sábado, 31 de maio de 2025

Um convite para habitar o agora com mais atenção



Sonhei esta noite (ou parte dela) com a despedida de alguém que não me lembro quem era. Acordei com a sensação de que há sempre algo que fica por dizer, algo que se perde no tempo, algo que escapa. A gente nunca sabe quando será o último beijo, o último abraço, o último café com leite partilhado numa manhã qualquer, nem quando ouviremos aquela música que, sem aviso, se tornará a trilha de um tempo que já não volta. A vida se faz no intervalo entre o agora e o nunca mais, e quase sempre a gente está distraído demais para perceber que o que temos é só este instante – este e nenhum outro.

Vivemos como se houvesse sempre depois: depois a gente se fala, depois a gente combina, depois a gente toma aquele café, ouvia de novo aquela canção. Mas o "depois" é um terreno que nunca se firma, é promessa que não se cumpre. O tempo não avisa, não pede licença: ele simplesmente escorre. E quando a gente se dá conta, o que era presença virou memória, o que era possibilidade virou silêncio.

Talvez a vida seja, justamente, esse convite para habitar o agora com mais atenção, com mais corpo. Tomar o café sentindo o calor da xícara, ouvir a música como se fosse a última vez, dizer o que precisa ser dito com a urgência de quem sabe que o instante não se repete. Porque ele não se repete. Tudo que temos é agora – e é tão pouco, mas é tudo.

quarta-feira, 28 de maio de 2025

O silêncio pode ser tanto um peso quanto um recurso




Hoje, a quarta-feira amanheceu nublada, cinzenta e fria. A luz que atravessa a janela não aquece, não anima, apenas reforça o peso da melancolia que parece se espalhar por aqui. Os minutos avançam devagar, e o tempo lá fora — fechado, opaco, indeciso — encontra eco no que sinto aqui dentro. É um daqueles dias em que a solidão de estar em casa tem um tom mais forte, mas, paradoxalmente, é justamente o que o trabalho precisa agora: silêncio e concentração.

Trabalhar em casa, nisto que agora me ocupa, é necessário. Esse é um tempo de estudo, de leitura, de escrita, e requer um recolhimento que, por mais que traga um certo cansaço, também é produtivo. A música que toca ajuda a preencher um pouco o espaço, a dar ritmo a esse tempo mais lento. E o café, com seu calor discreto, parece ser o único vínculo com alguma sensação de aconchego, uma pausa breve entre os parágrafos, uma presença que acompanha.

Nessas horas, percebo como o silêncio pode ser tanto um peso quanto um recurso. O isolamento que o trabalho impõe, hoje, é uma condição: é na ausência do barulho que o pensamento encontra um caminho, é no frio da manhã que a escrita se insinua, quase tímida, pedindo passagem. E, mesmo com a melancolia que essa quarta-feira traz, há algo que pulsa — um compromisso com o fazer, um desejo de seguir, de construir um sentido no meio da quietude.

terça-feira, 27 de maio de 2025

O conhecimento não é um manual de soluções prontas: ele é um convite a sair do conforto



Vivemos tempos em que a ignorância é celebrada, quase como uma virtude. É como se o mundo preferisse o conforto das certezas prontas ao desconforto do pensamento. A leveza de não saber — ou de fingir que não sabe — tornou-se desejável. Quem pensa, sofre. Quem reflete, se irrita. Quem questiona, é visto como chato. No Brasil, essa ode à ignorância se manifesta em vários gestos: quando um filme como O Agente Secreto, premiado em Cannes com os troféus de melhor diretor e melhor ator, é atacado por razões partidárias, o alvo não é apenas a obra, mas o pensamento crítico que ela provocaO mesmo se vê no desprezo pelo ensino escolar, tratado como algo que precisa, obrigatoriamente, ter uma aplicação imediata — como se o saber servisse apenas para resolver problemas instantâneos e não para formar sujeitos capazes de interpretar o mundo.

