Na penumbra do quarto empoeirado, havia uma cômoda antiga que guardava mais do que roupas esquecidas: em sua gaveta do meio, repousava um bicho-preguiça, acomodado como se sempre tivesse pertencido àquele espaço estreito. Entre camisetas enroladas, ele encontrava o ninho perfeito como quem desafia o relógio. As meias viravam travesseiros, os lenços, mantas improvisadas, e o cheiro de madeira antiga misturava-se ao calor de sua presença. Nada ali se movia rápido; o ranger da gaveta era a única interrupção da quietude. Havia, naquele esconderijo improvável, uma lição escondida sobre o repouso e a calma.
ossǝʌɐ op: É UM ESPAÇO PARA EU ESCREVER SOBRE O QUE GOSTO E NÃO-GOSTO: FILMES, DISCOS, LIVROS, FOTOGRAFIAS, TV, OUTROS BLOGUES, PESSOAS, ASSUNTOS VARIADOS. NENHUM COMPROMISSO QUE NÃO SEJA O PRAZER. FIQUEM À VONTADE PARA CONCORDAR OU DISCORDAR (SEMPRE COM RESPEITO E COM ASSINATURA), SUGERIR OU OPINAR. A CASA É MINHA, MAS O ESPAÇO É PARA TODOS.
domingo, 31 de agosto de 2025
sexta-feira, 29 de agosto de 2025
O macaco vermelho e a jaula de Paul Preciado
Franz Kafka escreveu, em 1917, o conto Um relatório para a Academia. Nele, um macaco chamado Pedro Vermelho narra como, após ser capturado e trancado em uma jaula, percebeu que sua única saída era aprender a linguagem e os costumes humanos. Não se tratava de libertação, mas de sobrevivência: ou permanecia na jaula da sua animalidade, condenado à morte, ou aceitava a outra jaula — a subjetividade humana, repleta de regras, domesticação e artifícios.
Paul B. Preciado retoma essa metáfora e a desloca para pensar sua própria condição de homem trans e para questionar os limites da subjetividade que o mundo normativo impõe. Assim como Pedro Vermelho, Preciado não romantiza a passagem de uma prisão para outra. Reconhece que, ao adentrar a “normalidade” exigida — seja pela medicina, pela lei ou pela psicanálise —, não se conquista liberdade, apenas se troca de gaiola.
O que Preciado denuncia é a violência invisível dessa troca. O macaco de Kafka não escolhe tornar-se humano; faz isso porque é a única forma de escapar da morte. O sujeito trans, por sua vez, é frequentemente empurrado para modelos identitários pré-fabricados: ou se adequa às normas médicas e jurídicas para existir socialmente, ou permanece preso na jaula da marginalização. Em ambos os casos, a liberdade aparece como miragem: sempre há uma estrutura que delimita o possível.
Nesse movimento, Preciado fala a partir da sua “jaula escolhida e redesenhada”, lembrando que toda escolha é atravessada por condições históricas e políticas. Ele não reivindica uma saída definitiva, mas expõe a precariedade do espaço em que habita: um lugar de invenção, mas também de vigilância. A jaula pode ter sido reformada, ampliada, pintada de outras cores — ainda assim, continua sendo uma jaula.
A força dessa metáfora está em desestabilizar a ilusão da liberdade plena. Assim como o macaco vermelho, o sujeito contemporâneo vive entre grades que mudam de forma, mas não deixam de aprisionar. O gesto de Preciado não é o de lamentar, mas o de dar visibilidade a esse jogo de capturas e adaptações. O que parece emancipação pode ser apenas outro modo de confinamento, outra armadilha disfarçada de porta aberta.
