quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

A cara do bolsonarista: Um tipo em construção

O bolsonarista, enquanto figura construída discursivamente, carrega uma marca que se apresenta como um tipo social. Ele é frequentemente descrito como um homem de meia idade, branco, com o rosto marcado pelo tempo. Mas essas características não são apenas biológicas: elas se tornam símbolos de uma posição ideológica. Seu semblante carrega a agressividade de um discurso que clama por ordem, autoridade e controle (seja lá o que isso signifique em sua cabeça). Ele é o retrato de uma parcela da sociedade que sente que perdeu privilégios ou que está em luta constante para mantê-los.

Esse rosto, entretanto,  é uma expressão coletiva, uma máscara moldada por um discurso golpista, armamentista e autoritário. Ele é atravessado por narrativas que glorificam a violência como solução e demonizam a diferença como ameaça. O bolsonarista é o sujeito que se interpela pela promessa de um retorno a uma suposta “grandeza nacional”, onde hierarquias rígidas e valores conservadores (até a meia noite) seriam restaurados. Sua agressividade não é apenas um traço, mas uma performance ideológica: ele atua como defensor de um mundo que julga estar desmoronando.

Mas é importante lembrar que, como toda construção discursiva, essa figura não é imutável. Ela é sustentada por um contexto histórico, por condições sociais e por uma constante retroalimentação de discursos ideológicos. O “bolsonarista” como tipo social é uma metáfora poderosa, mas também perigosa, pois reduz a complexidade do sujeito a uma formação imaginária. Compreendê-lo em sua multiplicidade é um desafio necessário para desarmar as armadilhas do discurso que sustenta essa identidade.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Pêcheux vs. Foucault



As diferenças entre Michel Pêcheux e Michel Foucault sobre o discurso, conforme analisado no texto*, centram-se principalmente em seus pressupostos epistemológicos e no papel que atribuem à linguagem e à história:

  1. Relação com a Linguística: Pêcheux baseia sua análise do discurso em um diálogo direto com a linguística, utilizando conceitos como enunciado e formação discursiva, e reconhecendo a língua como uma base necessária para o discurso. Já Foucault se distancia da linguística tradicional, concentrando-se em como os discursos estruturam os campos de saber e poder, sem depender diretamente de categorias linguísticas específicas​.

  2. Historicidade do Discurso: Ambos concordam que o discurso é histórico, mas divergem na forma de abordar essa historicidade. Pêcheux considera que o discurso é atravessado pela ideologia e que as formações discursivas são ancoradas em condições materiais específicas. Foucault, por sua vez, vê o discurso como um espaço onde se desenrolam práticas discursivas que constituem e organizam saberes, com ênfase na normatividade e na dispersão dos enunciados​.

  3. Conceito de Enunciação: Pêcheux trabalha o conceito de enunciação como uma operação que articula língua, ideologia e história, destacando a relação entre estrutura e processo. Foucault, por outro lado, vê a enunciação como uma prática que não se restringe às fronteiras da língua, mas que é fundamentalmente histórica e heterogênea, problematizando o sujeito e suas condições de possibilidade no campo discursivo​.

Assim, enquanto Pêcheux enfatiza a materialidade da língua e sua relação com as formações discursivas ideológicas, Foucault se concentra na materialidade do discurso como prática histórica e normativa, explorando a constituição dos sujeitos e dos campos de saber. Essas diferenças refletem abordagens complementares e, por vezes, tensas no estudo do discurso.

*Hugo Dumoulin. Les théorisations du discours de Michel Pêcheux et Michel Foucault à la lumière du concept d’énonciation. Philosophie. Université de Nanterre - Paris X, 2022.

Do avesso


 

Para 2025



Chega um novo ano, e com ele, o desejo de ajustar os ponteiros internos. Para 2025, minha maior meta é simples, mas profunda: viver um dia de cada vez. Sem ficar preso ao passado, que já não posso mudar, e sem alimentar a ansiedade sobre um futuro que ainda não chegou. Quero estar presente, aproveitar o tempo que tenho, porque é no aqui e agora que a vida realmente acontece. Parece óbvio, mas não é fácil – exige atenção, escolhas conscientes e, sobretudo, paciência comigo mesmo.

Também quero cuidar mais do corpo e da mente. Comer de forma mais saudável, retomar os exercícios e me lembrar de que meu bem-estar não é algo que posso adiar. No trabalho, minha meta é buscar o equilíbrio: nem me sobrecarregar, nem me acomodar. Fazer o necessário com dedicação, mas sem perder de vista que a vida não pode ser resumida a metas de produtividade. Quero ser mais contido com o dinheiro, planejar melhor e evitar gastos desnecessários, mas sem transformar isso em um peso.

Por fim, 2025 será o ano de me abrir mais para o mundo. Aceitar convites, sair mais de casa, ouvir mais e falar menos – porque ouvir é um ato de generosidade e aprendizado. Quero ser menos irritado com a burocracia da vida, afinal, nem tudo precisa ser perfeito para funcionar. E, acima de tudo, quero seguir em frente com leveza, encarando as imperfeições como parte do caminho. Não são metas grandiosas, mas são as que, para mim, fazem sentido agora. Que venha 2025, um dia de cada vez!

segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Autohomofobia que se alimenta de rejeitar o outro



A autohomofobia é um fenômeno que carrega em si a violência de um sistema opressor introjetado no sujeito. É o resultado de uma sociedade que constrói o desejo como algo normativo e punível quando escapa às regras impostas. O sujeito, interpelado por discursos homofóbicos, internaliza a rejeição à sua própria sexualidade, gerando um conflito profundo entre o que sente e o que acredita que deveria ser. Essa rejeição não apenas fere sua relação consigo mesmo, mas também mina a possibilidade de viver um amor pleno e sincero com o outro. Amar, nessas condições, torna-se um campo de batalha onde o desejo é ao mesmo tempo força vital e terreno de culpa.