Essa ignorância que se festeja também se revela nos ataques às diferenças: intolerâncias religiosas que tentam impor a fé de alguns a todos, preconceitos de raça, de classe, de gênero, que delimitam corpos e vidas, e um negacionismo que desafia até o mais básico, como a própria forma da Terra. A terraplanagem se tornou, além de um delírio, uma metáfora do achatamento do pensamento: tudo se nivela por baixo, as dúvidas são tratadas como traição, e o senso comum ocupa o lugar da reflexão. Influencers que desdenham da escola e desvalorizam o conhecimento reforçam essa lógica, como se o ensino fosse um desperdício de tempo — e o saber, uma perda de energia. Sob essa ótica, a educação não serve, porque não dá dinheiro rápido; a ciência não serve, porque desestabiliza certezas; a arte não serve, porque provoca. A ignorância é tomada como uma defesa contra o incômodo de pensar, e pensar virou, para muitos, um luxo desnecessário.

O saber, nesse contexto, se torna um fardo: quem pensa demais é acusado de pedante, de arrogante, de elitista. A reflexão, tão necessária, é tratada como um peso que estraga a leveza das conversas banais. O saber isola, como um ostracismo imposto a quem se recusa a repetir frases prontas. Pensar é estar só. Pensar é, muitas vezes, sentir a melancolia de ver o mundo repetindo velhos erros e disfarçando velhas violências de novidade. Contra essa celebração do vazio, é preciso defender a arte, a ciência, a educação — mesmo quando não servem para nada além de nos fazer duvidar, perguntar, desconfiar. Porque o conhecimento não é um manual de soluções prontas: ele é um convite a sair do conforto, a desnaturalizar o que parece dado, a ver o mundo com olhos inquietos. Num tempo em que a ignorância é erguida como modelo, pensar é, mais do que nunca, um ato de resistência.

domingo, 25 de maio de 2025

Quando a escrita diz de mim alguma coisa que eu mesmo não sabia (e não desconfiava)



A escrita dizer algo de mim para mim é, talvez, um dos movimentos mais estranhos e necessários. Não se trata de contar uma história, relatar fatos ou registrar acontecimentos para o outro, mas de construir uma conversa íntima com aquilo que, por vezes, escapa ao saber sobre si. Quando escrevo, busco um ritmo, uma cadência que me desloque da superfície dos dias e me aproxime daquilo que, sem saber, atravessa o meu dizer: um afeto, uma memória, um gesto que eu ainda não nomeei, mas que insiste em me habitar. A escrita, assim, é uma ferramenta de escuta – uma maneira de me ouvir, de me surpreender com o que surge, de me reconhecer no que não sabia estar ali.

Há um estranhamento que acompanha esse processo: o texto me devolve um rosto que eu não reconhecia, como um espelho embaçado que, aos poucos, revela contornos inesperados. Escrever é encontrar, no tropeço das palavras, o traço de uma pergunta que eu não sabia fazer, ou de uma história que, de tão silenciada, já quase não me pertencia. É abrir espaço para aquilo que não se encaixa nos projetos de linearidade, no discurso controlado, no currículo ou na biografia. A escrita, assim, não é apenas um testemunho: é um gesto de escavar, de tatear os limites do dizer e de perceber que o silêncio também fala.

Nessa conversa com o texto, o tempo se embaralha: passado, presente e futuro se atravessam, e o que eu pensei que fosse apenas memória se revela como desejo, como projeto, como medo. A escrita, então, é um ato de convocar sentidos – ela me interpela, me transforma, me obriga a repensar o que eu achava que sabia sobre mim. É por isso que escrever para mim mesmo não é fácil, nem confortável: é sempre uma travessia, um convite a deixar cair as certezas e a arriscar escutar o que ainda não tem nome.

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Nem tudo que se afasta deixa de ser importante. Nem toda presença constante é sinônimo de afeto verdadeiro




A gente se acostuma. Não de uma vez, nem sem resistência. Mas, aos poucos, como quem muda de casa e só depois de algum tempo para de procurar o interruptor de luz onde ele já não está. Com o tempo, o corpo entende que algumas presenças se tornaram raras, que certos nomes não aparecem mais na tela do celular e que aquele silêncio — antes estranho — começa a fazer parte da paisagem.