Ao retomar Kafka, Preciado nos convida a pensar sobre nossas próprias jaulas. Quais são aquelas em que entramos para sobreviver? Quais redesenhamos para torná-las habitáveis? E até que ponto acreditamos ser livres quando apenas mudamos de cela? Talvez seja esse o desafio: aprender a reconhecer as grades sem nos deixar enganar pelas tintas novas com que tentam escondê-las.
quinta-feira, 28 de agosto de 2025
O desejo é um turista inquieto
O desejo é uma criatura caprichosa. Não se contenta com pouco, mas também não se satisfaz com muito. Você pensa que finalmente encontrou o objeto perfeito — o emprego dos sonhos, a viagem ideal, o par de sapatos que vai resolver sua vida — e logo percebe que, depois do primeiro suspiro de alegria, sobra aquele restinho irritante de insatisfação. O desejo é assim: um hóspede que não paga aluguel e ainda deixa a louça suja.
Lacan dizia que o desejo não encontra objeto que o esgote. Traduzindo: ele é um turista inquieto, que nunca desfaz as malas porque já está de olho no próximo destino. É como aquele amigo que come um pedaço de pizza e, antes de engolir, já está de olho na sobremesa. O objeto nunca basta. Sempre escapa um fiapo, um resto, algo que nos empurra para a próxima busca.
E é justamente por isso que o desejo é indestrutível. Não adianta tentar matá-lo com compras, casamentos, cursos de yoga ou cerveja artesanal. Ele vai sempre se reinscrever, travestido de novo capricho: ontem era uma casa, hoje é uma viagem internacional, amanhã, amanhã sabe lá deus o que será.
O engraçado é que, nesse jogo, o desejo tem uma vitalidade invejável. Nós ficamos cansados, endividados, frustrados, mas ele? Ah, o desejo acorda cedo, toma café reforçado e já está pronto para mais um dia de insatisfação criativa. Se há uma certeza nessa vida, não é a morte nem os impostos: é que o desejo nunca cessa de desejar.
segunda-feira, 25 de agosto de 2025
Envelheço na cidade
A cidade nos mede o tempo de outra maneira. Cada esquina é uma lembrança, cada rua guarda uma versão de nós mesmos que já não existe. E, de repente, a fila preferencial deixa de ser uma previsão distante para se tornar realidade concreta: um espaço que nos é cedido, não pela gentileza da pressa, mas pelo reconhecimento da passagem do tempo.
Envelhecer na cidade é aprender a ocupar esse espaço novo. Não como concessão, mas como direito. É olhar para os muros grafitados, para os ônibus lotados e para os jovens que correm sem parar e perceber que já estivemos ali, que ainda estamos, mas de outro modo. É continuar caminhando entre vitrines e semáforos, sabendo que o corpo desacelera, mas que a memória se expande.
Na verdade, talvez envelhecer na cidade seja justamente isso: deixar-se atravessar por ela de outro jeito. Em vez de lutar contra a pressa, acolher a pausa; em vez de se perder na multidão, descobrir novas formas de presença. Porque se há algo que a cidade nos ensina, com todas as suas filas, ruídos e surpresas, é que o tempo não é inimigo, mas companheiro de percurso.
sábado, 23 de agosto de 2025
Meu toc, minhas regras
É patético, eu sei. Enquanto alguns transformam a bagunça em inspiração, eu fico refém de uma organização neurótica. O caos me intimida, ele é, definitivamente, mais inteligente do que eu. Fico pequeno diante dele, incapaz de lutar.
Talvez seja covardia. Talvez seja frescura. Mas o fato é que só consigo escrever quando, ao redor, tudo está domado. A desordem grita mais alto do que qualquer ideia que eu poderia ter. E, convenhamos, competir com ela é batalha perdida.
Então, que me julguem. Eu arrumo, eu limpo, eu organizo. E só depois escrevo. Porque, se o mundo lá fora insiste em ser um pandemônio, ao menos dentro da minha mesa eu quero a ilusão de que mando em alguma coisa.
quarta-feira, 20 de agosto de 2025
A impossibilidade das garantias absolutas
A angústia, em Freud, é um dos afetos mais complexos do humano. Ela não é simplesmente um medo ou um susto, porque o medo está ligado a um objeto definido — ter medo de um animal, de uma situação, de uma perda concreta. A angústia, ao contrário, é vivida como um mal-estar difuso, sem objeto preciso. Por isso, Freud a aproxima da experiência de desamparo: é a sensação de estar diante de uma ameaça, mas sem saber exatamente de onde ela vem ou como enfrentá-la.