Quando o amor do outro é sabotado, ele alimenta a narrativa interna da autohomofobia. Na tentativa de se proteger de julgamentos externos, o sujeito projeta sua própria rejeição no parceiro, na relação ou até na ideia de amar. O outro passa a ser um espelho do desejo que não se pode assumir, um lembrete doloroso do que a sociedade condena. O amor, que poderia ser espaço de encontro e cura, é transformado em mais uma arena de negação e autoagressão. O sujeito fere o outro na tentativa de sufocar em si mesmo aquilo que acredita não ter o direito de existir.

Romper esse ciclo exige um enfrentamento das ideologias que sustentam a autohomofobia e uma reconstrução discursiva do desejo. Reconhecer que o amor é possível, legítimo e humano é o primeiro passo para quebrar as correntes do ódio internalizado. Não se trata de uma mudança simples, mas de um processo de desconstrução de um sistema de sentidos que organiza o sujeito contra si mesmo. Amar o outro sem destruir o que ele representa só será possível quando o sujeito começar a amar a si mesmo como é, reescrevendo sua história e resistindo aos discursos que o interpelam como alguém que deve negar sua própria existência.

Mudando de sala






Chega o fim do ano, e com ele a sensação de que tudo passou rápido demais — ou devagar demais, dependendo de como foi sua jornada. É o momento em que olhamos para trás e enxergamos uma mistura de conquistas, tropeços e aquele tanto de coisa que prometemos fazer, mas ficou pelo caminho. E aquele outro tanto que não prometemos, mas as condições nos impuseram fazer.

Não foi fácil: teve gente que nos decepcionou, gente que se decepciou conosco, teve dias que pareciam intermináveis, e momentos em que o cansaço parecia maior do que a nossa vontade de seguir em frente. Teve semana que passou num piscar de olhos. Segunda-feira que chegou sem que a gente tenha descansado. Mas, de algum jeito, estamos aqui, inteiros (ou remendados), mas aqui.

No meio de toda a correria, certamente aprendemos algumas coisas. Aprendemos que nem sempre a vida vai nos entregar o que queremos, mas que ainda assim temos a força para buscar o que precisamos. Que não importa quantas vezes nos sentimos pequenos, frágeis, sozinhos ou perdidos, sempre há uma faísca que nos faz recomeçar. Talvez tenha sido um sorriso inesperado, um abraço silencioso, um olhar ou até uma palavra dita na hora certa. Entre as agruras, descobrimos que mesmo os dias difíceis deixam marcas que, mais tarde, se tornam histórias de superação.

E agora, enquanto o calendário se prepara para finalizar, não se trata apenas de esperar que o próximo ano seja melhor. Trata-se de reconhecer o tanto que já fizemos, o tanto que resistimos. De nos permitirmos acreditar, mais uma vez, que o que vem pela frente pode não ser novo, mas, visto com uma certa distância, menos dolorido. 

sábado, 28 de dezembro de 2024

A esperança que se renova no ano que chega


O Ano Novo, mais do que um evento marcado pelo calendário, é um espaço discursivo onde se inscrevem expectativas, desejos e projeções de um futuro melhor. No movimento materialista da análise do discurso, compreendemos que a esperança que se manifesta nesse momento não é um sentimento do sujeito (ainda que se menifeste nele como se nele surgisse), mas um sentido sustentado por relações históricas, sociais e ideológicas. Ao dizer "Feliz Ano Novo", carregamos sentidos que ultrapassam a literalidade, ecoando uma memória (em nossa formação social) de recomeços e transformações possíveis, mesmo em meio às contradições do cotidiano.

Essa esperança, no entanto, não surge como algo autônomo ou natural, mas como um efeito de sentido que articula as condições materiais de produção da vida. Ela é atravessada por ideologias que interpelam os sujeitos, fazendo-nos desejar o novo enquanto lidamos com marcas do passado e do presente. O Ano Novo torna-se, assim, um lugar onde o sujeito se projeta para além das limitações impostas, buscando no simbólico e no imaginário a possibilidade de mudança. É um tempo em que os discursos sobre superação e renovação ganham força, configurando-se como práticas que reafirmam a dimensão histórica da luta por dias melhores.

Na materialidade discursiva, a esperança do Ano Novo pode ser lida como resistência. Resistência às adversidades, às desigualdades, às imposições de um tempo que muitas vezes nos parece rígido e imutável. Esse gesto de desejar e projetar o "novo" é, em si, um ato político e simbólico que interpela os sujeitos a não apenas esperar, mas a agir. Que este Ano Novo seja um espaço de inscrição para novos sentidos, onde a palavra "esperança" não seja apenas a repetição do já-dito, mas a afirmação de que, ao produzir novos discursos, também somos capazes de produzir novas realidades.

Caber no outro como quem encontra um lugar seguro

Há um amor que nos atravessa feito uma saudade que aperta o peito como se faltasse ar. É um amor que não se satisfaz com o som da voz, nem c...