O domingo parecia um lençol estendido no varal, cheio de dobras onde o tempo se escondia. Acordei tarde, tomei café encarando o lado de fora (de mim), já que olhar para dentro me cansava demais. O dia seguia seu curso e, quando percebi, ele já se despedia, levando consigo a impressão de que algo importante poderia ter acontecido, mas não aconteceu. Ainda assim, guardei um certo alívio na ideia de haver dias que não cobram nada além de estar vivo.
ossǝʌɐ op: É UM ESPAÇO PARA EU ESCREVER SOBRE O QUE GOSTO E NÃO-GOSTO: FILMES, DISCOS, LIVROS, FOTOGRAFIAS, TV, OUTROS BLOGUES, PESSOAS, ASSUNTOS VARIADOS. NENHUM COMPROMISSO QUE NÃO SEJA O PRAZER. FIQUEM À VONTADE PARA CONCORDAR OU DISCORDAR (SEMPRE COM RESPEITO E COM ASSINATURA), SUGERIR OU OPINAR. A CASA É MINHA, MAS O ESPAÇO É PARA TODOS.
domingo, 30 de novembro de 2025
quinta-feira, 27 de novembro de 2025
Sem saber exatamente o quê
Há períodos em que o ritmo interno desacerta e tudo parece mais pesado do que deveria. Há dias em que levantar, responder mensagens e cumprir prazos soa como um esforço desproporcional. Neste momento, estou dentro desse redemoinho silencioso, tentando compreender o que acontece comigo enquanto a vida segue lá fora. Não se trata de grandes tragédias, apenas um desgaste acumulado que insiste em se anunciar.
O curioso é que investi cada centímetro da minha energia no trabalho, acreditando que a dedicação intensa pudesse funcionar como um escudo. Permaneci ocupado, sempre com algo a fazer, sempre com uma tarefa urgente. Foi um modo de evitar olhares mais profundos sobre aquilo que, no fundo, eu já sabia. A agenda cheia serviu de trilha para fugir de mim mesmo.
A parte mais incômoda dessa história é reconhecer a própria participação no enredo. Não existe vilão externo para apontar. Os obstáculos que enfrento nasceram de decisões que eu mesmo tomei, de expectativas que construí, de escolhas que fiz tentando dar conta de tudo. Esse reconhecimento pesa, aperta o peito e provoca uma mistura de angústia e ansiedade difícil de administrar.
Ainda assim, esse movimento me coloca diante de constatações que já não consigo contornar. Percebo que há limites que ignorei e sinais que preferi não enxergar, como se fosse possível adiar indefinidamente o encontro comigo mesmo. Não é uma epifania, apenas a evidência de um cansaço que cobra presença e pede nome. Talvez não seja o momento de transformar isso em algo produtivo ou inspirador — é simplesmente o que está posto. Sigo atravessando essa fase sem clareza sobre o que virá depois, convivendo com a sensação incômoda de que algo precisa mudar, mesmo sem saber exatamente o quê.
domingo, 23 de novembro de 2025
No excesso, algo pede passagem
Percebo também o quanto tenho falado. Falo sobre tudo, sobre assuntos leves, sobre bobagens, sobre o que não importa. Falo para preencher o ar, para não deixar brechas, como se o silêncio pudesse me encurralar. E, ao mesmo tempo, essa falação toda guarda algo de curioso: um gesto que tenta lidar com o incômodo. Há uma espécie de ritmo acelerado que vou sustentando, como quem tropeça de propósito para não precisar olhar para o que faz tropeçar.
Quando olho com mais cuidado, vejo que o excesso aparece como uma sobreposição: um gesto que procura cobrir fissuras que não sei de onde vêm. Há sempre algo que escapa. Uma sensação de intervalo, de descompasso, que tento contornar esticando os limites. Como se a rua, a comida, o trabalho e as palavras formassem uma superfície lisa capaz de esconder a irregularidade que insiste em aparecer.