Acostumar-se, aqui, não tem nada de desamor ou frieza. É só que a vida, mesmo sem aviso, vai redesenhando os encontros, mudando o tom das conversas, afastando os corpos e, às vezes, até os afetos. E a gente aprende a seguir, mesmo com a lembrança de quem ficou longe. Não é sobre fechar a porta, mas sobre deixar que o tempo areje o que ficou dentro.

Há pessoas cuja ausência vira presença sutil: um cheiro que passa na rua, uma música que começa a tocar, uma frase que volta do nada. E mesmo assim, mesmo com esses vestígios, a gente vai aprendendo a conviver com a distância, sem precisar brigar com ela. Porque acostumar-se não é desistir, é encontrar um jeito menos doloroso de continuar.

No fim das contas, talvez a maior lição seja essa: nem tudo que se afasta deixa de ser importante. Nem toda presença constante é sinônimo de afeto verdadeiro. E a gente aprende — no silêncio das ausências e na paz possível de certas distâncias — que há formas novas de sentir, de lembrar e de seguir.

domingo, 18 de maio de 2025

Era só não dizer



Algumas palavras carregam mais do que parecem. Ditas no tempo errado, diante da pessoa errada, ou sob a desculpa da espontaneidade, deixam rastros. Nem sempre é o que se diz, mas o fato de ter sido dito. Uma notícia compartilhada sem filtro, um comentário lançado no meio de uma conversa, uma frase solta como quem não mede — ou mede demais. Há formas de falar que soam como pequenas provocações, mesmo quando ditas com um sorriso.

Nem todo mundo diz sem intenção. Às vezes, é só descuido mesmoa falta de perceber que o outro escuta de outro lugar. Mas às vezes não. Às vezes é cálculo: um jeito de marcar presença, de cutucar, de testar os limites do que ainda pode doer. A fala, nesses casos, não é sobre o que se vive agora, mas sobre o efeito que se deseja causar. E quando isso acontece, não há leveza que disfarce: fica a pergunta suspensa no ar — precisava?

Falar, a gente fala o tempo todo. Mas pensar antes, quase nunca. E é aí que mora o problema: na pressa de dizer, a gente esquece que nem tudo precisa virar enunciado. Há coisas que poderiam muito bem ter ficado no pensamento, na confidência de um amigo, na página de um diário. Dizer é escolher. E escolher com cuidado é também reconhecer que o outro escuta com o corpo todo — inclusive com as feridas que ainda não fecharam.

sábado, 17 de maio de 2025

Isso também é amor



Nem toda relação termina quando o amor acaba. Às vezes, o que se encerra é a possibilidade de seguir junto, mesmo que algo ainda pulse. E isso pode causar certa confusão. Não porque exista uma vontade de reatar, mas porque a sensação de amor remanescente nos faz pensar que talvez pudesse ter sido diferente. Não é desejo de retorno, é suposição. Uma hipótese imaginária sobre o que teria sido, caso outras escolhas tivessem sido feitas.

Mas é justamente aí que as coisas se embaralham. Amor e relação são realidades distintas. Um sentimento pode permanecer, mesmo quando a convivência não encontra mais sustentação. O amor pode até se manter vivo, mas isso não significa que a relação tenha como recomeçar.

Não há necessidade de transformar esse amor em problema, nem de tratá-lo como dívida ou promessa. Às vezes, o que fica clame apenas por ser reconhecido como parte do que fomos, como algo que nos atravessou. E tudo bem que continue ali, de outro modo.

O amor que permanece, mesmo fora da relação, pode encontrar outros modos de existir: como memória afetiva, como respeito, como compreensão mais madura do que se viveu. E talvez seja justamente isso o mais difícil: entender que não se trata de apagar o que se sentiu, mas de acolher que aquilo que houve teve seu tempo, seu jeito e seus limites. E que isso também é amor.

Pensamento acordado dentro de nós

Há dias em que a cabeça não silencia. O corpo pede sono, mas a mente insiste em continuar — ideias, projetos, pensamentos atravessam a noite...