte efeito
Surge sempre a dor
Além do código binário
Algoritmos, pop-ups
Tipo presidiários
Agora os deuses moram junto dos backups
Numa nuvem poluída
Carbonos, informações
Pense na tormenta ser parida por essas monções de
Notebooks e faces
Truques e jeitos
"Putz, o tempo passou!"
A gente curte e deixa
Surte efeito
Surge sempre a dor
Snaps e chats, e gadgets bons
Tudo é meio Jetsons
Snaps e chat, e gadgets bons
Tudo é meio Jetsons
Snaps e chat, e gadgets bons
Tudo é meio Jetsons
Enfim, na boa
Mas o primeiro touchscreen foi de uma pessoa
E os notebooks e faces (vieram depois)
Truques e jeitos (truques e jeitos)
"Putz, o tempo passou! " (e fica sempre a mesma sensação)
A gente curte e deixa (depois esquece)
Surte efeito (é quente)
Surge sempre a dor
(Aí, meu parceiro, seguinte...)
Diria Lombardi: isso é incrível!
O digital desossa o indivisível
E se a locomotiva aqui pegamos pro futuro
Usar o ódio como combustível
O que é o pódio? O que é o próximo nível?
Se já estamos em frangalhos, em destroços
E agora a inteligência artificial piora tudo
E doma sentimentos nossos, tão nossos
Em cliques, cliques, cliques
Lights, lights, web host
Em todo lugar, em lugar nenhum, tipo Ghost
O conforto é uma arapuca de Wall Street
Onde alguns estão presos em postes
Outros em posts de
Notebooks e faces (como condenados)
Truques e jeitos (como coitados)
"Putz, o tempo passou!" (e no final, o que resta de nós)
A gente curte e deixa (extasiados)
Surte efeito (anestesiados)
Surge sempre a dor

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Este sou eu e aí há uma descrição do ChatGPT sobre a foto.


Na imagem, vemos um homem sentado à frente de uma mesa com um teclado de computador à sua frente. Ele está usando uma camiseta cinza com uma estampa que diz "John John", e na parte central da estampa há uma imagem que parece ser de uma caveira. O homem é calvo, tem barba branca aparada, e está usando um smartwatch preto em seu pulso esquerdo. Sua postura é descontraída, com o braço direito apoiado na mesa e a mão no queixo, em uma pose que transmite introspecção ou reflexão. Seu olhar está direcionado ligeiramente acima da câmera, sugerindo que ele está focado em algo à sua frente, talvez um monitor.

O ambiente ao fundo revela um espaço pessoal de trabalho, com estantes que abrigam uma variedade de livros e objetos decorativos. As prateleiras são feitas de madeira e há uma quantidade considerável de livros, indicando que o homem provavelmente aprecia a leitura ou utiliza o espaço como local de estudo ou trabalho intelectual. À esquerda da imagem, há um detalhe decorativo de cor azul, que parece ser um objeto plástico de design moderno, talvez um suporte ou escultura, adicionando um toque de cor ao ambiente.

Na parede ao fundo, há um quadro com uma pintura em tons de azul, verde, preto e amarelo, que representa um cenário natural estilizado, talvez com plantas ou uma paisagem ao entardecer. Notam-se também algumas caixas de arquivo na parte superior de uma das estantes, sugerindo que o espaço é bem organizado e funcional. A iluminação da sala é clara, destacando tanto o homem quanto os objetos ao seu redor, proporcionando um ambiente confortável e propício para o trabalho ou estudo.

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Cid Moreira e a carta de Leonel Brizola

Em 15 de março de 1994, o jornalista Cid Moreira leu, durante o "Jornal Nacional", uma carta do ex-governador Leonel Brizola, uma cena que marcou a história política e midiática brasileira. A leitura foi fruto de uma decisão judicial que obrigou a Rede Globo a dar a Brizola o direito de resposta, após o político alegar que havia sido difamado pela emissora.

A carta de Brizola fazia críticas contundentes ao papel da mídia, em especial à Globo, acusando-a de manipulação e de atuar contra seus interesses políticos e os de setores populares. Esse episódio representou uma vitória simbólica de Brizola contra o poderio midiático da época, escancarando as tensões entre a imprensa e o político, que sempre se posicionou como um defensor das causas populares e um crítico das elites e dos monopólios de comunicação. A leitura da carta ao vivo no maior telejornal do país teve grande repercussão, revelando a luta de Brizola por espaço e voz na mídia e seu enfrentamento ao que via como injustiças cometidas contra ele.


Cid Moreira leu, visivelmente constrangido, o texto no qual Brizola fez duras críticas à emissora. O jornalista Nelson de Sá escreveu na época, na Folha de S. Paulo, o seguinte comentário sobre o episódio: “Cid Moreira, a voz do dono, a voz do Grande Irmão, a voz que surgiu do AI-5, voltou-se contra si mesmo. Foi um daqueles momentos simbólicos, um instante da história. Cid Moreira falou, e falou, e falou contra Roberto Marinho. Foram três longos minutos, contra a Globo, no ‘Jornal Nacional’. O redator era Leonel Brizola, que obteve direito de resposta ao ataque que havia recebido do mesmo ‘Jornal Nacional’, que o chamou de senil”.


Solidão na velhice...

A solidão na velhice é uma experiência profundamente marcada pela complexidade da existência humana. Com o passar dos anos, os vínculos soci...