segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Ele atravessou a vida como quem caminha sem abrigo



Gerson de Melo Machado atravessou a vida como quem caminha sem abrigo. Sua história, que poderia ter sido apenas a de um rapaz de 19 anos tentando encontrar algum lugar no mundo, se desdobra como um retrato de desamparo. Recebido pela rede pública ainda criança, circulando entre atendimentos, instituições e fugas, ele parecia sempre escapar das mãos que tentavam segurá-lo. Aos olhos de quem o acompanhou desde a infância, havia ali um menino que não teve chance de aprender a existir com alguma proteção mínima.

O domingo em que perdeu a vida no Parque Arruda Câmara expôs o ponto extremo dessa trajetória. O ato de escalar muros e ingressar no recinto da leoa, mais do que uma aventura inconsequente, parece ecoar uma luta silenciosa com limites que nunca lhe foram ofertados de modo consistente. A cena registrada por visitantes transformou-se rapidamente em notícia, mas antes disso havia um jovem atravessado por uma sucessão de ausências, diagnósticos, tentativas de cuidado e interrupções bruscas.

A morte de Gerson, provocada pela reação instintiva do animal, tornou-se um acontecimento que não se encerra no laudo pericial. O parque fechado, a prefeitura instaurando apurações e a leoa em estado de estresse compõem o cenário imediato, mas o que permanece é outra dimensão: a de um percurso marcado por fragilidades, abandonos e escolhas que nunca foram totalmente dele. É impossível olhar para a imagem daquele momento sem pensar nos caminhos que o empurraram até ali.

O que se inscreve agora em nossa memória é mais do que o ataque no zoológico. A história de Gerson convoca perguntas sobre o que se faz, enquanto sociedade, com pessoas que nascem e crescem fora de qualquer horizonte de cuidado contínuo. Sua morte deixa uma tristeza áspera, dessas que não se desfazem com o tempo, porque aponta para distâncias que se ampliam entre quem tem amparo e quem aprende a sobreviver sozinho. A vida desse rapaz, interrompida de maneira brutal, nos coloca diante de uma ausência que não pode ser naturalizada.

Ele atravessou a vida como quem caminha sem abrigo

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