Para Freud, a angústia está ligada à condição mesma de ser sujeito. Desde cedo, a criança experimenta momentos de separação, ausência e perda que ficam registrados na vida psíquica. Esses momentos reaparecem na angústia, que se apresenta como a marca de que o sujeito é atravessado por faltas e limites. Assim, a angústia não é um acidente ou algo que poderia ser totalmente evitado, mas uma experiência estrutural da existência.
Ela também se diferencia do simples sofrimento. O sofrimento pode vir de uma dor física ou de uma perda concreta, mas a angústia mostra que há algo para além disso: um vazio, uma falta que não se resolve apenas eliminando a causa imediata da dor. Nesse sentido, Freud vê na angústia um afeto que aponta para o que é mais radical no humano — a impossibilidade de ter garantias absolutas, o confronto com aquilo que escapa ao controle e à razão.
Dizer o que é a angústia em Freud, portanto, é dizer que ela é o afeto da falta e do desamparo. Ela nos lembra de que não temos respostas prontas para tudo, nem controle sobre a vida e suas perdas. Incômoda, inquietante, às vezes paralisante, a angústia é também um sinal de que estamos vivos, atravessados por desejos, incertezas e pela própria fragilidade que nos constitui.
terça-feira, 19 de agosto de 2025
Quando o choro vale mais que a solução
É um espetáculo curioso: a vida oferece soluções práticas — simples como um copo de água — mas eles preferem o deserto. Andam quilômetros reclamando de sede, com a garrafinha na mão, só para poder narrar a epopeia. O problema deixa de ser obstáculo e vira personagem principal de uma novela em que eles mesmos escrevem e protagonizam cada capítulo.
E quando alguém sugere uma saída, é como estragar o roteiro. A solução, para eles, tem gosto de spoiler: arruína a trama, desmonta a catarse. Melhor manter a ferida aberta, porque dá mais likes, rende consolo, produz aquele ar de “sou incompreendido”. Resolver seria um atentado contra o drama cuidadosamente ensaiado.
Assim, convivemos com uma legião de adultos que reinventaram o dedo preso que não está preso: retiram quando querem, voltam a colocar só para gritar, e fazem disso o enredo eterno. O curioso é que, sem perceber, acabam aprisionados não pela porta, mas pelo prazer de continuar reclamando dela.
sábado, 16 de agosto de 2025
Quanto mais cansado o público, mais fácil naturalizar o absurdo
Essa ocupação constante produz um efeito corrosivo. O leitor, o telespectador, o ouvinte são bombardeados sem descanso, como se não houvesse mais silêncio possível no espaço público. O ruído se converte em fundo de tela, e a cada novo dia a exaustão se acumula. O desgaste não vem apenas do excesso de informação, mas da repetição de um mesmo enredo: um inimigo inventado, uma afronta teatral, uma frase dita para ferir. O ciclo se fecha e logo recomeça, como se fosse impossível escapar.
A própria mídia, na ânsia de noticiar tudo, acaba reproduzindo o método que a desgasta. Ao transformar cada provocação em manchete, reforça o espetáculo diário e ajuda a manter a extrema direita no centro da cena. O jornalismo, nesse processo, parece esquecer que a visibilidade também é uma forma de poder, e que dar palco constante ao escândalo significa legitimar a encenação. Assim, o que deveria ser crítica e investigação se converte em vitrine: o noticiário torna-se cúmplice involuntário do cansaço político que denuncia.
