segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Escrever, esse desabafo disfarçado de produtividade


Tem gente que corre, há quem malhe, quem medite, quem se entupa de séries e pipoca. Eu escrevo. Não é glamour, é necessidade. Escrever virou meu jeito de lidar com a bagunça interna sem precisar colocar a roupa na máquina. É como se as palavras saíssem pela ponta dos dedos empurrando um pouco da ansiedade, do cansaço e das interrogações existenciais para fora do corpo. Funciona mais ou menos como um grito abafado — só que com pontuação.

Tem dias em que a cabeça parece uma reunião de colegiado: todo mundo quer falar ao mesmo tempo e todo mundo tem razão. É nessa hora que eu escrevo. Não para organizar o caos, mas para dar forma a ele. Escrevo porque a cabeça anda cheia, o coração meio atravessado, e tem sentimento fazendo hora extra sem receber adicional noturno. A página em branco me escuta sem interromper, sem opinar, sem querer me dar conselho. E só por isso, já merece um abraço.

E olha que não escrevo para ser lido, às vezes nem eu me entendo depois. Mas escrevo como quem acende uma luz num corredor escuro só para mostrar que está tudo ali: cansaço, ternura, raiva, gratidão, amor e um pouquinho de tédio com os boletos da vida adulta. Escrevo para não acumular ressentimento no fígado, para dar um destino digno às lágrimas não choradas e às frases que engoli no trabalho para manter o emprego.

Se a escrita não resolve todos os meus problemas, pelo menos me deixa em melhores condições de lidar com eles. Depois de escrever, volto ao mundo mais leve, com menos vontade de xingar no trânsito ou de enviar uma mensagem impaciente no whats. Escrever virou meu jeito de conversar comigo mesmo sem ser interrompido por notificações. É terapia barata, com a vantagem de não ter que marcar horário.

domingo, 3 de agosto de 2025

Um dia desses


Tem dor que a gente arquiva, aperta salvar como rascunho e segue o baile. Mas o corpo não esquece, não perdoa, não perde prazos. Fica tudo ali, adiado, em stand-by, esperando uma brecha na agenda, uma folga no cansaço, um silêncio entre as notificações para finalmente desaguar. Às vezes, é no banho. Às vezes, lavando louça. Às vezes, entre um riso e outro, ele escorrega. Disfarçado. Educado. Envergonhado.

Tem choro que precisa ser chorado com hora marcada, como quem faz exame de rotina ou tira uma tarde pra resolver pendências emocionais. Choro velho, de infância, de perda mal curada, de susto disfarçado de coragem. Choro recente, de notícia difícil, de saudade adiada, de injustiça engolida com café preto. E a gente, cheio de compromissos, tenta ser forte, tenta ser adulto, tenta ser produtivo. Mas chega uma hora em que o choro cobra. Com juros, multa e correção emocional.

Prometo pra mim mesmo: um dia desses eu paro. Ligo o modo offline da alma. Deixo as lágrimas fazerem sua rebelião silenciosa, sem plateia, sem cronômetro. Porque tem tristeza que, se não for chorada, começa a se fantasiar de mau humor, de impaciência, de dor nas costas. E aí, meu caro, o problema já não é só o choro: é tudo que ele empurrou pra dentro quando só precisava sair.

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

A atenção como capital






Há quem chame a atenção com um argumento bem colocado, com um gesto discreto, com uma ideia que se impõe pela inteligência. E há quem prefira gritar, causar e criar tumulto como método de governo. O atual presidente dos Estados Unidos parece ter optado por essa segunda forma: ocupar o noticiário à base do barulho. Sua gestão se pauta menos por políticas públicas concretas e mais por uma performance contínua de polêmicas, declarações estúpidas e medidas inflamáveis. O objetivo? Estar em todas as manchetes. De Nova York a Nova Délhi, passando por Brasília e Berlim, seu nome circula como se fosse um verbo: ora é conjugado com indignação, ora com ironia, mas nunca com silêncio. E é aqui que mora a astúcia do método: até mesmo este texto — que tenta rir um pouco da situação — acaba, ironicamente, contribuindo para a engrenagem de sua visibilidade. É como tentar apagar um incêndio com gasolina só porque a gente queria fazer um ponto.

Não se trata apenas de vaidade ou de um narcisismo presidencial em alta voltagem — embora isso também esteja no pacote. Trata-se de um modo de fazer política que entende a atenção como capital. Se antes os políticos buscavam a aprovação do eleitorado com promessas, hoje há quem prefira a lógica do engajamento: quanto mais se fala, mais se compartilha; quanto mais se compartilha, mais se consolida uma imagem (mesmo que seja a do vilão da história). E o melhor — para ele — é que a oposição, ao criticá-lo diariamente, contribui para mantê-lo em evidência. É como brigar com alguém que só quer ser notado.

Essa presença onipresente nas manchetes não distingue espectros ideológicos. Jornais progressistas o atacam, canais conservadores o defendem, os do centro o relativizam — mas todos o mencionam. A imprensa internacional acompanha com perplexidade, como quem assiste a uma série de drama político de gosto duvidoso. E enquanto isso, ele segue no palco, como um animador de auditório que aprendeu que o escândalo dá mais audiência que o conteúdo.

No fundo, talvez ele tenha entendido algo perverso sobre o tempo em que vivemos: mais do que governar, é preciso performar. Não é a realização que sustenta o poder, mas a visibilidade. E ele, convenhamos, tem feito isso com maestria. Como um maestro do ruído, rege a orquestra do caos com uma batuta de fake news, provocações e táticas de distração. E o mundo, entre atônito e viciado, continua assistindo — de olhos arregalados e dedos frenéticos no teclado.

Escrever, esse desabafo disfarçado de produtividade

Tem gente que corre, há quem malhe, quem medite, quem se entupa de séries e pipoca. Eu escrevo. Não é glamour, é necessidade. Escrever viro...