Sei que há faltas que rondam tudo isso. Desconfio quais sejam elas. Elas acenam, mesmo quando tento ignorá-las. E reconhecer essas presenças não resolve nada de imediato, embora abra espaço para respirar de outro modo. Entre excessos e silêncios possíveis, sigo tentando compreender o que, afinal, pede passagem.
sábado, 15 de novembro de 2025
O desejo de saber: eis o cartel
Lacan imaginou o cartel como uma maneira diferente de estudar e pensar junto. Nada de salas cheias, palestras longas ou hierarquias entre quem sabe e quem aprende. No lugar disso, pequenos grupos — quatro ou cinco pessoas — que se reúnem em torno de um tema comum, algo que as instiga. Cada participante escolhe o que quer investigar dentro desse tema e o faz a partir da própria experiência, das suas leituras, das suas perguntas. O cartel nasce dessa aposta: que o saber não vem de cima, mas do trabalho compartilhado entre sujeitos que pensam.
O curioso é que, embora o cartel tenha essa aparência simples, ele carrega um gesto profundamente ético. Lacan propõe o cartel como um antídoto contra o mestre que sabe tudo. Ninguém ocupa o lugar de quem detém a verdade. Há apenas um coordenador — chamado de mais-um — cuja função não é ensinar, mas manter o desejo de trabalho em movimento. É ele quem ajuda o grupo a não se perder, a não se acomodar, a sustentar o pensamento quando o entusiasmo diminui ou quando o silêncio pesa demais.
Nesse sentido, o cartel é uma experiência de deslocamento. Cada um trabalha a partir do que não sabe, do ponto que o inquieta. Não se trata de chegar a uma conclusão definitiva, mas de produzir algo — um texto, uma reflexão, uma pergunta — que marque a passagem pelo tema. O saber que emerge ali não é propriedade de ninguém, mas efeito do encontro entre sujeitos que se interrogam juntos.
Talvez seja isso o mais interessante: o cartel não é um grupo de estudo no sentido tradicional, é quase uma forma de laço. Um lugar pequeno onde o pensamento pode respirar, tropeçar, retomar fôlego e se reinventar. Nele, o que conta não é a resposta final, mas o caminho de cada um — esse movimento que, ao final, nos ensina mais sobre o desejo de saber do que sobre o saber em si.
quarta-feira, 12 de novembro de 2025
O buraco sem fundo chamado WhatsApp
Há dias em que me pego pensando se o WhatsApp é mesmo um aplicativo de mensagens ou um portal interdimensional que suga o tempo, a paciência e, às vezes, a sanidade. Basta um segundo de distração — um café, um olhar pela janela, um suspiro — e lá vem ele vibrando de novo, com aquele plim insistente que parece dizer: “Não se iluda, ainda há algo a resolver!”. São mensagens que pedem, cobram, informam, lembram, perguntam, reenviam e atualizam. É como se o universo inteiro tivesse decidido se comunicar comigo ao mesmo tempo, e todos achassem que seu assunto é urgente.
Há o aluno que manda o trabalho, o mesmo que, cinco minutos depois, reenvia “a versão atualizada” — como se o tempo de leitura fosse elástico. Há quem peça confirmação de leitura, quem se desculpe por não vir à aula e quem diga que mandou mensagem e não recebeu resposta (como se o silêncio fosse uma ofensa pessoal). E eu ali, tentando organizar o pensamento entre uma mensagem e outra, enquanto o WhatsApp parece rir de mim: “você achou que ia descansar? Que graça!”.
Vivemos uma era do pra ontem, do “vi que você visualizou”, do “responde quando puder (mas eu sei que você pode agora)”. É o culto da urgência disfarçado de comunicação. A conversa já não é mais diálogo, é maratona. A cada resposta, nascem outras dez perguntas. A cada esclarecimento, surge um novo pedido de explicação. O aplicativo virou o espelho da nossa ansiedade coletiva: o medo de esperar, de perder, de ficar de fora. É o imediatismo em forma de balãozinho verde.
