domingo, 15 de junho de 2025

Amar ainda diz muito de quem somos



Às vezes a gente se pergunta, com certa angústia: o que fazer para sair de um relacionamento que já acabou? Mas talvez o verbo mais honesto aqui não seja “fazer”, e sim escutar. Escutar o que ainda nos prende, o que insiste em doer, o que ainda nos liga a esse outro que já não está — mas cuja ausência ainda ocupa espaço demais. Escutar com cuidado, com delicadeza, sem se cobrar pressa, mas também sem se deixar paralisar.

Nem tudo termina quando acaba. Há afetos que continuam circulando, silêncios que seguem dizendo, restos que resistem ao apagamento. Um amor não se desfaz com um adeus: ele se transforma devagar, escorrendo pelas frestas da memória, atravessando sonhos, frases soltas, músicas ... O fim de uma relação não é só um ato: é um processo. E, como todo processo, exige tempo, exige linguagem, exige elaboração.

Deslocar o amor de lugar: talvez seja essa a travessia possível. Não para esquecê-lo ou apagá-lo, mas para que ele não pese mais como um obstáculo, e sim componha — ainda que com dor — aquilo que nos constitui. Amar, mesmo quando já não se está mais com o outro, ainda diz muito de quem somos. E escutar isso, mesmo em silêncio, pode ser o começo de um novo modo de seguir.

quinta-feira, 12 de junho de 2025

O que falta não é testosterona — é coragem de olhar para si mesmo com honestidade.



É recorrente escutar de alguns homens (hétero, homo e enrustido) que a traição seria algo quase inevitável, justificada por um suposto excesso de testosterona. A biologia, nesse discurso, vira escudo e desculpa: como se os desejos fossem incontroláveis, como se o corpo decidisse sozinho e a consciência nada pudesse fazer. Essa forma de dizer transfere a responsabilidade para fora de si e reforça uma imagem antiga e conveniente do homem como ser dominado por impulsos. Há, aí, um apagamento calculado das escolhas, como se trair fosse apenas uma fatalidade hormonal — e não uma ação deliberada, atravessada por decisões, valores e omissões.

O que se silencia, nesses casos, é o debate sobre o caráter. Poucos desses homens falam do compromisso firmado, do respeito que se deve ao outro ou da escuta que falhou. Ao invés disso, preferem um discurso que os livra de culpa, como se fossem vítimas de sua própria fisiologia. Essa narrativa retira a traição do campo da ética e a desloca para o da natureza — como se ser homem implicasse, por essência, a impossibilidade de lealdade. Mas trair é um gesto com consequências afetivas e simbólicas, e sempre diz de uma escolha, por mais negada que ela seja. O silêncio sobre o caráter é, portanto, mais revelador do que qualquer confissão.

Talvez a mudança só comece quando os homens forem capazes de se responsabilizar por seus atos sem terceirizações biológicas. Admitir que se traiu porque se quis, porque se escolheu, porque se foi desonesto — e não porque o corpo mandou — é um passo duro, mas necessário. Enquanto isso não for dito, seguimos repetindo uma fábula confortável, que absolve o sujeito e condena os hormônios. E nessa fábula, o que falta não é testosteronaé coragem de olhar para si mesmo com honestidade.

domingo, 8 de junho de 2025

Por que insistimos nos laços frouxos?



Eu sigo um perfil no Instagram (aliás, eu sigo muitos perfis) que postam frases, comentários, pequenos poemas que dizem muito sobre o comportamento humano. Esse especificamente (@soureciproco) posta mensagens sobre os sentimentos, sobre solidão, sobre os amores que sentimos, que perdemos etc.

Esta semana recebi a postagem acima (que compartilhei no meu perfil (@asferraris) e que me fez pensar muito sobre ela. Desses pensamentos, surgiu esta postagem aqui. Vejam o que acham deles (do texto e da postagem). Ah, sigam os perfis!!!

Há um momento em que a gente percebe: insistir no que não é para nós é como tentar forçar um sapato apertado só porque ele parece bonito. Dói, incomoda, limita os passos. Mas, ainda assim, quantas vezes nos pegamos alimentando situações, relações ou ideias que não nos cabem mais? A força que investimos em manter o que não é para ser acaba nos distanciando daquilo que, de fato, poderia nos fazer florescer. E é nesse tempo gasto com o que não corresponde que adiamos o encontro com o que realmente importa.