O resultado é que a política se converte em um espetáculo cansativo, em que o barulho substitui o debate. Em vez de argumentos, slogans. Em vez de reflexão, ataques. A exaustão se torna um recurso político:
quanto mais cansado o público, mais fácil naturalizar o absurdo. Resistir a esse método significa olhar para além da cortina de fumaça e buscar nos intervalos — nos temas apagados e nas vozes silenciadas — a possibilidade de outro debate. Reconhecer o cansaço é o primeiro passo; romper o ciclo e recuperar a densidade da palavra pública é o desafio urgente.
quarta-feira, 13 de agosto de 2025
Um país generoso
O Brasil é mesmo um país generoso. A gente trabalha, paga imposto, enfrenta fila no banco e engarrafamento no trânsito para, no fim das contas, custear o salário de Eduardo Bolsonaro – que, do alto de seu mandato, empenha-se com afinco numa missão: trabalhar contra os interesses nacionais. Sim, somos um povo tão desprendido que bancamos até quem atua como advogado de causas estrangeiras. E não de qualquer estrangeiro, mas do nosso ilustre amigo do norte, Donald Trump, símbolo vivo do extremismo made in USA. É quase um programa de intercâmbio diplomático às avessas: nós pagamos, eles mandam a pauta.
Pense bem: enquanto nós professores, médicos e pesquisadores brasileiros precisam lutar por reajustes e recursos, o filho do ex-presidente ocupa o seu cargo público como se fosse um porta-voz de Washington, vendendo a imagem de que a extrema direita americana é o farol que devemos seguir. E tudo isso com um detalhe encantador: sendo sustentado pelo contribuinte brasileiro. É como pagar para alguém morar na sua casa e, em troca, ele distribuir panfletos dizendo que o vizinho rico é mais legal que você.
A relação é tão simbiótica que chega a ser poética. Trump alimenta a retórica de Eduardo, e Eduardo alimenta Trump com discursos e gestos que reforçam essa confraria política internacional. Enquanto isso, assuntos como soberania nacional, política externa equilibrada e defesa dos interesses do Brasil ficam no rodapé da agenda. É como se estivéssemos numa novela ruim em que o personagem principal sempre troca a própria família por um jantar no clube do outro lado da cidade.
E nós? Bom, nós seguimos no papel de figurantes que bancam o espetáculo. Pagamos os salários, as viagens e o megafone político, enquanto assistimos à cena se repetir: um representante eleito aqui preferindo trabalhar para lá. Talvez seja hora de rever o roteiro e perguntar se essa “internacional da extrema direita” vale o preço do ingresso – que, por sinal, está debitado diretamente da nossa conta.
terça-feira, 12 de agosto de 2025
O compromisso com os direitos humanos tem fronteiras definidas pela conveniência
Prometo que será a última vez que me refiro ao Donald Duck Trump. O presidente dos Estados Unidos fez questão de se manifestar publicamente sobre a denúncia de violações de direitos humanos no Brasil. Foi rápido, enfático, com palavras que, na superfície, soam como defesa intransigente dos princípios democráticos e da dignidade humana. Ao se pronunciar dessa forma, colocou o país no centro da vitrine internacional, reforçando a imagem de guardião global dos direitos que os EUA gostam de dizer que representam. Mas, como quase sempre acontece na política, o que é dito tem tanto peso quanto aquilo que fica de fora.
Porque, quando se olha para outros cenários, o mesmo presidente mantém um silêncio eloquente. Israel, por exemplo, segue sob críticas de organizações internacionais por ações que, para muitos, configuram violações massivas de direitos humanos. Mas, nesse caso, as palavras de condenação não atravessam o Atlântico. Ao contrário, as declarações oficiais tendem a reforçar alianças históricas, evitando confrontos que possam afetar interesses estratégicos.
O mesmo acontece com El Salvador. Sob um governo que adota políticas de encarceramento em massa e restringe liberdades civis em nome da segurança, a Casa Branca prefere o tom neutro, quando não opta pelo elogio discreto ao combate ao crime. Não há a mesma urgência em apontar violações, nem a mesma pressão pública para a correção de rumos. É como se o compromisso com os direitos humanos tivesse fronteiras definidas pela conveniência geopolítica.