E no fim, entre um “bom dia, prof!” e um “segue o arquivo revisado”, percebo que o WhatsApp é um buraco sem fundo — e nós somos os equilibristas tentando manter um pouco de sossego na beira do abismo digital. Ainda não inventaram um botão de “modo contemplativo”, mas eu sigo sonhando com ele. Até lá, sigo respondendo, rindo e suspirando, enquanto o plim ecoa, incansável, no fundo do meu bolso e, confesso, também na minha cabeça.
domingo, 2 de novembro de 2025
Trabalhar até cansar do cansaço: o drama de quem não sabe quando é fim de semana
No sábado, em vez de curtir o friozinho e a chuva, chegou mais um artigo para avaliar antes de eu conseguir finalizar o meu. No domingo, em vez de paz, me lembro dos comprovantes das passagens, dos certificados dos eventos e da prestação de contas para a pós-graduação. O café da manhã virou extensão da agenda (a xícara de café está sob a tela do PC) e a mesa do almoço, uma espécie de escritório improvisado (como e leio ao mesmo tempo).
Enquanto os amigos postam fotos de churrascos, eu reviso os artigos (meus e dos orientandos) e respondo algumas mensagens. Há um momento em que o cérebro começa a pedir férias de si mesmo, mas o corpo, obediente, insiste em continuar.
E o pior: tudo isso parece sempre urgente. Cada tarefa vem disfarçada de catástrofe iminente — e não ouso dizer “faço depois” porque não vai dar tempo. O tempo livre virou um luxo, e a culpa, uma constante. É um tipo de exaustão que nem o sono resolve, porque mesmo dormindo o pensamento continua em modo “pendência”.
Mas aí chega a segunda-feira, e o ciclo recomeça, com a mesma convicção de quem acredita que agora vai dar tempo. Eu rio, mas é de nervoso — quando o corpo já desistiu de argumentar. Trabalhar demais é o esporte do professor. E o troféu? Uma pilha de tarefas cumpridas, 3 linhas novas no Lattes e um coração pedindo pausa.
sexta-feira, 10 de outubro de 2025
Primeiro eu, se tiver mais tempo, eu também...porque pra mim é só o que importa
Às vezes, a vida nos apresenta aquele tipo de sujeito que caminha com holofote portátil. Tudo precisa apontar para o seu EU, como se o restante do mundo fosse apenas cenário de apoio. Ele narra o próprio respirar, converte qualquer conversa em desfile e coleciona plateias improvisadas. O curioso é que essa centralidade não ilumina: ofusca. Há brilho, há ruído, falta mundo.
Em volta dele, as experiências alheias viram gatilho para discursos autorreferidos. Você conta algo e recebe de volta um espelho: o assunto retorna para o centro, onde ele se mantém entronizado. A escuta vira performance, a presença do outro vira pano de fundo. O resultado é um cotidiano empobrecido, repetitivo, circulando sempre na mesma órbita, com o EU ocupando cada centímetro do espaço simbólico.
Há quem confunda intensidade com importância. O eu inflado fala alto, gesticula, ocupa, mas não se compromete com o encontro. Encontro supõe deslocamento, curiosidade, abertura. Para quem se coloca como medida de todas as coisas, deslocar-se parece ameaça. Assim se sustenta uma rotina de monólogos: ele é visto, ele é ouvido; ele não vê, ele não ouve.
Cuidar dos vínculos pede um gesto simples e raro: ceder lugar. Dar passagem para que o outro exista. Isso não apaga ninguém; ao contrário, amplia. Quando o “eu” aprende a dividir a cena com o “nós”, a conversa respira, os afetos se espraiam, a vida ganha profundidade. Talvez o primeiro passo seja desinflar a necessidade de centralidade e experimentar uma presença menos ruidosa, mais atenta, mais ética no cotidiano.
Ele atravessou a vida como quem caminha sem abrigo
Gerson de Melo Machado atravessou a vida como quem caminha sem abrigo. Sua história, que poderia ter sido apenas a de um rapaz de 19 anos t...
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