Há algo de cruel em nutrir o que não nos serve: a gente vai se moldando para caber, se afastando de si mesmo aos poucos. O medo da perda, da solidão ou do fracasso sustenta laços frouxos, caminhos tortos, projetos que não dizem mais nada. Alimentar o que não é para nós é como regar uma planta de plástico — exige esforço, mas nunca floresce. E enquanto isso, o que é genuíno, aquilo que poderia nos alcançar de verdade, permanece à margem, esperando uma chance de ser visto, reconhecido, acolhido.

Adiar o que realmente é tem seu custo. Porque o tempo não pausa. Aquilo que poderia estar sendo construído, vivido, experimentado se retrai diante da ausência de espaço. E quando, enfim, nos damos conta, levamos junto o cansaço do que sustentamos e a frustração do que deixamos escapar. Desapegar do que não é fácil, mas é também o primeiro gesto para abrir lugar para o novo, para o que nos convoca com verdade — mesmo que venha com medo, com incerteza, com recomeço.

O mais curioso é que, muitas vezes, sabemos o que não é para nós. Sabemos — ainda que abafado — o que nos fere, o que nos aprisiona, o que já perdeu o sentido. Mas vamos adiando o enfrentamento, alimentando o engano, como quem teme o vazio que vem depois. Só que o vazio é também semente. E quando paramos de alimentar o que nos esvazia, o que é de verdade começa, enfim, a germinar.

domingo, 1 de junho de 2025

Caber no outro como quem encontra um lugar seguro




Há um amor que nos atravessa feito uma saudade que aperta o peito como se faltasse ar. É um amor que não se satisfaz com o som da voz, nem com a imagem refletida numa tela ou numa lembrança; é um amor que quer mais, que precisa do toque, do calor da pele, do cheiro, da presença física que faz o tempo parar por instantes. Ouvir o outro dizer "eu também sinto sua falta" até consola, mas é insuficiente: o desejo é de estar, de pertencer, de caber no outro como quem encontra um lugar seguro no meio de um mundo que sempre ameaça ruir. É um amor que pede um abraço que dure mais que o tempo, que seja mais que o gesto, que seja quase um esconderijo, uma concha onde o som do mundo se aquieta e o ritmo da respiração alheia embala o corpo cansado. Há momentos em que amar é querer ser segurado pelo outro como quem segura uma criança com medo do escuro: firme, com cuidado, sem pressa de soltar.

E quando se ama assim, intensamente, parece que nada é o bastante. Ver, ouvir, tocar: tudo é pouco. Há uma necessidade quase primitiva de sentir o outro inteiro, de se encaixar no peito alheio como se fosse ali, entre ossos e carne, o seu verdadeiro lar. O abraço vira casa, o toque vira prece, e o cheiro do outro é um fio invisível que costura as partes do mundo que pareciam desfeitas. Amar é também um jeito de querer ser acolhido, de pedir para o outro nos carregar por um instante, como se pudesse nos dar alívio da dor de existir. E nessa fusão que é abraço, o tempo some, as palavras cessam, e tudo o que resta é o desejo de permanecer ali: dois corpos, dois mundos que, por um momento raro e precioso, se tornam um só.

sábado, 31 de maio de 2025

Um convite para habitar o agora com mais atenção



Sonhei esta noite (ou parte dela) com a despedida de alguém que não me lembro quem era. Acordei com a sensação de que há sempre algo que fica por dizer, algo que se perde no tempo, algo que escapa. A gente nunca sabe quando será o último beijo, o último abraço, o último café com leite partilhado numa manhã qualquer, nem quando ouviremos aquela música que, sem aviso, se tornará a trilha de um tempo que já não volta. A vida se faz no intervalo entre o agora e o nunca mais, e quase sempre a gente está distraído demais para perceber que o que temos é só este instante – este e nenhum outro.

Vivemos como se houvesse sempre depois: depois a gente se fala, depois a gente combina, depois a gente toma aquele café, ouvia de novo aquela canção. Mas o "depois" é um terreno que nunca se firma, é promessa que não se cumpre. O tempo não avisa, não pede licença: ele simplesmente escorre. E quando a gente se dá conta, o que era presença virou memória, o que era possibilidade virou silêncio.