E, curiosamente, essa lógica seletiva se repete dentro das próprias fronteiras dos EUA. Questões como o tratamento dado a imigrantes — muitos detidos em condições precárias, separados de suas famílias ou deportados sem garantias processuais — raramente ganham o mesmo tom inflamado que se aplica a violações fora do país. O mesmo vale para as minorias de gênero e sexualidade, que enfrentam retrocessos legislativos, ataques à liberdade de expressão e violência motivada por ódio, enquanto o governo mantém um discurso genérico de apoio, sem enfrentar de forma decisiva as raízes estruturais dessa exclusão.
Essa assimetria nos mostra que, no palco internacional e doméstico, as falas presidenciais são gestos calculados. Criticar o Brasil pode ter um custo baixo nas alianças e ainda render dividendos políticos internos e externos. Já confrontar Israel, El Salvador ou assumir um enfrentamento efetivo contra as injustiças que atingem imigrantes e minorias de gênero mexeria com interesses econômicos, militares e estratégicos profundamente enraizados. No fim, o silêncio também fala — e, nesse caso, diz muito mais sobre a política do que qualquer frase de efeito cuidadosamente pronunciada.
sexta-feira, 8 de agosto de 2025
Uma multidão
Porque há amigos que a vida não conseguiu afastar, mesmo que estejam em outros estados, países, tempos. Eles moram naquela receita que a gente aprendeu junto, na lembrança de um bordão repetido mil vezes, no copo que ninguém ousa tirar do armário porque era sempre o deles. Há também os que se despediram para sempre — mas continuam voltando, sem pedir licença, como uma memória teimosa que sabe exatamente onde sentar. O tempo, esse senhor exigente, não dá conta de apagar o afeto.
Às vezes, sem perceber, a gente põe mais um talher. Serve um pouco a mais. Fala no plural. E quando dá por si, está sorrindo para alguém que não está ali — mas que sempre estará. É que a presença, quando é forte, se sustenta mesmo sem corpo, sem toque, sem som. Ela se escreve no ar, no espaço, no cuidado de manter aquele lugar intacto, como se dissesse: Você faz falta, mas ainda é parte.
A cadeira vazia não é ausência. É marca. É rastro de afeto que o tempo não levou. É sinal de que aquele amigo, aquele amor, aquele alguém que foi ou está longe, ainda senta com a gente — mesmo quando não chega.
segunda-feira, 4 de agosto de 2025
Escrever, esse desabafo disfarçado de produtividade
Tem dias em que a cabeça parece uma reunião de colegiado: todo mundo quer falar ao mesmo tempo e todo mundo tem razão. É nessa hora que eu escrevo. Não para organizar o caos, mas para dar forma a ele. Escrevo porque a cabeça anda cheia, o coração meio atravessado, e tem sentimento fazendo hora extra sem receber adicional noturno. A página em branco me escuta sem interromper, sem opinar, sem querer me dar conselho. E só por isso, já merece um abraço.
E olha que não escrevo para ser lido, às vezes nem eu me entendo depois. Mas escrevo como quem acende uma luz num corredor escuro só para mostrar que está tudo ali: cansaço, ternura, raiva, gratidão, amor e um pouquinho de tédio com os boletos da vida adulta. Escrevo para não acumular ressentimento no fígado, para dar um destino digno às lágrimas não choradas e às frases que engoli no trabalho para manter o emprego.
Se a escrita não resolve todos os meus problemas, pelo menos me deixa em melhores condições de lidar com eles. Depois de escrever, volto ao mundo mais leve, com menos vontade de xingar no trânsito ou de enviar uma mensagem impaciente no whats. Escrever virou meu jeito de conversar comigo mesmo sem ser interrompido por notificações. É terapia barata, com a vantagem de não ter que marcar horário.
domingo, 3 de agosto de 2025
Um dia desses
Tem dor que a gente arquiva, aperta salvar como rascunho e segue o baile. Mas o corpo não esquece, não perdoa, não perde prazos. Fica tudo ali, adiado, em stand-by, esperando uma brecha na agenda, uma folga no cansaço, um silêncio entre as notificações para finalmente desaguar. Às vezes, é no banho. Às vezes, lavando louça. Às vezes, entre um riso e outro, ele escorrega. Disfarçado. Educado. Envergonhado.
