sábado, 19 de abril de 2025

19 de Abril: Dia dos Povos Indígenas e o Silêncio que Persiste

Uma data para lembrar, resistir e denunciar o descaso histórico com os primeiros habitantes do Brasil

O Dia dos Povos Indígenas, celebrado em 19 de abril, não é apenas um marco no calendário. É um grito de resistência diante de séculos de apagamento, violência e invasão. Os povos originários deste território não são passado, tampouco estereótipos presos ao folclore. São presença viva, que resiste com força e dignidade, mesmo quando o Estado, as leis e parte da sociedade viram o rosto para suas lutas e existências.

Em todo o país, comunidades indígenas enfrentam a ocupação ilegal de seus territórios, o avanço do garimpo, os conflitos com fazendeiros e grileiros — muitas vezes armados e protegidos por estruturas de poder. A demarcação de terras caminha a passos lentos ou retrocede. O racismo estrutural os afasta do acesso digno à saúde, educação e cidadania. São corpos e saberes que seguem sendo tratados como obstáculos ao progresso, quando na verdade são guardiões de um modo de vida que respeita a terra, a coletividade e a memória.

Celebrar esta data é, antes de tudo, um ato de escuta e solidariedade. É reconhecer que não há justiça social possível sem os povos indígenas, sem o direito à terra, à cultura, à existência. O 19 de abril não deve ser reduzido a homenagens formais: é preciso dar visibilidade às denúncias, fortalecer as vozes indígenas e repensar, profundamente, a maneira como seguimos ocupando um território que não nos pertence por origem. Que essa data nos convoque ao compromisso político com a vida indígena — em sua diversidade, em sua sabedoria e em sua urgência.

quinta-feira, 17 de abril de 2025

Da Série: Contos Mínimos



Ela seguia o trilho do açúcar como sempre, mas naquele dia, parou. O farelo doce estava ali, intacto, à disposição — e, no entanto, faltava alguma coisa, o seu companheiro que sumira na última tempestade. Voltou sozinha para o formigueiro, arrastando não o grão, mas uma saudade miúda que cem patas não conseguiam carregar.

sábado, 12 de abril de 2025

Da Série: Contos mínimos

Tenho morrido um pouco nesses dias. É uma morte discreta. Feita de silêncios, promessas quebradas, olhares desviados e muito desânimo. Num dia me ausento de mim, no outro me escapo e na sequência desapareço. Certo de que sou despercebido.




sexta-feira, 11 de abril de 2025

Escrever é uma forma de escuta



Escrever, para mim, é uma forma de escuta. Não apenas uma escuta do mundo, mas sobretudo uma escuta de mim mesmo. Quando escrevo, as palavras que surgem na tela muitas vezes me surpreendem, como se viessem de um lugar que eu não alcançaria apenas pensando em silêncio. É como se ao escrever eu me colocasse frente a frente comigo — com minhas hesitações, meus desejos, minhas contradições. O ato de escrever se torna, assim, uma espécie de espelho que não reflete o que já sei, mas o que preciso descobrir.

Essa escrita que me escuta é também uma forma de me pensar mais. Não se trata de organizar ideias de modo linear ou concluir algo definitivo, mas de ir tateando sentidos, desmontando certezas, redesenhando percepções. O movimento das palavras na tela do computador acompanha o movimento do meu pensamento, que muitas vezes só se deixa ver por meio da linguagem. Escrever me obriga a pausar, a olhar com mais cuidado para o que passa dentro de mim — como se a língua me exigisse um mergulho mais lento, mais atento, mais comprometido com o que pulsa.

Além disso, escrever é o modo mais potente que conheço de me conectar com o que sinto e penso. Há sentimentos que só consigo nomear depois que escrevo sobre eles. Há pensamentos que só se tornam claros quando ganham forma escrita. A escrita me dá essa possibilidade de atravessar o emaranhado da vida interna e torná-lo, ao menos por instantes, visível. Ela me ajuda a perceber os deslocamentos, as insistências, os silêncios que também falam — e que dizem tanto sobre mim quanto as palavras que consigo enunciar.

