É recorrente escutar de alguns homens (hétero, homo e enrustido) que a traição seria algo quase inevitável, justificada por um suposto excesso de testosterona. A biologia, nesse discurso, vira escudo e desculpa: como se os desejos fossem incontroláveis, como se o corpo decidisse sozinho e a consciência nada pudesse fazer. Essa forma de dizer transfere a responsabilidade para fora de si e reforça uma imagem antiga e conveniente do homem como ser dominado por impulsos. Há, aí, um apagamento calculado das escolhas, como se trair fosse apenas uma fatalidade hormonal — e não uma ação deliberada, atravessada por decisões, valores e omissões.
O que se silencia, nesses casos, é o debate sobre o caráter. Poucos desses homens falam do compromisso firmado, do respeito que se deve ao outro ou da escuta que falhou. Ao invés disso, preferem um discurso que os livra de culpa, como se fossem vítimas de sua própria fisiologia. Essa narrativa retira a traição do campo da ética e a desloca para o da natureza — como se ser homem implicasse, por essência, a impossibilidade de lealdade. Mas trair é um gesto com consequências afetivas e simbólicas, e sempre diz de uma escolha, por mais negada que ela seja. O silêncio sobre o caráter é, portanto, mais revelador do que qualquer confissão.
Talvez a mudança só comece quando os homens forem capazes de se responsabilizar por seus atos sem terceirizações biológicas. Admitir que se traiu porque se quis, porque se escolheu, porque se foi desonesto — e não porque o corpo mandou — é um passo duro, mas necessário. Enquanto isso não for dito, seguimos repetindo uma fábula confortável, que absolve o sujeito e condena os hormônios. E nessa fábula, o que falta não é testosterona — é coragem de olhar para si mesmo com honestidade.