Talvez a vida seja, justamente, esse convite para habitar o agora com mais atenção, com mais corpo. Tomar o café sentindo o calor da xícara, ouvir a música como se fosse a última vez, dizer o que precisa ser dito com a urgência de quem sabe que o instante não se repete. Porque ele não se repete. Tudo que temos é agora – e é tão pouco, mas é tudo.

quarta-feira, 28 de maio de 2025

O silêncio pode ser tanto um peso quanto um recurso




Hoje, a quarta-feira amanheceu nublada, cinzenta e fria. A luz que atravessa a janela não aquece, não anima, apenas reforça o peso da melancolia que parece se espalhar por aqui. Os minutos avançam devagar, e o tempo lá fora — fechado, opaco, indeciso — encontra eco no que sinto aqui dentro. É um daqueles dias em que a solidão de estar em casa tem um tom mais forte, mas, paradoxalmente, é justamente o que o trabalho precisa agora: silêncio e concentração.

Trabalhar em casa, nisto que agora me ocupa, é necessário. Esse é um tempo de estudo, de leitura, de escrita, e requer um recolhimento que, por mais que traga um certo cansaço, também é produtivo. A música que toca ajuda a preencher um pouco o espaço, a dar ritmo a esse tempo mais lento. E o café, com seu calor discreto, parece ser o único vínculo com alguma sensação de aconchego, uma pausa breve entre os parágrafos, uma presença que acompanha.

Nessas horas, percebo como o silêncio pode ser tanto um peso quanto um recurso. O isolamento que o trabalho impõe, hoje, é uma condição: é na ausência do barulho que o pensamento encontra um caminho, é no frio da manhã que a escrita se insinua, quase tímida, pedindo passagem. E, mesmo com a melancolia que essa quarta-feira traz, há algo que pulsa — um compromisso com o fazer, um desejo de seguir, de construir um sentido no meio da quietude.

terça-feira, 27 de maio de 2025

O conhecimento não é um manual de soluções prontas: ele é um convite a sair do conforto



Vivemos tempos em que a ignorância é celebrada, quase como uma virtude. É como se o mundo preferisse o conforto das certezas prontas ao desconforto do pensamento. A leveza de não saber — ou de fingir que não sabe — tornou-se desejável. Quem pensa, sofre. Quem reflete, se irrita. Quem questiona, é visto como chato. No Brasil, essa ode à ignorância se manifesta em vários gestos: quando um filme como O Agente Secreto, premiado em Cannes com os troféus de melhor diretor e melhor ator, é atacado por razões partidárias, o alvo não é apenas a obra, mas o pensamento crítico que ela provocaO mesmo se vê no desprezo pelo ensino escolar, tratado como algo que precisa, obrigatoriamente, ter uma aplicação imediata — como se o saber servisse apenas para resolver problemas instantâneos e não para formar sujeitos capazes de interpretar o mundo.

Essa ignorância que se festeja também se revela nos ataques às diferenças: intolerâncias religiosas que tentam impor a fé de alguns a todos, preconceitos de raça, de classe, de gênero, que delimitam corpos e vidas, e um negacionismo que desafia até o mais básico, como a própria forma da Terra. A terraplanagem se tornou, além de um delírio, uma metáfora do achatamento do pensamento: tudo se nivela por baixo, as dúvidas são tratadas como traição, e o senso comum ocupa o lugar da reflexão. Influencers que desdenham da escola e desvalorizam o conhecimento reforçam essa lógica, como se o ensino fosse um desperdício de tempo — e o saber, uma perda de energia. Sob essa ótica, a educação não serve, porque não dá dinheiro rápido; a ciência não serve, porque desestabiliza certezas; a arte não serve, porque provoca. A ignorância é tomada como uma defesa contra o incômodo de pensar, e pensar virou, para muitos, um luxo desnecessário.

O saber, nesse contexto, se torna um fardo: quem pensa demais é acusado de pedante, de arrogante, de elitista. A reflexão, tão necessária, é tratada como um peso que estraga a leveza das conversas banais. O saber isola, como um ostracismo imposto a quem se recusa a repetir frases prontas. Pensar é estar só. Pensar é, muitas vezes, sentir a melancolia de ver o mundo repetindo velhos erros e disfarçando velhas violências de novidade. Contra essa celebração do vazio, é preciso defender a arte, a ciência, a educação — mesmo quando não servem para nada além de nos fazer duvidar, perguntar, desconfiar. Porque o conhecimento não é um manual de soluções prontas: ele é um convite a sair do conforto, a desnaturalizar o que parece dado, a ver o mundo com olhos inquietos. Num tempo em que a ignorância é erguida como modelo, pensar é, mais do que nunca, um ato de resistência.

Pensamento acordado dentro de nós

Há dias em que a cabeça não silencia. O corpo pede sono, mas a mente insiste em continuar — ideias, projetos, pensamentos atravessam a noite...