Escrever, por fim, é uma maneira de refletir sobre quem sou e sobre o lugar que ocupo no mundo. É um exercício de subjetivação, de posicionamento, de escavação do próprio dizer. Quando escrevo, me coloco como sujeito atravessado pela história, pela ideologia, pelas experiências que me constituem. O que escrevo não é neutro, nem transparente — carrega marcas, filiações, afetações. E é nesse processo que, ao mesmo tempo em que escrevo, também sou escrito: pela língua, pelo tempo, pelos sentidos que me atravessam.

domingo, 6 de abril de 2025

Da Série: Contos Mínimos

O tempo tinha feito seu trabalho: os gestos não se encaixavam mais, as palavras vinham pesadas e o espaço já não era feito de espera, mas de distância, tecida por dores e cansaço de tudo que não dissemos. Sentamos como dois estranhos tentando resgatar algo que o tempo dissolveu sem pena. Entendi enfim que retornos só existem na memória — e mesmo lá, perdem o brilho.




segunda-feira, 31 de março de 2025

Entre o movimento e a pausa


Nosso tempo encarnado é um breve instante diante da imensidão do mundo. Habitar um corpo é experimentar, a cada dia, a delicada consciência da própria finitude, marcada por alegrias passageiras e dores que nos atravessam quase sempre sem aviso. A vida se faz assim, entre o movimento e a pausa, entre encontros inesperados e despedidas inevitáveis, revelando-nos constantemente nossa fragilidade e força diante da passagem inexorável do tempo.

É justamente por sua delicadeza que a vida nos toca tão profundamente, nos surpreendendo em pequenos gestos e silêncios prolongados. A vida é sempre hiância, abertura inesperada, espaço de faltas e desejos jamais plenamente satisfeitos. É nessa abertura, nesse intervalo, que habitam nossos sonhos, angústias, esperanças e também nossa humanidade mais profunda. Reconhecer a hiância da vida é aceitar que somos feitos não só do que conquistamos, mas também daquilo que nunca conseguimos alcançar plenamente.

Assim, nosso tempo encarnado convida-nos à delicadeza do olhar, à aceitação das faltas e ao acolhimento das perguntas que permanecem sem resposta. Viver é dançar à beira do abismo, é saber que somos transitórios, que cada instante é único, irrepetível, sempre marcado pela ausência que o atravessa. É precisamente essa consciência que confere beleza e sentido à existência: saber que somos efêmeros nos permite amar mais profundamente, cuidar mais atentamente e abraçar com maior intensidade cada instante desse tempo que nos é dado viver.

quinta-feira, 27 de março de 2025

Nem todo sentimento precisa ser imediatamente decifrado


Ultimamente tenho me sentido como um peixe fora d’água — não tanto por estar sendo expulso de algum lugar, mas talvez por já não reconhecer a familiaridade que antes havia nos espaços e nas conversas. Há algo de deslocamento que não é apenas externo; percebo que, em muitos momentos, sou eu mesmo quem se retira, quem se mantém à margem, como quem escolhe o silêncio não por falta de palavras, mas por cansaço delas. A presença dos outros, que antes mobilizava curiosidade ou desejo de escuta, agora me soa distante, às vezes até excessiva. Tenho estado mais ausente de mim no meio dos outros.

Reconheço, no entanto, que esse sentimento de desencontro não é passivo. Eu também tenho me colocado nesse lugar — talvez por defesa, talvez por uma tentativa de reorganizar sentidos internos que ainda não nomeei. Não é desprezo pelas pessoas, tampouco uma arrogância emocional. É mais uma exaustão delicada, uma espécie de saturação da socialidade cotidiana. As conversas repetem gestos, giram em torno de temas que não me atravessam mais da mesma forma. E eu, nessa escuta que se ausenta, me percebo cada vez mais no intervalo entre estar e querer estar.

Não tenho negado esse estado. Pelo contrário: tenho tentado habitá-lo com a dignidade possível, reconhecendo que o humor também tem pausas, e que o desejo de conexão não é uma constância sem falhas. Talvez esse silêncio em mim esteja dizendo algo que ainda não entendo completamente — e tudo bem. Nem todo sentimento precisa ser imediatamente decifrado. Às vezes, ser um peixe fora d’água é também um modo de respirar diferente, de procurar outro fôlego, ainda que ele venha com a estranheza do que não se controla.

Caber no outro como quem encontra um lugar seguro

Há um amor que nos atravessa feito uma saudade que aperta o peito como se faltasse ar. É um amor que não se satisfaz com o som da voz, nem c...