Tem choro que precisa ser chorado com hora marcada, como quem faz exame de rotina ou tira uma tarde pra resolver pendências emocionais. Choro velho, de infância, de perda mal curada, de susto disfarçado de coragem. Choro recente, de notícia difícil, de saudade adiada, de injustiça engolida com café preto. E a gente, cheio de compromissos, tenta ser forte, tenta ser adulto, tenta ser produtivo. Mas chega uma hora em que o choro cobra. Com juros, multa e correção emocional.
Prometo pra mim mesmo: um dia desses eu paro. Ligo o modo offline da alma. Deixo as lágrimas fazerem sua rebelião silenciosa, sem plateia, sem cronômetro. Porque tem tristeza que, se não for chorada, começa a se fantasiar de mau humor, de impaciência, de dor nas costas. E aí, meu caro, o problema já não é só o choro: é tudo que ele empurrou pra dentro quando só precisava sair.
sexta-feira, 1 de agosto de 2025
A atenção como capital
Há quem chame a atenção com um argumento bem colocado, com um gesto discreto, com uma ideia que se impõe pela inteligência. E há quem prefira gritar, causar e criar tumulto como método de governo. O atual presidente dos Estados Unidos parece ter optado por essa segunda forma: ocupar o noticiário à base do barulho. Sua gestão se pauta menos por políticas públicas concretas e mais por uma performance contínua de polêmicas, declarações estúpidas e medidas inflamáveis. O objetivo? Estar em todas as manchetes. De Nova York a Nova Délhi, passando por Brasília e Berlim, seu nome circula como se fosse um verbo: ora é conjugado com indignação, ora com ironia, mas nunca com silêncio. E é aqui que mora a astúcia do método: até mesmo este texto — que tenta rir um pouco da situação — acaba, ironicamente, contribuindo para a engrenagem de sua visibilidade. É como tentar apagar um incêndio com gasolina só porque a gente queria fazer um ponto.
Não se trata apenas de vaidade ou de um narcisismo presidencial em alta voltagem — embora isso também esteja no pacote. Trata-se de um modo de fazer política que entende a atenção como capital. Se antes os políticos buscavam a aprovação do eleitorado com promessas, hoje há quem prefira a lógica do engajamento: quanto mais se fala, mais se compartilha; quanto mais se compartilha, mais se consolida uma imagem (mesmo que seja a do vilão da história). E o melhor — para ele — é que a oposição, ao criticá-lo diariamente, contribui para mantê-lo em evidência. É como brigar com alguém que só quer ser notado.
Essa presença onipresente nas manchetes não distingue espectros ideológicos. Jornais progressistas o atacam, canais conservadores o defendem, os do centro o relativizam — mas todos o mencionam. A imprensa internacional acompanha com perplexidade, como quem assiste a uma série de drama político de gosto duvidoso. E enquanto isso, ele segue no palco, como um animador de auditório que aprendeu que o escândalo dá mais audiência que o conteúdo.
No fundo, talvez ele tenha entendido algo perverso sobre o tempo em que vivemos: mais do que governar, é preciso performar. Não é a realização que sustenta o poder, mas a visibilidade. E ele, convenhamos, tem feito isso com maestria. Como um maestro do ruído, rege a orquestra do caos com uma batuta de fake news, provocações e táticas de distração. E o mundo, entre atônito e viciado, continua assistindo — de olhos arregalados e dedos frenéticos no teclado.
O que importa é a qualidade dos instantes que cabem nos anos
O tempo que temos não é um estoque guardado numa prateleira, é um fio que se desenrola sem pausa, sem manual de instruções e sem devoluções....
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